Diário de Guerra. Odessa. À espera dos "convidados"

Enviado Pedro Cruz faz o relato, todos os dias, dos acontecimentos na zona do conflito.
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Odessa tem um mar imenso, azul, praias extensas, é um dos lugares favoritos dos ucranianos no verão. A cidade património mundial tem barricadas diante dos monumentos e todo o areal está minado. "Como está Odessa?", pergunto. A resposta vem firme, direta e com poucas palavras: "Estamos à espera dos "convidados"".

Neste caso, o mar não é uma vantagem. Os vasos de guerra e os submarinos russos conseguem, com facilidade e proximidade, atingir toda a cidade e fazer deste lugar simbólico um monte de ruínas, se for essa a vontade de Putin. Ainda assim, o comboio para lá chegar continua a funcionar, com vários horários disponíveis e diferentes tipos de viagem. Há as mais baratas, uma espécie de comboio regional, e depois as mais rápidas e luxuosas, como se fosse um alfa ou um intercidades. Quem ficou em Odessa não tenciona desistir, render-se ou capitular. Os ucranianos que resistem, os que foram obrigados a permanecer no território ou os que escolheram ficar para defender a liberdade, a democracia, a independência e a construção de um país que ainda estava a dar os primeiros passos, darão luta. Toda a que puderem.

Tal como em Mariupol, que teve um ultimato de rendição na madrugada de ontem. Mesmo com a cidade quase vazia e transformada em escombros e os russos às portas do centro, a resposta foi semelhante: "Não nos renderemos, nunca. O Putin que se f***!" A declaração não está feita em linguagem diplomática. Mas, muitas vezes, é na linguagem popular, sem salamaleques de salão, sem filtros nem rodriguinhos, que a mensagem tem a clareza necessária.

No dia de ontem, Lviv viveu momentos de grande apreensão. A cidade-resistência, até agora intacta e sem baixas, ouviu as sirenes ao soar da meia noite. Depois às onze da manhã, ao meio dia e a meio da tarde. O alerta de ataque iminente soou por volta das 16.00. E, ao contrário de todos os avisos desde 24 de fevereiro, manteve-se durante cerca de três horas. As lojas fecharam as portas, muitos recolheram a casa, o trânsito deixou de ser caótico e, pouco a pouco, deixou de existir.

Há muitos dias que Lviv vive numa espécie de bipolaridade, entre a teimosia de "uma vida normal", que mantém grande parte da cidade aberta e a funcionar, e o quase diário toque de sirenes que recorda que, por muito que às vezes não pareça, este é um país debaixo de fogo.

Quando pergunto porque é que, apesar do toque das sirenes, há milhares que optam por continuar na rua, sem recorrer aos abrigos, a resposta vem outra vez clara e simples: "Não se querem esconder". Esta segunda-feira, as estátuas que encimam o fabuloso edifício da ópera da cidade foram, finalmente, protegidas. Uma escada dos bombeiros levou até à cúpula homens decididos que as cobriram com fibra de vidro e plástico. A cada dia, há mais obras de arte que deixaram de ver a luz, montras de lojas entaipadas, vitrais cobertos com chapas metálicas. Lviv resiste e espera. Uma espera lenta e agonizante. Já nem se trata de saber que "algum coisa vai acontecer". Isso parece certo. O dilema é "quando, onde e de que forma". Por isso, cada dia que passa com a cidade intacta, é a certeza de que se está um dia mais perto de "alguma coisa".

Ontem, três horas depois, os alarmes soaram, de novo. Para anunciar o "fim do alerta". Lviv respirou de alívio.

Até quando?

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