O que está por detrás da guerra entre Trump e Harvard?
A universidade que mais presidentes dos EUA educou (oito, incluindo John F. Kennedy, George W. Bush e Barack Obama) está na mira do atual inquilino da Casa Branca. A Administração de Donald Trump já cancelou mais de 2,2 milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros) em bolsas de investigação a Harvard, ameaça impedir este estabelecimento de ensino superior e de matricular alunos estrangeiros e ainda acabar com a isenção fiscal de que beneficia.
Mas o que é que está por detrás desta guerra? A Administração alega que a universidade não protegeu os estudantes judeus da discriminação e hostilidade durante as manifestações pró-palestinianas de 2023 e 2024, estando a exigir o acesso às informações sobre atividades "ilegais e violentas" dos seus alunos estrangeiros. Mas, na base do problema, está também a luta contra o que a Casa Branca considera serem centros do poder liberal, elitistas, hostis aos conservadores.
Trump exigiu que Harvard (como outras universidades) faça uma série de mudanças. Mas os responsáveis da mais velha universidade norte-americana recusaram eliminar os programas de diversidade, equidade e inclusão, proibir o uso de máscaras nas manifestações no campus, promulgar reformas para acabar com contratações baseadas na raça, religião ou sexo, mudar o processo de admissão para evitar "estudantes hostis aos valores americanos", abrir as portas a auditores externos para reverem os seus programas e departamentos e reduzir o poder do corpo docente e dos administradores que a Casa Branca considera "mais comprometidos com o ativismo do que com o conhecimento".
Acusação de antissemitismo na origem
Os problemas começaram logo após os ataques do Hamas a 7 de outubro de 2023, que fizeram mais de 1200 mortos e que levaram Israel a atacar a Faixa de Gaza, quando grupos de alunos da universidade emitiram comunicados a acusar Israel da escalada de no enclave palestiniano. Muitos doadores criticaram depois a posição da direção da universidade, denunciando a "cobardice moral". Em dezembro de 2024, para agravar a situação, a presidente de Harvard, Claudine Gay, acabou por se demitir após várias denúncias de plágio – voltando a pôr a credibilidade da instituição em causa.
“Harvard está a ajoelhar-se ao antissemitismo – impulsionada pela sua liderança cobarde – alimentando um esgoto de motins extremistas que ameaça a nossa segurança nacional", disse a secretária da Segurança Interna, Kristi Noem, cujo departamento cancelou duas bolsas no valor de 2,7 milhões de dólares (2,4 milhões de euros). "Com a ideologia anti-americana e pró-Hamas a envenenar o seu campus e as suas salas de aula, a posição de Harvard como uma das principais instituições de ensino superior é uma memória distante. Os EUA exigem mais das universidades que dependem do dinheiro dos contribuintes", acrescentou.
O Departamento de Educação abriu entretanto uma investigação sobre o alegado ambiente hostil na universidade, com base no chamado Título VI – que garante que as instituições que recebem fundos federais não estão a discriminar com base na raça, cor ou origem. E depois vieram as exigências de mudanças da Casa Branca.
Harvard respondeu numa carta formal assinada pelo presidente interino, Alan Garber, alegando que a universidade não "renunciaria à sua independência ou aos seus direitos constitucionais", entre eles o da liberdade de expressão. E recusou ceder. Em resposta, Trump congelou de imediato 2,2 mil milhões em bolsas e 60 milhões em contratos com a universidade.
Mas Trump não cortou só os fundos. Está a ameaçar também a capacidade da universidade de matricular alunos estrangeiros, com o Departamento de Segurança Interna a rever a sua certificação. Harvard tem seis mil estudantes internacionais e a sua perda representaria mais um duro golpe contra a universidade. Muitos destes alunos temem ser deportados no meio da perseguição das autoridades norte-americanas aos estudantes que participaram nos protestos pró-palestinianos ou que são vistos como "prejudiciais para os interesses de política externa" dos EUA.
Ainda esta quinta-feira, a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, exigiu que a universidade partilhe os dados das atividades "ilegais e violentas" dos seus alunos com visto, sendo que alguns em todo o país já viram os seus cancelados e há casos de alunos detidos no meio da rua por agentes de imigração.
Além disso, após a universidade ter desafiado a Casa Branca, Trump ameaçou acabar com a isenção fiscal de que Harvard beneficia, com as autoridades a estudar já planos para o fazer.
Em causa não está apenas a questão do antissemitismo, mas se o governo pode ou não impor o seu alinhamento ideológico a uma universidade – ameaçando a sua sobrevivência operacional. Harvard está a lutar por manter a sua autonomia, mas Trump está focado em faze-los ceder.
E as outras universidades?
Harvard não é o único alvo do presidente. Algumas universidades, como a de Columbia, cederam à pressão inicial de Trump, aceitando rever as políticas em relação a manifestações, as práticas de segurança e proceder a alterações ao Departamento de Estudos do Médio Oriente. Tudo para evitar o corte de 400 milhões em fundos federais.
Outras universidades como Cornell, Norhwestern, Brown ou Princeton também foram ameaçadas, com MIT ou Stanford também a ser investigados por causa dos protestos pró-palestinianos.
Harvard é contudo a que está mais bem posicionada para fazer frente ao presidente, já que é a mais rica do país – com um fundo patrimonial de 53 mil milhões de dólares (46,7 mil milhões de euros). Ainda assim está a ser usada como exemplo e, se ceder, outras universidades podem não ter capacidade para lutar.