O que é o Mirage 2000, a nova defesa aérea ao serviço da Ucrânia?
O ataque russo da noite de quinta para sexta-feira envolveu 65 mísseis e quase 200 drones, mas desta vez as forças ucranianas puderam contar com mais um elemento de defesa. "O ataque aéreo inimigo foi repelido por unidades de mísseis antiaéreos, sistemas de guerra eletrónica e grupos de fogo móveis da Força Aérea e das Forças de Defesa da Ucrânia. Aviões de combate, incluindo F-16 e Mirage-2000, também estiveram envolvidos na defesa”, disse em comunicado a Força Aérea do país sob invasão.
Segundo ainda Kiev, foram derrubados 25 mísseis de cruzeiro Kh-101/Kh-55SM, oito mísseis de cruzeiro Kalibr, um míssil guiado ar-terra Kh-59/69 e 100 drones. Dos restantes aparelhos não tripulados, 86 “falharam o alvo”, uma forma de dizer que se tratavam de drones sem munições, utilizadas para sobrecarregar as defesas antiaéreas.
Os Mirage-2000, em número não revelado -- faz parte da política francesa não revelar os detalhes, embora um documento orçamental da Assembleia Nacional mencionava a cedência de seis -- , chegaram há um mês a solo ucraniano. Incluem-se num pacote de ajuda anunciada por Emmanuel Macron no início de junho passado. Em entrevista televisiva, o presidente francês explicou então que os pilotos ucranianos iriam receber formação para estarem prontos no final do ano. Na ocasião também disse que o exército francês iria formar uma brigada Ana de Kiev -- nome de uma princesa ligada por casamento à família real francesa --, composta por 4500 soldados. Os ucranianos esperam que os aviões tenham melhor destino do que a brigada: terá sofrido 1700 deserções, segundo foi denunciado em dezembro, entre as quais de cinco dezenas ainda em França. Sem qualquer experiência, foi enviada para a frente leste, em Pokrovsk, e experimentou pesadas baixas e falta de armamento. No início de janeiro, a brigada foi dissolvida.
A França contribuiu até agora com 4,9 mil milhões de euros em assistência militar, entre obuses autopropulsionados CAESAR, três sistemas diferentes de defesa antiaérea (Crotale, Mistral e SAMP/T), veículos blindados AMX ou mísseis SCALP (a versão francesa do Storm Shadow).
Estes mísseis de cruzeiro, adaptados aos aviões de fabrico soviético SU-24, podem agora ser usados nos Mirage 2000-5. Ao contrário dos F-16 de fabrico norte-americano, limitados no raio de ação ao território ucraniano, as aeronaves francesas não estão limitadas por Paris. Em novembro, em entrevista à BBC, o chefe da diplomacia francês lembrava que "cada quilómetro quadrado que as forças russas avançam, a ameaça aproxima-se um quilómetro quadrado da Europa". Como tal, Jean-Noël Barrot apelou para os aliados ocidentais não fixarem "linhas vermelhas" no apoio à Ucrânia.
Longa história
O Mirage 2000 foi o último de uma linhagem iniciada nos anos 1950 pela Dassault, primeiro com o Mirage III, depois com o IV e depois com o F1. Em conjunto com os helicópteros Alouette e os aviões de transporte Caravelle, marcaram o regresso de França a uma posição de força no pós-guerra. O Mirage foi o primeiro avião europeu a atingir o Mach 2 (mais de 2 mil km/h) e o seu desenho único foi concebido para ter uma aerodinâmica o mais eficaz possível, com as asas em delta. "O Mirage é tão impenetrável aos golpes do inimigo como a miragem é esquiva para o viajante do deserto", contou Serge Dassault a propósito do nome com que cunhou o modelo.
O modelo 2000 foi concebido a partir do final dos anos 1970 e entrou ao serviço da Força Aérea francesa em 1983, que ficou com mais de metade dos 612 exemplares construídos. Esteve presente em todos os cenários de conflito em que a França participou nas últimas décadas, da guerra do Golfo ao Kosovo, na Líbia, Síria e Mali.
Os Mirage 2000 não são produzidos desde 2007, mas continuam em utilização mundo fora. Apesar de já terem o seu destino traçado, com a sua substituição gradual pelos Rafale (também da Dassault), continuam a policiar os céus do hexágono, estão na base francesa no Djibuti e fazem parte de missões internacionais como o apoio ao flanco leste da NATO com aparelhos estacionados na Lituânia e na Suécia.
Além de França, equipam as forças dos Emirados, Taiwan, Egito, Índia, Peru ou Grécia. Um avião com a bandeira helénica abateu em 1996 um F-16 turco por este, em conjunto com outros, ter violado o espaço aéreo grego no Mar Egeu e ter recusado sair da área. O combate aéreo acabou com a morte do piloto e o resgate com vida do copiloto, num incidente que foi mantido em segredo até 2003, altura em que a imprensa da Grécia revelou a história entre os países rivais e aliados na NATO.
A versão específica transferida para a Ucrânia é o 2000-5, que não é mais do que a atualização do modelo 2000C, e que equipa L'Armée de l'air (a força aérea francesa) desde 1999.
Avião da chamada quarta geração, foi atualizado com elementos do Rafale e conta agora com um radar que deteta até 24 alvos em simultâneo, tem um alcance de deteção melhorado, a capacidade de disparar mísseis antiaéreos MICA contra vários alvos em simultâneo até 80 quilómetros de distância, sistemas de comunicação mais modernos e um motor melhorado. Pode receber informações dos aviões de vigilância (AWACS) NATO. Além dos mísseis ar-ar MICA, pode disparar os já referidos mísseis de cruzeiro Storm Shadow/SCALP para alvos terrestres para distâncias mais longas (mais de 250 km), ou os mísseis planadores AASM Hammer, com mais de 70 km de alcance.
O problema, como sempre, é a quantidade e o preço das armas ao dispor, com cada unidade do MICA avaliado em mais de um milhão de euros. A abundância dos Storm Shadow/SCALP também não é muita.
Quanto custa cada unidade 2000-5, é uma pergunta sem uma resposta clara, mas várias fontes, incluindo a agência ucraniana de notícias Ukrinform, estimam em 43 milhões de dólares.