As últimas horas resumem a iniciativa diplomática dos Estados Unidos face à guerra na Ucrânia: apresentação de uma proposta de paz como final, com condições gravosas para Kiev e benéficas para Moscovo, e pressão intensa para que os ucranianos cedam - ao que Volodymyr Zelensky, “o homem sem cartas na mão”, segundo Donald Trump, continua a resistir, exigindo antes de mais um cessar-fogo. O Financial Times noticiou na terça-feira que Putin disse ao enviado especial dos EUA para o Médio Oriente, Steve Witkoff, durante a sua reunião no dia 11, que a Rússia poderia renunciar às reivindicações territoriais sobre as partes das quatro regiões da Ucrânia que a Rússia não controla e que anexou. Durante negociações ocorridas na semana passada em Paris, os norte-americanos apresentaram uma proposta que incluía a Rússia manter o controle do território ucraniano ocupado como parte de um acordo. À Associated Press, um alto funcionário europeu disse que a proposta tinha sido apresentada em Paris como “apenas ideias” e agora é classificada pelos Estados Unidos como “final”, o que deixou os ucranianos surpreendidos. Na quarta-feira, o site Axios divulgou os pontos da proposta de acordo, o qual penaliza a Ucrânia, que se vê espoliada de territórios, com o reconhecimento norte-americano de jure da Crimeia como parte integrante da Federação Russa, a adesão à NATO vedada - e com a menção de que “poderá” fazer parte da União Europeia -, sem qualquer referência à participação dos Estados Unidos na possível força de dissuasão e sem reaver o controlo da maior central nuclear da Europa. .O que a Rússia obtém Reconhecimento oficial norte-americano da Crimeia russa; reconhecimento da ocupação russa de Lugansk, Donetsk, Zaporíjia e Kherson; levantamento de sanções e cooperação económica com os EUA; promessa de que a Ucrânia não fará parte da NATO. O que a Ucrânia obtém Devolução do território ocupado pela Rússia na região de Kharkiv; passagem sem impedimentos do rio Dniepre; compensações e assistência financeira para reconstrução; garantias de segurança de países europeus e possivelmente de não europeus. O que os EUA obtêm Controlo e gestão da central nuclear de Zaporíjia, atualmente nas mãos russas, com fornecimento de energia para a Ucrânia e Rússia; o acordo de minerais com a Ucrânia..Para Londres deveriam ter viajado os chefes da diplomacia dos Estados Unidos, Alemanha, França e Ucrânia com a discussão de um cessar-fogo na agenda. Mas o encontro foi adiado, depois das declarações na véspera do presidente ucraniano. Este, ao tomar conhecimento de que os EUA terão adotado a posição de Vladimir Putin para uma pausa na guerra - o reconhecimento, por parte de Washington, da soberania russa sobre a Crimeia - afirmou que esse tema não era passível de discussão. “Não há nada para falar. É a nossa terra, a terra do povo ucraniano”, afirmou o presidente da Ucrânia.A resposta da administração Trump deu-se em primeiro lugar com o cancelamento da viagem do secretário de Estado Marco Rubio para Londres, tendo seguido o enviado especial Mark Kellogg. Rubio, em entrevista ao site The Free Press, dizia-se esperançado em chegar a um acordo “rapidamente”, porque a guerra “não tem solução militar”. Disse também que hoje, devido aos contactos diretos com Moscovo, os EUA compreendem melhor a posição da Rússia. No entanto, caso a paz não seja alcançável, o seu país não irá investir mais esforços no dossiê, disse. “Se em algum ponto determinarmos que estamos muito distantes e não há progresso suficiente, pode ser necessário avançar para outras prioridades, uma vez que há muitas coisas importantes a acontecer no mundo”, disse o secretário de Estado. . Na mesma linha pronunciou-se o vice-presidente JD Vance. De visita à Índia e antes de se reunir com o primeiro-ministro Narendra Modi, fez um ultimato: ou os dois países em guerra chegam a acordo, ou os Estados Unidos retiram-se do processo negocial. “Emitimos uma proposta muito explícita tanto para os russos como para os ucranianos, e é altura de eles dizerem sim ou de os Estados Unidos se afastarem deste processo.” Além disso, Vance mencionou a possibilidade de “congelar as linhas territoriais a um nível próximo ao que são hoje, o que significa que tanto os ucranianos quanto os russos devem abdicar de parte do território que atualmente possuem”. Ou seja, “será necessário proceder a trocas territoriais”. Por fim, mas não em último, Donald Trump escreveu um texto maior do que é comum na sua rede Truth Social, e no qual pressionou Zelensky a aceitar o acordo. Ao mesmo tempo acusou-o de fazer “declarações incendiárias” e que a rejeição do ucraniano em aceitar a soberania russa da Crimeia é “muito prejudicial para as negociações de paz com a Rússia”. O presidente dos EUA disse que “a situação na Ucrânia é grave -- ele pode optar pela paz ou pode lutar durante mais três anos antes de perder o país todo”. Concluiu: “Estamos muito perto de um acordo, mas o homem que ‘não tem cartas para jogar’ deve agora, finalmente, concretizá-lo.” A delegação ucraniana em Londres, composta pelo ministro dos Negócios Estrangeiros Andrii Sybiha, o ministro da Defesa Rustem Umerov e o chefe do gabinete presidencial Andriy Yermak, reuniu-se primeiro com os ministros britânicos David Lammy e John Healey, mais tarde com os conselheiros de segurança da Alemanha, França e Reino Unido e, por fim, com o enviado norte-americano. De acordo com Yermak, durante a conversa com Kellogg foi transmitido que, sob quaisquer circunstâncias, a Ucrânia defenderá a sua soberania e integridade territorial durante as negociações. Em paralelo, a vice-primeira-ministra Yulia Svyrydenko recusou qualquer tipo de rendição. “Reafirmamos uma posição de princípio: a Ucrânia está pronta para negociar, mas não para se render. Não haverá acordo que dê à Rússia as bases mais fortes de que precisa para se reagrupar e regressar com maior violência”. Disse também que um cessar-fogo total é o primeiro passo incondicional para o avanço nas negociações, posição repetida por Zelensky. Este disse que a Ucrânia está pronta para qualquer formato de negociações.De Paris, Kiev recebeu apoio imediato. A presidência francesa disse que “a integridade territorial e a vocação europeia da Ucrânia são exigências sólidas dos europeus” nas negociações.Uma janela de oportunidade para o diálogo poderá ser aberta no sábado. O embaixador da Ucrânia no Vaticano, Andrii Yurash, sugeriu que as negociações de alto nível possam ser retomadas em Roma, quando Zelensky, Trump e outros líderes irão comparecer ao funeral do papa Francisco. “É perfeitamente possível existir qualquer número de reuniões em vários níveis”, disse Yurash..Moscovo recorreu a mercenários de 48 países