Paris insurge-se contra campanha europeia pelo véu islâmico 

Dos socialistas à extrema-direita, os franceses reagiram contra uma campanha que teria como objetivo respeitar a diversidade e a inclusão, mas que promovia o <em>hijab</em>.
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Promover o véu islâmico como símbolo de liberdade foi uma ideia que o Conselho da Europa, instituição de defesa dos direitos humanos com sede em Estrasburgo, abraçou durante poucos dias. Perante a controvérsia gerada, em especial em França, a campanha cofinanciada pela Comissão Europeia, e com o dedo da Irmandade Muçulmana, acabou por ser retirada.

"Quão aborrecido seria o mundo se todos parecessem iguais?" Foi com esta pergunta de partida que o Conselho da Europa, em colaboração com a União Europeia, avançou com uma campanha online e nas redes sociais no dia 28 de outubro. A campanha consistia em imagens e vídeos com jovens sorridentes ladeadas por frases de ordem como "Traz alegria, aceita o hijab", "O meu hijab, a minha escolha", ou "A beleza está na diversidade, como a liberdade no hijab". A diversidade, no caso, é a "aceitação" e o "respeito" por um símbolo religioso. Já a liberdade colide com as leis da república francesa, por exemplo, que proíbe o uso do véu nas escolas desde 2004.

A campanha passou relativamente despercebida nos primeiros dias, mas acabou por receber reações extremamente polarizadas na internet e nas redes sociais. E voltou a abrir a caixa de Pandora em França, que em agosto viu por fim a lei contra o "separatismo e o comunitarismo" tornar-se realidade, após meses de debate e com a decapitação do professor Samuel Paty a exaltar mais as vozes de quem vê o islão político a ameaçar os valores liberais da sociedade.

"O islão é o inimigo da liberdade. Esta campanha é inimiga da verdade", declarou a nova coqueluche da extrema-direita francesa Éric Zemmour. O provável candidato presidencial que surge em segundo lugar nas intenções de voto criticou a "jihad publicitária" paga com os impostos dos franceses.

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Marine Le Pen, ultrapassada pela direita por Zemmour, não podia remeter-se ao silêncio num tema tão caro ao seu eleitorado. "Esta comunicação europeia a favor do véu islâmico é escandalosa e indecente enquanto milhões de mulheres lutam corajosamente contra esta subjugação", disse a líder da União Nacional.

A presidente da região da Île-de-France, Valérie Pécresse, também expressou o seu "espanto". "Não, o véu não é uma vestimenta como outra qualquer, não é um símbolo de liberdade, mas de submissão. E o papel da Europa é apoiar as mulheres que lutam no mundo pelo direito de denunciá-lo!", declarou a candidata às primárias da direita.

DestaquedestaqueA campanha financiada pela UE foi realizada em colaboração com duas associações ligadas ao fundamentalismo islâmico.

À esquerda algumas (poucas) vozes também se indignaram. "Recordar às pessoas que as mulheres são livres de usar o hijab (de acordo com as leis de cada estado-membro, em França as de 1905 e 2004) é uma coisa. Dizer que a liberdade está no hijab é outra. É promovê-lo. É este o papel do Conselho da Europa?", questionou a senadora do PS Laurence Rossignol, ex-ministra dos direitos da mulher.

Não foram só os franceses a protestar. "Grande erro do Conselho da Europa. Esta publicação prejudica a luta das mulheres pela liberdade! Como mulher e deputada, estou profundamente chocada. Irei sempre opor-me àqueles que abusam da liberdade de impor a subjugação das mulheres", disse a eurodeputada belga Assita Kanko.

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A controvérsia acabou por chegar ao governo francês e a secretária de Estado da Juventude, Sarah El Haïry, afirmou na televisão que a França tinha "expressado a sua forte desaprovação" através de canais diplomáticos, e em sequência a campanha foi abortada na terça-feira.

"Iremos refletir sobre uma melhor apresentação deste projeto", confirmou a organização europeia, onde estão representados 47 países, numa declaração à AFP. O objetivo da campanha "era sensibilizar para a necessidade de respeitar a diversidade e a inclusão e de combater todos os tipos de discurso de ódio", disse ainda o Conselho da Europa.

A campanha, adiantou ainda a organização, nasceu de "declarações individuais feitas pelos participantes num dos ateliês do projeto" We Can. E quem realizou o projeto? Segundo a Marianne, o Femyso, forum dos jovens muçulmanos europeus, que faz lobby pelo hijab e braço de uma organização próxima da Irmandade Muçulmana, a União das Organizações Islâmicas na Europa; e também o Forum Europeu de Mulheres Islâmicas, considerado a emanação feminina da Irmandade Muçulmana.

"O Conselho da Europa é, de facto, uma organização bastante fraca, o que representa um alvo fácil. Os ativistas islamistas têm-se concentrado nesta instituição em prol da anti-islamofobia e do ativismo pró-véu", comentou um especialista em extremismo à revista francesa.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) decidiu em julho que o empregador pode proibir as funcionárias de usarem hijab desde que haja um fundamento para tal. O tribunal com sede no Luxemburgo analisou a queixa de duas muçulmanas que foram suspensas por terem começado a usar o véu após terem regressado de períodos de ausência aos seus postos (uma delas numa farmácia, outra numa creche, ambas na Alemanha).

O TJUE decidiu que proibir o uso de um símbolo religioso visível não era discriminatório, uma vez que se aplica a todas as religiões. Contudo, segundo o TJUE, o empregador deve provar que existe uma "necessidade real" e que, sem esta proibição, a neutralidade da empresa seria posta em causa. Já em 2017 o mesmo tribunal havia julgado que em certas circunstâncias as empresas podiam proibir o uso de símbolos religiosos pelos trabalhadores.

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