"O nosso encontro em 1543 é conhecido pela maioria dos japoneses através da escola, e há muito interesse por Portugal" 

Foi em Tanegashima que os portugueses estabeleceram o primeiro contacto com o Japão, e ao longo de todo o ano de 2023 esses 480 anos de relações vão ser celebrados através de múltiplos eventos culturais. O embaixador Makoto Ota conversou com o DN sobre as iniciativas já conhecidas, mas também do investimento japonês em Portugal, da ambição do seu país em ter assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e ainda do anunciado aumento da despesa militar em reação à invasão da Ucrânia.

Este ano celebram-se 480 anos das relações entre Portugal e o Japão. Estão previstas iniciativas para assinalar esse momento, em 1543, do contacto entre os japoneses e os portugueses, os primeiros europeus a chegarem ao arquipélago?
Pretendemos realizar vários eventos comemorativos dos 480 anos de amizade entre Portugal e o Japão e um dos maiores é o Festival do Japão, organizado pela Câmara de Comércio de Portugal e Japão, que acontecerá em junho deste ano. Além disso, entre maio e junho e setembro e novembro pretendemos realizar vários eventos culturais para assinalar esses 480 anos de amizade entre os dois países. Também serão realizadas exposições na Fundação Oriente e na Fundação Gulbenkian. Vamos contar ainda com a ajuda do Diário de Notícias para publicar artigos relacionados com a cooperação entre Portugal e o Japão, algo que vai acontecer uma vez por mês, e queremos desde já agradecer o apoio do vosso jornal. Acrescento ainda que por iniciativa conjunta da Embaixada do Japão em Lisboa e da Embaixada de Portugal em Tóquio foi criado um logótipo para assinalar as celebrações, juntando a flor de cerejeira, ícone japonês, com o azulejo, um dos símbolos de Portugal.

Que conhecimento têm os japoneses atualmente da presença portuguesa no Japão. Há vestígios dessa presença nos séculos XVI e XVII na cultura japonesa?
Desde 1543 e durante cerca de 100 anos o intercâmbio entre o Japão e Portugal começou e continuou. Esse encontro em 1543 também podemos dizer que foi o primeiro contacto entre os japoneses e os europeus, e os comerciantes portugueses levaram várias coisas para o Japão. No japonês contemporâneo temos várias palavras oriundas do português. Por exemplo, atualmente utilizamos palavras tais como botão, copo, tabaco, pão e carta, que são palavras portuguesas que os japoneses usam no quotidiano. A grandeza do impacto desse contacto pode demonstrar-se pela existência dessas palavras, e no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, há biombos da cultura Namban que também demonstram o impacto muito grande do que aconteceu nessa altura.

Como olha hoje o Japão para Portugal? É um país interessante para as empresas japonesas investirem?
Gostaria ainda de salientar que esse nosso encontro em 1543 é conhecido pela maioria dos japoneses através da escola, e os japoneses têm muito interesse por Portugal. Obviamente, Portugal é um país desenvolvido na área da energia verde e da tecnologia e entendemos que o país está a crescer muito nessas áreas. A maioria das empresas japonesas tem muito interesse nesses setores em que Portugal é muito desenvolvido, principalmente quanto à energia verde e ao grande investimento na energia eólica, solar e hidrogénica. A nação portuguesa deve orgulhar-se pelo facto de o sistema de cobrança automática e eletrónica de portagens ter sido introduzido por Portugal à frente do resto do mundo. Nesse contexto da tecnologia inovadora, as startups também continuam a liderança, e, tendo esse ambiente económico nacional, existem muitas empresas japonesas de tecnologia a ter grande interesse em Portugal.

A cultura japonesa, seja a erudita, seja a popular, através do manga e do anime, tem muitos admiradores em Portugal e no mundo. Qual é a importância deste soft power para o Japão?
Esse intercâmbio cultural é uma boa ferramenta para aproximar ainda mais os dois povos. Quanto à cultura tradicional, podemos mencionar algumas muito divulgadas, como judo, kendo e artes marciais de uma forma geral, e alguns instrumentos musicais tradicionais do Japão. Também podemos fazer referência à cerimónia do chá e ao arranjo de flores, culturas tradicionais do Japão que são aceites de forma muito positiva em Portugal. Na verdade, num dos sábados recentes pratiquei o kendo com alguns portugueses e fiquei muito impressionado com a ambição das pessoas que praticam esta arte marcial aqui. E especialmente a geração jovem tem muito interesse por manga, anime e jogos, e essa pop culture do Japão encanta muito os portugueses, algo que me deixa imensamente feliz. Em Portugal, quase todos os anos no Porto e em Lisboa se realiza o evento Iberanime, que recebe muito público, algo que me deixa muito contente, porque através desse evento podemos aprofundar a relação amistosa entre os dois países.

O Japão é a terceira maior economia mundial, é uma sólida democracia na Ásia Oriental e é uma grande potência cultural. Continua a ser uma grande ambição japonesa ter um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas?
Já passaram 75 anos da fundação das Nações Unidas e durante esse período de tempo tivemos uma mudança muito radical na sociedade internacional. Até a própria função das Nações Unidas se diversificou para muitas áreas. Mas, apesar disso, a estrutura do Conselho de Segurança nunca se alterou. Os Estados-membros apresentaram uma resolução a condenar a invasão da Ucrânia, mas devido ao poder de veto da Rússia essa resolução foi recusada, o que significa que a função do Conselho de Segurança atualmente não está a ser cumprida. O Japão quer realizar essa reforma do Conselho de Segurança e para que isso aconteça é muito importante melhorar a legitimidade, representatividade e efetividade do mesmo Conselho. Não é somente o Japão que pensa nisso, penso que a comunidade internacional também deseja essa reforma. No ano passado, o Japão foi eleito como membro não-permanente do Conselho de Segurança, foi a décima segunda vez que foi eleito para esse posto, mais vezes do que qualquer outro dos membros das Nações Unidas. Isso significa que o país tem contribuído proativamente para a discussão dentro no Conselho de Segurança e o governo do Japão tem vindo a fazer esforços para convencer outros países para realizar a reforma do Conselho e para que o Japão entre como membro permanente do Conselho de Segurança. O objetivo do nosso governo é realizar a paz e segurança no mundo através das Nações Unidas. Em janeiro, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Hayashi Yoshimasa, visitou a sede em Nova Iorque para participar no debate aberto do Conselho de Segurança das Nações Unidas e realizou uma reunião com o secretário-geral, António Guterres. Nessa troca de ideias, o nosso ministro declarou que o Japão iria contribuir ativamente para que o Conselho de Segurança pudesse cumprir as suas responsabilidades esperadas, algo que António Guterres aceitou com agrado, tendo apoiado a participação do Japão no mesmo Conselho.

A invasão russa da Ucrânia em fevereiro do ano passado levou o Japão a anunciar que ia duplicar o seu orçamento militar anual. Tem sido historicamente só 1% do PIB e o objetivo é passar a ter 2%. Esta decisão foi consensual na população japonesa e foi bem aceite na comunidade internacional?
A invasão da Ucrânia pela Rússia é totalmente inaceitável, mas infelizmente há possibilidades de acontecer o mesmo ao redor da região do nosso país. Podemos ver alguns fenómenos ao redor do Japão, tal como o reforço do poder nuclear e da instalação de mísseis balísticos, assim como o reforço drástico da expansão militar, além da tentativa unilateral de alterar o statu quo pela força. Essas coisas podemos vê-las em torno do Japão, especialmente no ano passado, porque os mísseis balísticos passaram no espaço aéreo do Japão e caíram dentro da nossa ZEE. Podemos dar conta também de sinais de que se realizaram testes nucleares. Esse ambiente é muito grave, especialmente porque é a primeira vez que vemos este ambiente de segurança mais severo e complexo do pós-guerra. Para enfrentar essa situação o governo do Japão esteve a rever três documentos relacionados com a segurança: a estratégia de segurança nacional, a estratégia de defesa nacional e o programa de defesa. O meu país decidiu fazer o reforço militar e daqui a cinco anos o governo japonês decidiu aumentar o orçamento militar para 43 biliões de ienes ( 304 mil milhões de euros). Para concluir esse processo depois dos cinco anos, temos a previsão de que vai atingir até 2% do PIB. Essa decisão do governo japonês é obviamente uma mudança muito radical relacionada com a política da segurança, mas está no âmbito da sua Constituição e do direito internacional, e isso é inalterável. De acordo com a Constituição japonesa, o povo japonês renuncia para sempre à guerra como um direito soberano da nação e à ameaça ou uso da força como meio de resolução de disputas internacionais. Além disso, temos uma regra com três princípios antinucleares (não produzindo, não possuindo e não permitindo a entrada de armas nucleares no país) e uma política exclusivamente orientada para a defesa, coisas que iremos manter. Podemos acrescentar ainda que depois da Segunda Guerra Mundial e durante 75 anos o Japão nunca entrou em combates. Claro que temos várias opiniões públicas relacionadas com o aumento do orçamento militar, mas na comunidade internacional também as várias discussões públicas estão em andamento sobre a utilização de armas na Ucrânia. Mas o governo do Japão dá relevância a que o Indo-Pacífico seja aberto e livre, e até já propusemos essa política e a maioria dos países já partilhou e apoiou essa proposta. Há muitos desafios para a paz mundial, mas o Japão quer aprofundar ainda mais as relações com os países aliados e, nesse âmbito, queremos aprofundar as relações com o governo português.

Nestes seus primeiros tempos em Portugal como embaixador do Japão o que mais o surpreendeu?
Esta é a minha primeira vez em Portugal, cheguei a Lisboa em dezembro do ano passado. Quando cheguei ao aeroporto, percebi logo que o frio é muito moderado aqui e na cidade de Lisboa podemos ver vários restaurantes japoneses de sushi e rámen. Acho que isso significa que os portugueses gostam muito da comida japonesa, algo que me deixou muito feliz.

leonidio.ferreira@dn.pt

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