O militar italiano, o oficial russo e os cinco mil euros de segredos da NATO
A investigação terá começado há uns meses e deu frutos na noite de terça-feira. Num parque de estacionamento de um centro comercial de Roma, um capitão-de-fragata da Marinha italiana foi apanhado em flagrante a vender por cinco mil euros informação classificada do Ministério da Defesa - incluindo documentos da NATO - a um oficial acreditado na embaixada da Rússia. Resultado: o capitão italiano foi preso por "crimes graves contra a segurança do Estado" e o oficial russo, que evitou a prisão por ter imunidade diplomática, foi expulso de Itália junto com o seu superior. Moscovo parece desvalorizar o caso.
"Um ato hostil de extrema gravidade." Foi desta forma que o chefe da diplomacia italiana, Luigi Di Maio, descreveu o caso na comissão das Relações Externas do Parlamento italiano. O embaixador russo em Itália, Sergey Razov, foi chamado de emergência ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo as autoridades italianas manifestado o seu protesto pelo ocorrido e comunicado a decisão de expulsar os dois oficiais russos.
"Agradeço aos serviços de informação e a todos os órgãos do Estado que trabalham na segurança do nosso país todos os dias", escreveu Di Maio no Facebook. A investigação poderá revelar que informações o capitão de fragata, que foi identificado pelos media italianos como sendo Walter Biot e trabalhar dentro do gabinete do Chefe do Estado-Maior da Defesa, já teria vendido antes aos russos.
Os primeiros indícios da relação entre o italiano e o oficial russo surgiram há alguns meses, da parte da Agência de Informação e Segurança Interna. Desde então, terão sido dadas ordens de vigilância de ambos os suspeitos, que culminaram na operação que permitiu apanhá-los em flagrante esta terça-feira à noite. Além dos cinco mil euros em dinheiro, foi apreendida uma pen onde o capitão-de-fragata tinha colocado as fotos dos documentos secretos capturadas no seu ecrã de computados.
De acordo com o Corriere della Sera, uma análise do material apreendido no apartamento de Biot já terá permitido concluir que o capitão-de-fragata terá vendido informação secreta referente à NATO. "Não comentamos questões de inteligência", indicou um oficial da NATO, citado pela AFP, encaminhando qualquer pergunta sobre o tema para as autoridades italianas.
Já os russos, parecem tentados a desvalorizar a situação. Inicialmente, a embaixada em Itália confirmou que um dos seus adidos militares tinha sido parado pela polícia na terça-feira, dizendo que era "inapropriado comentar" com maior detalhe o caso. Mais tarde, num comunicado, lamentou a expulsão de dois dos oficiais, sem mencionar possíveis gestos de retaliação - a ação normal neste tipo de situações.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo foi ligeiramente mais longe, dizendo que "possíveis passos em relação com a situação que não é conforme ao nível das relações bilaterais será anunciado mais tarde". Contudo, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que a presidência russa não tinha "informações sobre as causas e circunstâncias" do caso. E acrescentou: "Esperamos que o caráter positivo e construtivo das nossas relações permaneça e seja preservado."
A Itália sempre foi vista como um dos principais aliados da Rússia dentro da União Europeia, sendo Roma por vezes apresentada como "o cavalo de Troia" de Moscovo. Além do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi ser um amigo pessoal do presidente russo, Vladimir Putin, os italianos levantaram obstáculos à introdução de sanções económicas contra os russos, depois da guerra na Ucrânia em 2014. E, em 2016, o então primeiro-ministro Matteo Renzi foi um dos primeiros líderes europeus a visitar o Kremlin depois da anexação da Crimeia.
Mais recentemente, Itália está entre os países europeus que está a pressionar para a aprovação da vacina russa contra a covid-19, tendo mesmo chegado a acordo com Moscovo no início de março para o fabrico da Sputnik-V no país. "A Rússia está a pressionar forte" para conseguir a aprovação da vacina por parte da Agência Europeia do Medicamento "e Itália já falou várias vezes nesse sentido a pedido dos russos", por isso arruinar as relações com Roma nesta altura "podia ser um gesto contraprodutivo", indicou a analista Eleonora Tafuro, especialista em temas russos no think tank ISPI, de Milão, à AFP.
O caso de espionagem russa em Itália é o segundo em menos de um mês a ser descoberto. A Bulgária, outro estado membro da União Europeia e da NATO, expulsou também dois diplomatas russos na semana passada, depois de seis pessoas terem sido detidas, incluindo vários oficiais do Ministério da Defesa, por suspeitas de espiarem para a Rússia.