"Os Açores estão no passado, no presente e no futuro da relação entre Portugal e os EUA”
Veio aos Açores para o Sister Cities Summit, da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). O arquipélago é essencial nesta relação entre os Estados Unidos e Portugal?
Os Açores são centrais, são muito importantes na nossa relação, pela situação geográfica, desde logo. E foi também a situação geográfica que trouxe esta circunstância de estarmos juntos com os EUA numa base aérea nos Açores. Numa base aérea portuguesa, onde os americanos têm estado, onde as duas forças aéreas têm estado lado a lado nos últimos 80 anos. Depois há o fator comunidades. Se nós olharmos para as várias vagas de migrações portuguesas para os EUA, os açorianos foram logo nas primeiras, para o Havai, para a Califórnia, e, ainda antes disso, para a Nova Inglaterra, com os balieiros. Alguns acabaram no Canadá e até passaram pelo Alasca, o que é muito interessante. E pelo Havai, antes ainda das grandes vagas migratórias portuguesas. E, portanto, os açorianos foram sempre uma parte muito importante, mais de metade, das vagas migratórias portuguesas para os Estados Unidos. Hoje, não havendo grandes vagas migratórias portuguesas para a América há 30, 40 anos, o que temos, essencialmente, são comunidades luso-americanas. E nessas comunidades, devido à origem dos seus avós, bisavós, trisavós, esses luso-americanos também são, em boa parte, descendentes de açorianos. Portanto, é relativamente comum que parte das tradições religiosas, tradições culinárias, por exemplo, sejam também muito tradicionais dos Açores. E depois há o futuro. Uma parte importante das oportunidades para desenvolver ainda mais a cooperação com os Estados Unidos, inclusive a cooperação económica, a cooperação científica, está nos Açores e à volta dos Açores. Porque tem a ver com a nossa enorme zona económica exclusiva. A economia azul tem a ver com os centros que aqui existem, o Air Center, o Atlantic Center, a sede da nossa agência espacial que está em Santa Maria. Portanto, os Açores estão no passado, estão no presente e estão no futuro desta relação com os EUA.
Estava a falar da comunidade e de como essas tradições passam de geração em geração. Agora que Portugal está na moda na América, que as novas tecnologias encurtam distâncias, estes novos tempos que estamos a viver vieram reacender essa tradição nos mais jovens?
Sim, essas novas tecnologias e, especialmente, as novas formas de contacto. Hoje estamos muito mais em contacto. Há muito mais facilidade de transporte. Hoje em dia temos mais de 100 voos diretos semanais entre os Estados Unidos e Portugal. E, portanto, isso ajuda muito as novas gerações a manterem-se em contacto. Mesmo que tenham perdido a língua portuguesa, como é normal que percam, não todos, mas uma parte. Outro fator que tem contribuído para aproximar estas comunidades é este muito maior conhecimento de Portugal na América. Há muito mais pessoas a vir cá. Muito mais gente que está interessada em tudo o que tem a ver com Portugal. O visitar, o comprar casa, o passar cá algum tempo, ou até alguns mudarem-se para cá. O perceberem que as nossas universidades são boas. Temos cada vez mais estudantes americanos, por exemplo, nas nossas universidades. Perceberem que as nossas empresas têm algo para lhes dar que pode ser complementar daquilo que as empresas americanas fazem, por exemplo. Portanto, esse maior conhecimento também está a ajudar as gerações de luso-americanos mais novas a terem mais interesse e curiosidade por Portugal, mas também a serem ainda mais orgulhosas do país, dos avós ou dos bisavós.
Há muito tempo que os açorianos e os portugueses descobriram a América, mas a América também está a descobrir agora Portugal?
É isso mesmo. E voltando também a essa curiosidade maior, a esse conhecimento maior e a esse maior orgulho, é claro que quando um miúdo de uma escola secundária chega depois de férias e diz que foi a Portugal, um miúdo que não tem nada a ver com Portugal, que não tem uma gota de sangue português, ou de sangue lusófono - porque o Brasil e Cabo Verde também têm grandes comunidades nos EUA -, quando esse miúdo, que não tem nada a ver com Portugal, nem com a língua portuguesa, chega depois das férias e diz que foi a Portugal com os pais e que gostou muito, o seu amigo luso-americano vai gostar muito de ouvir isso. E vai ficar ainda mais orgulhoso da terra dos antepassados.
Não é possível falarmos da nossa comunidade sem falarmos de uma preocupação com as novas políticas migratórias desta administração americana. Houve algum receio de que as deportações de ilegais prometidas pelo presidente Donald Trump pudessem afetar a comunidade lusodescendente. Houve alguns casos noticiados…
Nós estamos muito atentos, obviamente. Estamos especialmente a acompanhar os casos humanos mais difíceis. E cá, em Portugal, quer aqui o governo dos Açores, quer o governo da República, quer a segurança social em todo o país está especialmente atenta a esses casos. O que é que tem acontecido até agora, desde o princípio do ano? Essencialmente, têm-se cumprido processos que, a maior parte deles, já estavam decididos. Já vinham de trás. Boa parte deles são processos de condenações por algum tipo de crime. E que depois, porque a pessoa não é americana, não tem a nacionalidade americana, são acompanhados por uma pena acessória de expulsão. E isso sempre aconteceu. E nós em Portugal também fazemos isso. Quando há estrangeiros condenados por crimes em Portugal, nós também temos essa possibilidade, que os tribunais usam, de adicionar uma pena acessória de expulsão. E, portanto, a maior parte dos processos que têm acontecido são esse tipo de expulsões. Também tem havido imigrantes que ficaram, os chamados overstays, que entraram com vistos de turismo há alguns anos, há 15, 20 anos, e foram ficando. E isso, de facto, tem acontecido. E é nesses overstays que há situações humanas que precisam de maior acompanhamento. E é a esses que estamos mais atentos.
Estamos a falar de que números? Na ordem das dezenas?
Sim, estamos a falar, neste momento, de poucas dezenas. E, como eu disse, a maior parte resultando de processos que não têm nada a ver com estas novas normas. São processos em que há uma decisão judicial acessória de expulsão.
Além destas questões, que tipo de problemas e dúvidas chegam à embaixada e aos consulados portugueses nos EUA?
Nós temos uma rede, para além da missão nas Nações Unidas em Nova Iorque, que inclui a embaixada com a sua secção consular em Washington e mais seis postos consulares. Três na Nova Inglaterra, portanto Providence, Boston e New Bedford, depois Nova Iorque, Newark (em New Jersey, próximo Nova Iorque) e São Francisco. Quer nos consulados, quer na secção consular em Washington, quem usa os nossos serviços são os portugueses e luso-americanos que vivem nos Estados Unidos. Tratamos de registo civil, de notariado, todo o tipo de apoio, cartões do cidadão, passaportes… Depois, também ainda na área consular, o que é que temos, e a crescer muito, e com pressão sobre os nossos recursos humanos? Vistos. O que está em boa parte ligado a esse maior conhecimento sobre o nosso país. Começamos logo nos vistos de turismo. Há muita gente que vive nos EUA e que não é americana - porque um americano não precisa de visto para vir a Portugal em turismo - mas que quer vir a Portugal. E que, portanto, precisa de vistos de turismo para entrar. Depois há os vistos de estudante. Temos cada vez mais estudantes americanos ou vindos dos EUA a estudar em Portugal. E esses precisam de vistos. Depois temos os vistos de residência, que também estão a crescer. Essencialmente, na área consular, estamos a falar desse tipo de vistos. Mas, para além disso, obviamente, temos de fazer o acompanhamento político das relações.
Voltando aqui aos Açores, estamos a celebrar os 230 anos do consulado dos EUA em Ponta Delgada. Quando diz que é embaixador de Portugal lá nos Estados Unidos, as pessoas associam a esta relação muito antiga entre os dois países?
Cada vez mais associam, porque o conhecimento de Portugal nos EUA é cada vez mais alargado e cada vez mais aprofundado, as pessoas, e eu viajo muito nos Estados Unidos, e vou a estados que estão muito longe das zonas tradicionais de fixação dos portugueses durante as ondas de migração no passado, cada vez mais encontro gente que me diz ou que já foi a Portugal, ou que está a prever ir a Portugal, ou que soube de alguém que foi a Portugal, ou que está atenta a oportunidades económicas ou de parcerias científicas com Portugal. Isto é uma coisa que me acontece cada vez mais frequentemente.
Já não há aquela ideia de que os americanos nem sequer sabem onde Portugal fica no mapa?
Isso acho que praticamente já não há. Mas havia. Eu fui pela primeira vez aos Estados Unidos há 40 anos, quando era estudante. E não havia, nem pouco mais ou menos, o conhecimento que há hoje sobre Portugal.
Falar dos Estados Unidos e de Portugal, sobretudo nos Açores, é falar da Base das Lajes. Como se viu nos últimos dias, no ataque dos EUA ao Irão, a base continua com a importância estratégica que sempre teve?
Há 10, 12 anos, os Estados Unidos decidiram reduzir bastante a presença militar aqui, houve até quem pensasse que podiam dispensar a presença aqui na Base das Lajes. Para nós sempre foi óbvio que a base era importante, não só para Portugal e para a NATO, para a relação transatlântica, mas também para os EUA. Era importante que existisse essa presença. Agora, sobre os últimos dias, isso o Governo já falou, o Ministério da Defesa já disse que do nosso lado, no fundo, são as autorizações genéricas.
Como já vimos, a relação entre Estados Unidos e Portugal é antiga e forte, mas como transformar isso numa relação económica que seja para o futuro? No fundo, quais são os desafios para o futuro da relação?
É continuar, dar continuidade e aprofundar aquilo que temos. Porque a relação já é muito rica. Comércio, investimento, tudo considerado, vale já 15 mil milhões, de dólares. Portanto, já é uma relação que conta. Os EUA são, neste momento, já o nosso quarto parceiro comercial. E, portanto, o que há a fazer é desenvolver esta relação que já é bastante profunda. E quando eu digo diversificar, é diversificar em termos setoriais. Ou seja, quando eu visito empresas portuguesas que investiram nos Estados Unidos ou empresas americanas que já investiram em Portugal, estamos a falar de setores desde o agroalimentar até ao setor químico, até às energias renováveis, até às embalagens. E, portanto, a relação é muito diversificada. Mas para ter futuro, esta relação precisa de ser prosseguida por outras entidades que não só as câmaras municipais, não só os mayors, o city council, as representantes de câmaras, até porque existem mandatos, às vezes, muito curtos, dois anos só, por exemplo. Portanto, quanto mais esses programas forem levados avante por outras instituições, por escolas, por universidades, por câmaras de comércio, mais possibilidades de sucesso têm e mais continuidade têm.
Já disse que não há vagas de emigração portuguesa para os EUA há 30 ou 40 anos. Quem é que emigra agora?
São sobretudo jovens portugueses que são parte daquilo que eu denominaria o mercado laboral global e que muitos deles podem estar hoje em Boston, para o ano em San Francisco e daí a cinco anos em Singapura, ou na Holanda, por exemplo. E são também, de vez em quando, pessoas que são recrutadas para ofícios específicos, que tenham um especial saber fazer. Os Estados Unidos são a primeira economia no mundo, a mais inovadora e há sempre quem vá à procura disso.
No fundo, o american dream ainda existe. Só já não é um sonho em massa?
É isso.