Os 100 dias em que Trump tentou refazer a América... e o mundo
Para assinalar os cem dias no poder, Donald Trump vai estar esta terça-feira num comício no condado de Macomb, no Michigan. "O presidente Trump está entusiasmado por voltar ao grande estado do Michigan na terça-feira, onde vai estar em comício no condado de Macomb para celebrar os 100 PRIMEIROS DIAS", escreveu a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt. Protagonista de uma verdadeira revolução, sobretudo na política interna, mas também na externa, sobretudo através das tarifas alfandegárias que impôs a quase todos os países do mundo, Trump chega a este marco da sua presidência com a popularidade em queda.
Segundo a última sondagem Washington Post/ABC News, só 39% dos americanos aprovam a atuação do presidente, contra 55% que desaprovam. Cinco por cento não sabem ou não respondem. O próprio Washington Post garante que nenhum outro presidente, desde que existem registos, foi tão impopular como Trump a esta altura do mandato. Joe Biden, por exemplo, andava pelos 52% de aprovação na mesma altura, enquanto Barack Obama, no seu primeiro mandato, tinha 69%.
Nestes pouco mais de três meses desde a tomada de posse, a 20 de janeiro, Trump cumpriu a promessa feita na campanha para as presidenciais de novembro: mudar drasticamente o rumo da América mal chegasse à Casa Branca. Para o bem e para o mal.
Talvez a medida mais marcante - e a que pode ter o maior impacto a nível global - é a imposição de um conjunto sem precedentes de tarifas alfandegárias sobre os produtos vindos da China, da Europa ou de quase todos os cantos do mundo. O que levou muitas capitais a reagir, impondo tarifas aos produtos americanos, deixando o mundo à beira de uma guerra comercial. Mas, aqui como noutras medidas que já anunciou, Trump protagonizou avanços e recuos - impondo tarifas de 145%, por exemplo, aos produtos chineses, para depois admitir que poderão baixar, ou suspendendo tarifas sobre automóveis ou o aço. Estas mudanças de opinião levam alguns analistas a ver nas tarifas de Trump uma forma de levar os países a negociar com os EUA.
Uma outra sondagem, CBS/YouGov, mostra que 53% dos americanos acha que a economia nacional está pior desde a chegada do republicano ao poder, com 28% a responderem que está melhor e 19% a dizer que está na mesma. A ano e meio das eleições intercalares, estas não serão boas notícias para o milionário que venceu com a promessa de melhorar a economia americana e fazer a América grande outra vez - de acordo com o seu slogan Make America Great Again.
Golfo da América e um Canadá americano
"Trump é muito mais radical agora do que era há oito anos", afirmou à Reuters Elliott Abrams, conservador que serviu os presidentes Ronald Reagan e George W. Bush antes de ser nomeado enviado especial para o Irão e a Venezuela no primeiro mandato de Trump. "Fiquei surpreendido", confessou Abrams.
Em termos diplomáticos, Trump começou por retirar os EUA da Organização Mundial de Saúde e do Conselho dos Direitos Humanos, prometendo ainda sair do Acordo de Paris sobre o Clima, como já fizera no primeiro mandato.
Já na Casa Branca, Trump reafirmou a intenção de anexar o Canadá, transformando-o no 51.º estado dos EUA. O presidente americano gerou ainda indignação ao renomear o Golfo do México de Golfo da América e ao prometer assumir o controlo do Canal do Panamá. Além disso, tem repetidamente admitido a possibilidade de recorrer à força para assumir o controlo da Gronelândia, gerando tensões com a Dinamarca, aliado da NATO.
À procura da paz de forma inconvencional
Logo no início de fevereiro, Donald Trump deixou a sua visão para o futuro da Faixa de Gaza, num pós-conflito com Israel. Para o presidente dos EUA, a solução seria retirar os palestinianos do enclave onde mais de 50 mil pessoas já morreram desde o ataque do Hamas em Israel em outubro de 2023, durante o qual o grupo terrorista palestiniano matou 1200 pessoas e sequestrou outras 250, e depois reconstruir o território, transformando-o na "Riviera do Médio Oriente".
A equipa de Trump, que esteve envolvida no cessar-fogo alcançado ainda antes de o republicano tomar posse, tem procurado convencer as duas partes a regressarem a uma trégua, depois de a primeira ter sido quebrada a 18 de março.
Quanto ao conflito na Ucrânia, Trump rapidamente percebeu e desvalorizou a sua promessa de acabar com a guerra em 24 horas. Empenhado numa aproximação à Rússia, o presidente americano procurou normalizar as relações com Moscovo, promovendo vários encontros entre Putin e o seu enviado ao Médio Oriente (e ao resto do mundo, ao que parece), Steve Witcoff, além de um encontro entre o secretário de Estado americano, Marco Rubio, e o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov.
Trump tem procurado levar os dois lados a aceitar um plano de paz que implicaria que a Ucrânia aceitasse a perda de territórios, a começar pela Crimeia, anexada em 2014 pela Rússia, mas também algumas zonas fronteiriças sob controlo russo. Isto além de Kiev ter de deixar de parte a adesão à NATO.
Nos últimos dias Trump não tem escondido a irritação com Putin, de tal forma que até escreveu na sua rede Truth Social "Vladimir STOP", apelando ao presidente russo para parar com os ataques contra território ucraniano. Mas se antes do funeral do papa, teve um frente a frente com Volodymyr Zelensky, numa sala do Vaticano, ainda está nas fresco na memória o embate entre os dois na Casa Branca, durante a visita do presidente ucraniano a Washington. Na altura, Trump e o vice-presidente, JD Vance, criticaram severamente Zelensky e acusarem-no de não contribuir para um plano de paz com Putin.
Imigração na mira
Durante a campanha, Trump prometeu a maior deportação em massa da história dos EUA. Desde que tomou posse, esse plano tem sido colocado em marcha, mas não ao ritmo que o atual executivo antecipava.
O Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) deportou pouco mais de 12.300 imigrantes entre 1 e 28 de março, um pouco abaixo das 12.700 pessoas deportadas no mesmo período do ano passado, segundo dados da NBC News.
Nesse sentido, o Governo tem aumentado a pressão sobre os imigrantes para que deixem voluntariamente os Estados Unidos, além de ter chegado a um acordo com o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, para enviar os imigrantes detidos nos EUA para esse país da América Central, bem sucedido nos últimos anos na luta contra o crime organizado.
Os EUA também já revogaram vistos a centenas de estudantes universitários por protestos contra a guerra em Gaza.
"Ataque" contra a Justiça
Especialistas em Direito Constitucional citado pelos media americanos consideram que Trump está a realizar um "ataque sem precedentes" ao sistema judicial do país, colocando em risco o Estado de Direito. Os tribunais federais estão atualmente a julgar mais de uma centena de ações judiciais contra as medidas do presidente, muitas delas relacionadas com a imigração.
Com as políticas de Trump a começarem a ser confrontadas com barreiras legais, os assessores e apoiantes do presidente entraram numa cruzada contra juízes e escritórios de advogados, questionando diariamente a legitimidade do sistema judicial norte-americano.
Em março, o presidente ameaçou tomar medidas contra advogados e equipas jurídicas que apresentem ações judiciais contra as medidas migratórias do Governo, resultando num clima de intimidação.
Um desafio à própria Constituição americana é a reivindicação de Trump de se poder candidatar a um terceiro mandato. A 22.ª emenda, aprovada em 1947, afirma: "nenhuma pessoa será eleita para o cargo de presidente mais de duas vezes, e nenhuma pessoa que tenha ocupado o cargo de presidente, ou atuado como presidente, por mais de dois anos de um mandato para o qual outra pessoa tenha sido eleita presidente, será eleita para o cargo de presidente mais de uma vez."
Cortes no governo e luta contra o wokismo
A administração Trump "cortou o financiamento da investigação e interrompeu grandes áreas de ciência financiadas pelo Governo federal como parte de uma iniciativa de corte de despesas liderada pelo bilionário Elon Musk", frisou a revista Nature, ao indicar que 75% dos cientistas americanos ponderam agora abandonar o país.
O dono da Tesla, do X e da Space X tem sido a figura em grande destaque nesta segunda presidência Trump, graças ao seu papel como líder de facto do Departamento de Eficiência Governamental (Doge). Mas nas últimas semanas têm surgido notícias de que Musk estará de saída, para se concentrar nos seus negócios, sobretudo a Tesla, alvo de boicotes e protestos por todo o mundo que fizeram as suas ações cair a pique.
A Casa Branca tenciona ainda reduzir em quase 50% o orçamento da agência espacial (NASA) para 2026 e anunciou o corte de milhares de milhões de dólares em financiamento para universidades de todo o país que não alinharam com as amplas reformas governamentais exigidas pelo executivo.
Além disso, baniu de alguns espaços federais uma série de livros que promovem diversidade, equidade e inclusão, incluindo obras sobre Holocausto, feminismo, direitos cívicos e racismo, assim como a famosa autobiografia da escritora e poetisa norte-americana Maya Angelou.
A medida marca mais um passo no amplo esforço do Governo Trump para eliminar o chamado conteúdo 'DEI' (Diversidade, equidade e inclusão) das agências federais. Na sua luta contra o wokismo, a Administração republicana não só se atacou a administração do Kennedy Center como a do Smithsonian, ambos em Washington.