"Para ter uma sociedade iraquiana saudável, é preciso ter mulheres iraquianas saudáveis"
Qual é a situação das mulheres no Iraque hoje em dia?
Penso que a situação de todo o país foi muito difícil ao longo dos últimos anos. Mas as mulheres talvez tenham sofrido mais. Depois do genocídio yezidi pelo Estado Islâmico, por exemplo, 80% das vítimas eram homens e as mulheres ficaram sozinhas. Por isso, as mulheres dessa pequena comunidade do nosso país sofreram muito no passado, mas acho que hoje têm direitos iguais, mudámos muitas leis e adaptámos a legislação à resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU. A dificuldade é reconstruir um país que passou por tanto trauma durante a guerra e as ondas de terrorismo. Houve mulheres que sobreviveram aos campos durante a ditadura e que sobreviveram denovo durante a guerra. Mas desde 2018 que temos tentado reconstruir o país, empoderar as mulheres, dando-lhe mais oportunidades para ter acesso ao trabalho tanto no setor privado, como no público. Nas áreas rurais temos tentado ajudá-las a criar as suas próprias empresas e estruturas para poderem ser ativas na sociedade. Com a ajuda de várias ONG, e claro das Nações Unidas, temos tentado organizar workshops, cursos e melhorar as escolas. Atualmente 30% dos funcionários do setor público são mulheres e no setor privado temos apenas 5%, então temos tentado desenvolver apoios para mais mulheres entrarem nesse setor. Em algumas áreas como a Educação e a Saúde, a maioria dos funcionários são mulheres. Dar autonomia às mulheres, autonomia económica, além de educação e acesso à saúde, vai construir uma nova perspetiva para o país. Para ter uma sociedade iraquiana saudável, é preciso ter mulheres saudáveis, mental e fisicamente e que sejam autónomas.
Há mulheres ministras no Iraque?
Atualmente temos três mulheres ministras e cerca de 30% dos membros do parlamento são mulheres. A quota para o governo federal é de 25%, mas nós ultrapassámos essa quota, o que significa que as pessoas votaram para ter 30% de mulheres no parlamento. Na região do Curdistão a quota é de 30%. Tanto em Bagdad como no Curdistão temos departamentos de mulheres, que tratam de questões relacionadas com as mulheres, e estão a adaptar a legislação e o sistema educativo às regras internacionais. Se olharmos para as Nações Unidas e outras organizações internacionais, e para o papel do Iraque, temos tido um papel de liderança. O país está a lutar para que todos os cidadãos sejam iguais e tenham acesso a tudo.
Há diferenças na integração de mulheres sunitas e xiitas no mercado de trabalho?
O Iraque tem a sorte de ser um país multicultural e multilinguístico. No país temos mais de 12% da população que não é muçulmana. E essas minorias, como os cristãos, judeus, e outras, ajudam no desenvolvimento de mentalidades. Não é uma questão de ser cristão, muçulmano, xiita, sunita, ou curdo. É uma questão dos meios que se oferece, se têm acesso à educação. Todas as religiões, incluindo os mais radicais, nunca negaram o acesso das mulheres à educação e ao trabalho. A única diferença para algumas religiões, por exemplo, é que as mulheres devem usar véu quando vão trabalhar, ou não mostrar o corpo. Mas não é como os talibãs que têm regras muito mais estritas para as mulheres problema principal do Iraque é a segurança. Tivemos a intervenção de vários países estrangeiros, e agora estamos a resolver esse problema e a tornar o Iraque num país seguro. A segunda questão é económica. Como é que se consegue reconstruir um país que tem uma das mais altas taxas de nascimentos do mundo e com um crescimento da população de um milhão de pessoas por ano? A nossa população atualmente é de cerca de 40 milhões de pessoas. O nosso país é um dos mais ricos em recursos naturais do mundo, mas depois de anos de embargo e guerras e ter de reconstruir o país com uma grande população, é difícil. Todos os anos temos de construir novos hospitais e escolas, criar novas oportunidades de trabalho. Estes são os maiores desafios que temos hoje, como dar trabalho a toda a gente, tanto homens como mulheres, mas estamos a dar prioridade às mulheres pois a guerra fez muitas viúvas e órfãos.
Há grandes diferenças na situação das mulheres no Curdistão iraquiano e no resto do Iraque?
No Curdistão, a mentalidade é diferente, pois a região está separada da ditadura desde 1991. Por isso eles tiveram 13 anos de liberdade para serem mais conscientes sobre a democracia, direitos humanos e das mulheres. Eles não tinham terrorismo no Curdistão essa segurança deu-lhes mais oportunidades. Em algumas cidades do norte, eles são desenvolvidos e têm sistemas de educação internacional de vários países. Por ser uma área pacífica, é tudo um pouco diferente, mas todo o Iraque vai conseguir ser assim. O Iraque tem muitas oportunidades, não só quanto ao gás e petróleo. Há várias religiões presentes no país que têm os seus santuários. O Papa visitou a cidade de Uruk, um santuário cristão, e foi a primeira vez que um Papa fez essa visita. Temos muitos recursos humanos e pessoas bem formadas. O nosso país teve a sua primeira mulher ministra em 1959, e foio primeiro no mundo árabe a conseguir este feito. Uma das mais famosas arquitetas mulheres do mundo é iraquiana, Zaha Hadid, já falecida. As mulheres têm tido um papel importante no Iraque desde sempre.
No tempo de Saddam Hussein havia uma ditadura que apesar de tudo era laica. Quais são as diferenças do Iraque no tempo de Saddam e agora?
O Iraque ainda é um país laico. O Iraque tem sido multiétnico e multirreligioso há mais de oito mil anos, não é de hoje. Havia um tribunal de religião, o millet, que é originário do Império Otomano, e que ainda existia durante o regime de Saddam. Hoje em dia temos um tribunal independente para cada religião. Todas as religiões são iguais e têm um orçamento de um órgão independente. Em termos sociais eram proibidos jornais, canais de televisão internacionais, não havia internet, nem telemóveis, e quem fosse apanhado com um era morto. Durante a altura do embargo, o salário mensal, tanto para homens como para mulheres, era dois dólares por mês. Hoje em dia, os salários são 300 a 400 dólares por mês e tem-se acesso a tudo. A constituição reconhece que todas as religiões são iguais, além da igualdade entre géneros, e toda a gente no país. Até hoje, apesar de décadas de guerra no Iraque, temos mais de 30 religiões a viver no país.
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