O imoderado que veio baralhar as contas dos franceses

Marine Le Pen e os candidatos da direita estão em apuros. Acusado de racismo e condenado por discriminação, Éric Zemmour é a sensação política que aspira ao Eliseu.

Para Jordan Bardella, o presidente interino da União Nacional, estamos perante a "radicalidade" em pessoa, a qual não é capaz de apresentar uma proposta para França. Marine Le Pen, que cedeu a liderança do partido para fazer campanha eleitoral, denuncia as suas "provocações inúteis" e pede "um pouco de honestidade política". Do outro lado do espetro político, o candidato da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, chama-o de "totalmente fanático", e que tem "apenas um argumento e uma resposta sobre todos os assuntos: a culpa é dos muçulmanos". Já a maire de Paris e candidata pelo Partido Socialista não mede as palavras: "Estou absolutamente enojada, a ponto de ter náuseas com a ascensão de tal personagem na política francesa", disse Anne Hidalgo, que condena em especial o revisionismo relativo ao marechal Pétain e o tratamento dado aos judeus durante o período do governo colaboracionista com a Alemanha nazi. O ministro da Justiça, Éric Dupond-Moretti, também negou que Pétain tenha dado um tratamento positivo aos judeus, brindou o visado com os epítetos de "racista e negacionista" e afirmou que este é "um perigo para a França".

Estes comentários são sobre Éric Zemmour, um antigo jornalista, que nos últimos 15 anos ganhou popularidade pelos comentários nos meios de comunicação e pelos livros, nos quais elege os imigrantes muçulmanos como o grande mal de França. Polemista convicto, foi alvo de vários processos judiciais, tendo sido condenado em dois. No primeiro, por ter dito em 2011, na TV, que os empregadores têm o direito de recusar emprego a "árabes ou negros", o que lhe valeu uma multa por "discriminação racial". Em 2016, também na televisão, disse que os muçulmanos têm de "escolher entre o islão e a França" e que "todos os muçulmanos" consideram os jihadistas "bons muçulmanos", o que lhe valeu uma condenação por apelar à discriminação. Zemmour recorreu então ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

De 63 anos, é filho de um casal judeu argelino fugido da guerra da independência, tendo crescido nos subúrbios de Paris, onde o pai era paramédico e a mãe, a sua referência, dona de casa. Conta-se que aos 10 anos leu uma biografia de Napoleão e coube-lhe, anos depois, escrever as de protagonistas políticos como Jacques Chirac ou Édouard Balladur. Quando começou a carreira de jornalista, votou no socialista François Mitterrand, mas em 1989, quando se deu pela primeira vez a polémica pelo uso do véu islâmico numa escola, Zemmour rompeu com a esquerda.

Apesar de não ter anunciado a candidatura às eleições presidenciais, cuja primeira volta se disputa dentro de seis meses, o ensaísta aparece em segundo lugar na mais recente sondagem Harris, só atrás de Emmanuel Macron (que também não anunciou a esperada candidatura) e à frente de todos os outros candidatos e pré-candidatos, Marine Le Pen incluída. Uma das pessoas responsáveis por atrair Zemmour para a política é a sobrinha de Marine, Marion Maréchal.

Curiosamente, de Macron as palavras que se conhecem sobre Zemmour são menos agrestes. Segundo conta Geoffroy Lejeune no livro Zemmour Président, a lançar no dia 14, citado pelo semanário Le Point, o presidente Emmanuel Macron expressou o seguinte: "O discurso de Zemmour é inútil sobre este assunto [o islão]. Enfim, ele tem a sua clientela, tem a sua onda, e eu respeito-o. E é um indivíduo de quem gosto a nível pessoal, é inteligente e tudo, mas politicamente é mortífero." As declarações foram proferidas em entrevista realizada há dois anos para a Valeurs Actuelles, na qual Lejeune é chefe de redação, e este trecho não foi publicado depois de o Eliseu ter pedido para rever a entrevista.

No mais recente livro de Zemmour, lançado há menos de um mês, La France n"a pas dit son dernier mot, este relata que depois de ter sido agredido na rua, Macron lhe telefonou. E conta a conversa que se terá desenrolado, na qual disse ao chefe de Estado acreditar que as pessoas seguem o inconsciente coletivo e que no caso dos muçulmanos o inconsciente coletivo é o de "colonizar o antigo colonizador, de dominar o infiel em nome de Alá". E que tinha um plano para a imigração, tendo Macron alegadamente mostrado interesse em receber no Eliseu os detalhes do dito plano.

O ex-jornalista, defensor da teoria da conspiração de Renaud Camus de que está em curso uma "substituição" dos europeus por não-europeus - e acusado de não ter propostas concretas para os problemas -, estará a reservar o referido plano para quando apresentar o seu programa para o Eliseu.

Conhecido também pelas propostas misóginas e pela rejeição da "desvirilização" da sociedade, não lhe faltou o golpe publicitário de uma capa na Paris Match a dar conta da relação extramarital com a conselheira Sarah Knafo, 35 anos mais nova.

Outros candidatos à direita

Entre candidatos e candidatos a candidatos às eleições presidenciais de 2022 contam-se mais de duas dezenas, sendo que terão de recolher a assinatura de 500 dirigentes políticos: Jean-Marie Le Pen falhou a candidatura em 1981 por falta de apoios. Eis alguns dos aspirantes da direita e da extrema-direita, o campo cujas ondas de choque serão maiores com o avanço de Éric Zemmour:

Marine Le Pen: Duas vezes derrotada, mas em crescendo de 2012 para 2017, levou a cabo uma transformação da sua imagem, menos agreste no conteúdo como na forma, bem como do partido, a começar pelo nome, de Frente Nacional para União Nacional, cortando com a imagem do partido do pai, Jean-Marie. No entanto, os resultados das eleições regionais foram uma desilusão, não tendo conseguido materializar em eleitos as previsões das sondagens. A mais atingida pela candidatura de Zemmour, Marine Le Pen viu-se obrigada a deixar a economia e outros temas menos fraturantes e a voltar à imigração, propondo um referendo sobre o tema.

Xavier Bertrand: Foi ministro em duas pastas importantes durante o quinquénio de Nicolas Sarkozy e preside à região de Hauts-de-France. As sondagens davam-no como o mais bem colocado entre o centro-direita e isso vê-se na mais recente da Elabe, onde é o mais bem qualificado para disputar a segunda volta com Emmanuel Macron (47%-53%). Saiu d"Os Republicanos em 2017 e não quer ouvir falar de primárias à direita.

Valérie Pécresse: No dia 4 de dezembro realizam-se as primárias entre os militantes d"Os Republicanos, e entre os candidatos está a presidente da Île-de-France (região que inclui Paris), apesar de esta ter abandonado o partido em 2017 e criado o movimento Sejamos Livres. Pécresse quer ser a representante de uma direita moderna e descomplexada.

Michel Barnier: Entre os restantes candidatos das primárias (Éric Ciotti, Philippe Juvin e Denis Payre), Michel Barnier é quem está mais bem classificado para se bater com Valérie Pécresse. Tem uma folha de serviço impressionante, dentro e fora de portas, como ministro, comissário europeu ou chefe das negociações com os britânicos sobre o Brexit. Mas é aos 70 anos que encontra o maior desafio da vida política: a corrida à candidatura ao Eliseu, tendo para isso invertido o seu europeísmo de décadas com comentários duros sobre a imigração.

Nicolas Dupont-Aignan: Do mesmo espaço político que Marine Le Pen, Dupont-Aignan também concorreu nas duas eleições anteriores e aumentou igualmente a base de eleitores, mas com resultados muito mais modestos: 1,79% e 4,7%.

François Asselineau: Outra candidatura em repetição, caso receba apoio suficiente. Asselineau, de 64 anos, é o líder da União Popular Republicana e advoga a saída da UE (o Frexit), bem como da NATO, e quer melhores relações com a Rússia.

Florian Phillipot: O antigo número dois de Marine Le Pen bateu com a porta, criou Os Patriotas e concorre num campo demasiado preenchido.

cesar.avo@dn.pt

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