O protesto dos agricultores por detrás da guerra de Modi contra Rihanna e Greta

Três novas leis vão implicar alterações ao nível da venda, armazenamento e dos preços dos produtos agrícolas. Celebridades chamaram a atenção para as manifestações e foram apelidadas de "sensacionalistas" pelo governo indiano.
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"Porque é que não estamos a falar disto?" Bastou uma pergunta com apenas seis palavras no original em inglês, junto com a partilha de um artigo da CNN, para que a cantora, atriz e empresária Rihanna chamasse a atenção dos seus mais de cem milhões de seguidores no Twitter para o protesto dos agricultores indianos, que já dura há meses. E para que de repente uma série de celebridades de todo o mundo se juntasse à luta, como a jovem ativista sueca Greta Thunberg , que partilhou até um "kit" de protesto. O que não agradou ao governo de Narendra Modi, que apelidou os comentários de "sensacionalistas".

Por detrás dos protestos estão três leis aprovadas em setembro no Parlamento indiano que vão implicar alterações ao nível da venda, armazenamento e preço dos produtos. Os agricultores indianos (mais de 60% dos 1,3 mil milhões de habitantes da Índia dependem da agricultura, mas este setor só representa 15% do PIB do país) vão ser autorizados a vender diretamente os seus produtos a privados, como cadeias de supermercados, quando atualmente só podiam vender a intermediários, agentes autorizados pelo governo, que também garantia um preço mínimo.

O receio dos agricultores é que, indo vender diretamente aos privados, estes possam acabar por baixar muitos os preços e o anterior sistema, dos intermediários, possa entretanto desaparecer. O governo diz que continuará a existir e que continuará a garantir um preço mínimo, defendendo que as novas leis visam melhorar o rendimento dos agricultores, atrair novos investimentos e tecnologia ao setor e aumentar a produtividade. O problema terá também sido o facto de os agricultores não terem sido ouvidos no debate.

Os protestos começaram na região do Punjab em agosto, ainda antes das contestadas leis serem aprovadas. Mas ganharam nova dimensão na semana de 23 de novembro, quando os agricultores começaram a marchar para Nova Deli, sendo recebidos três dias depois pelas autoridades com gás lacrimogéneo e canhões de água, impedindo-os de entrar na capital. Nesse mesmo dia, 250 milhões de pessoas de vários setores de atividades fizeram greve em apoio aos agricultores.

As imagens de violência levaram o governo a deixar os agricultores entrarem em Nova Deli a 27 de novembro, tendo estes começado a montar acampamentos para bloquear alguns acessos. O governo de Modi tem recusado voltar atrás com as leis, mas os manifestantes não mostram sinais de desistir. No dia da República, 24 de janeiro, milhares de tratores desfilaram pela capital, com o governo a apertar o cerco: cortou a água, a luz e a Internet aos acampamentos e ergueu barreiras de cimento e de arame farpado para os isolar.

Foi uma notícia da CNN, que falava precisamente dos cortes de Internet e dos confrontos entre manifestantes e polícias, que Rihanna partilhou no dia 2 de fevereiro no Twitter. À pergunta "porque é que não estamos a falar disto?", juntava a hashtag "protesto dos agricultores". Estes agradeceram o apoio, mas a mensagem que foi gostada por quase um milhão de pessoas e partilhada por mais de 300 mil não ficou só pela Índia.

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Horas depois, Thunberg partilhava o mesmo artigo com os seus quase cinco milhões de seguidores, dizendo-se solidária com os manifestantes. Noutra mensagem, divulgava um "kit" feito por quem estava no terreno para quem quisesse ajudar - que as autoridades indianas entretanto estão a investigar.

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"Uma única mensagem da estrela pop norte-americana Rihanna desencadeou uma tempestade perfeita. O governo indiano, com o apoio de estrelas de Bollywood e do desporto, está a tentar combater o dilúvio de apoio de estrelas de Hollywood, influencers e políticos internacionais", escreveu o The Times of India. De facto, na redes sociais, multiplicaram-se as estrelas indianas em defesa da soberania do país. Nas ruas, foram queimadas fotografias de Rihanna e de Greta Thunberg nos contraprotestos, sendo os agricultores apelidados por alguns de "terroristas".

O Ministério dos Negócios Estrangeiros indiano, sem mencionar diretamente o nome delas, emitiu um comunicado em que criticava quem do exterior se apressava a comentar os assuntos internos da Índia, sem um "entendimento adequado das questões". E acrescentava: "A tentação das hashtags e dos comentários sensacionalistas nas redes sociais, especialmente quando usados por celebridades e outros, não é exata nem responsável."

Mas as críticas do governo indiano não se ficaram só pelas celebridades que se pronunciaram sobre o tema, com Nova Deli a ameaçar o próprio Twitter. A rede social anunciou ontem que tinha bloqueado nos últimos dias cerca de 500 contas que violavam as suas regras, com apelos à violência e outros abusos, mas que recusava suspender outras a pedido do governo indiano, apesar das ameaças de ações legais.

Entre as contas que o Twitter chegou a bloquear, durante algumas horas, na semana passada, estavam algumas de órgãos de comunicação social e de grupos de agricultores. Entretanto, alguns responsáveis governamentais abriram contas numa rede social rival, a Koo, alegando que vão deixar o Twitter em protesto.

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