"Paraguai foi a economia da região que mais resistiu à pandemia"

Vice-ministro das Relações Económicas e Integração do Paraguai, Enrique Franco, esteve em Lisboa para almoço-debate sobre o acordo Mercosul-União Europeia.

Para o Paraguai, qual a importância do Acordo entre União Europeia e Mercosul ser finalmente assinado?
Em primeiro lugar, pertencer ao Mercosul permite ao Paraguai aceder a um mercado ampliado e dá vantagens às pessoas e empresas que queiram trabalhar com o Paraguai. Logicamente, o acordo do Mercosul com a União Europeia dará ainda maior dimensão, uma maior previsibilidade, a esses investimentos no Paraguai. Interessa-nos continuar um trabalho de estabilidade futura e por isso queremos este acordo com a União Europeia.

O Paraguai é hoje, essencialmente, uma economia agropecuária?
É um país agropecuário, mas também tem muita experiência no setor de comércio e serviços e estamos a fazer um esforço importante para ter maior valor agregado nas nossas matérias-primas, desenvolvendo o setor industrial que, cremos, é o caminho pelo qual temos de avançar.

Este ano a economia vai crescer em volta de 4,5%, talvez 5%. Isso significa que está em boa forma e recupera bem da pandemia?
A pandemia foi muito complicada para todo o mundo, mas o Paraguai foi a economia da região que mais resistiu e a primeira a reagir depois. E agora também é a primeira, já há alguns meses, que deixou de subir a taxa de juro porque a inflação já ficou controlada. Então, a previsão de crescimento este ano é de 5%.

O Paraguai fala muito de ser um exemplo de estabilidade. O presidente agora eleito, Santiago Peña, vai ter pela primeira vez em muitos anos uma Câmara dos Deputados e um Senado do mesmo partido. Essa imagem de estabilidade política é também uma forma do Paraguai atrair investimentos?
A estabilidade traz sempre maior segurança nos investimentos. Nos últimos 30 anos os governos podiam não ter maioria no parlamento, mas sempre tivemos estabilidade por via da negociação. Agora é possível mais, porque é o mesmo partido, há mais estabilidade, mas penso que mesmo antes desta maioria já tínhamos estabilidade. Temos, por exemplo, a mesma moeda, o guarani, há 80 anos e a ideia é que a estabilidade monetária também continue.

Manter a moeda é quase uma exceção na América Latina, não é?
Eu acho que sim. Há uma moeda mais antiga, mas com esta estabilidade não, sem ter feito conversão, penso que seja a única.

Há outros dois problemas que muitas vezes se fala de afetarem a América Latina, que é a criminalidade e a corrupção. Como é que isso afeta o Paraguai?
A corrupção é uma questão muito difícil, temos de trabalhar para a reduzir. Posso dizer que no Paraguai temos, há alguns anos, uma lei de informação pública sobre os salários, está tudo disponível ao público. Ou seja, é uma forma de tornar as coisas mais transparentes. Há muita consciência na opinião pública sobre a necessidade de combater a corrupção e existe uma pressão contra as pessoas que querem atuar mal no governo. Também há questões estruturais, para as quais temos de encontrar uma solução de financiamento das políticas públicas, que são muito importantes para transformar o crescimento em desenvolvimento. Temos crescimento, mas é preciso ter desenvolvimento também e, com políticas públicas, vamos conseguir ajudar a evitar a criminalidade também.

A criminalidade é elevada ou não?
Acho que não podemos dizer que é elevada. É uma criminalidade que está aí, assim como o perigo, mas penso que também é uma questão global. Assim como o investimento, as empresas, as ideias políticas no meio ambiente são globais, também a criminalidade se tornou global. Então, para os países, não somente para o Paraguai, é um desafio, porque o Estado tem um limite territorial, mas o desafio é global.

A criminalidade no Paraguai vem de fora, é organizada de fora?
Também vem vinculada a isso e não podemos lutar sozinhos, por isso é que é preciso uma cooperação para lutar contra a criminalidade organizada de forma global. Mas a nível paraguaio, tentamos sempre combater a criminalidade, mas é preciso contar com políticas públicas e há questões estruturais para o financiamento de políticas públicas que têm a ver com a realidade paraguaia. A população, o tamanho da população, que é o tamanho do mercado, a condição do país, os custos de não ter litoral. É preciso atrair investimento, mas para isso é preciso dar incentivos, o que se traduz em menos impostos, o que significa que temos menos dinheiro para financiar as políticas públicas. É uma situação contra a qual estamos a lutar, especialmente procurando mais investimento, mas isso leva tempo e exige esforço.

Nesta crise global, por causa da guerra da Ucrânia, sei que o Paraguai tem votado contra a Rússia nas Nações Unidas. O Paraguai foi afetado indiretamente pelas sanções à Rússia, porque deixou de exportar carne para esse mercado?
Em geral, um conflito deste género afeta sempre todos de alguma forma. Nós somos exportadores e a Rússia era um mercado importante para a carne paraguaia, e as sanções têm também um efeito para os exportadores nesse mercado, porque afetam os bancos na Rússia.

Deixaram de exportar porque a Rússia já não vos pode pagar?
Era difícil cobrar, mas também há efeitos da inflação nos alimentos, na energia a nível global, isso é algo que afeta todos os países. Os países menos desenvolvidos também têm sido mais afetados. Esperamos que seja algo que termine rapidamente, com uma solução célere para o bem de todos, até porque todas as partes, incluindo as que não têm participação direta no conflito, são afetadas.

O Paraguai tem relações diplomáticas com Taiwan, mas não com a República Popular da China. A presença económica chinesa é muito forte em toda a América Latina, mas no Paraguai o investimento taiwanês tem funcionado como alternativa?
A relação com Taiwan é importante, e é uma questão de princípios e valores, mas também no último governo tem havido um aumento importante das exportações e da qualidade das exportações paraguaias para Taiwan. Estamos a trabalhar em alguns projetos de energia renovável também com Taiwan, eletromobilidade, de maneira a poder desenvolver capacidades no nosso país. Então, a relação com Taiwan é importante, não só por princípios, mas também pela realidade. Mas na importação, por exemplo, 40% da importação vem da China.

40% do que o Paraguai importa é da China?
Sim.

E o Paraguai consegue exportar para a China também?
Diretamente, pouco, mas é provável que sim por via de outros portos.

Há algum partido político que defenda estabelecer relações com a China, cortando-as com Taiwan?
Entre os partidos maiores, nas últimas eleições, houve um dos candidatos que falou sobre estudar-se essa possibilidade, mas penso que não é um tema de debate atualmente.

O Paraguai não tem relações diplomáticas com a China, com a Europa tem este desejo de maior aproximação, nomeadamente através do Mercosul. E com os Estados Unidos, a relação como está?
É muito próxima. Estamos agora em negociações, temos uma cooperação muito antiga com os Estados Unidos, acordos muito antigos. Há uma proximidade na visão, nos princípios de democracia, que é a mesma que compartilhamos com a Europa relativamente à liberdade e democracia. Também estamos na mesma região, no mesmo hemisfério, por isso é um parceiro antigo, tradicional, e agora estamos a negociar a abertura do mercado da carne para os Estados Unidos.

Na sua visita a Portugal, o principal objetivo foi a questão do Mercosul?
Não, a nossa visão é de fazer uma aproximação a Portugal. Portugal tem uma posição privilegiada na União Europeia, o Mercosul é importante para o Paraguai, mas Paraguai e Portugal podem trabalhar juntos, bilateralmente, e também com o Mercosul. O objetivo é trabalhar com Portugal, ver as oportunidades que temos de desenvolver a relação em áreas que podem ser importantes para ambos os países. Essa é a missão.

Aleixo Garcia foi o primeiro europeu a chegar ao Paraguai, o histórico Dr. Francia tinha um pai português. No Paraguai as pessoas sabem desta ligação histórica a Portugal?
Há alguma história comum e é conhecida. A primeira pessoa da Europa que chegou era de Portugal, então há uma relação antiga e uma presença ao longo da história. Acho que devemos encontrar também hoje uma forma de identificar mais elementos estratégicos para um trabalho conjunto com Portugal.

A vossa vizinhança com o Brasil faz com que haja muita gente a falar português no Paraguai?
Há muita gente que fala português porque veio do Brasil e ficou a viver no Paraguai, portanto, a sua descendência fala português, mas também há pessoas que trabalham com o Brasil e têm de falar português por razões profissionais. É muito importante a vários níveis a nossa relação com o Brasil também.

leonidio.ferreira@dn.pt

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