O escândalo com mais de 30 anos que ameaça o governo de Bayrou
O primeiro-ministro francês criticou esta quarta-feira a “vontade de alguns” de derrubarem o seu governo com “a arma do escândalo”. François Bayrou insistiu, numa comissão de inquérito na Assembleia Nacional, que só soube dos alegados abusos físicos e sexuais no colégio católico de Béthrarram através dos jornais. Isto apesar de ser ministro da Educação quando o escândalo rebentou pela primeira vez nos anos 1990, de três dos seus seis filhos terem lá estudado - a mais velha alega ter sido agredida por um padre - e de a sua mulher ter dado aulas de catequese no estabelecimento em Pau, a cidade de que é autarca.
Este escândalo afeta profundamente Bayrou, o sexto primeiro-ministro (o quarto no espaço de um ano) do presidente Emmanuel Macron. A sua popularidade está em queda há semanas, sendo já mais baixa do que a do chefe de Estado. A sua aprovação não vai além dos 27%.
Há um ano que os alegados abusos físicos e sexuais, que terão ocorrido em Béthrarram entre a década de 1970 e a de 1990, estão a ser investigados pelas autoridades de Pau. O caso foi reaberto depois da publicação de um livro de um antigo aluno, que continua dezenas de novas alegações em relação ao escândalo que rebentou inicialmente em 1995.
Bayrou, que foi ministro da Educação entre 1993 e 1997, ficou debaixo de fogo a partir de fevereiro, depois de uma reportagem de investigação da Mediapart citar testemunhas e documentos que alegadamente mostravam que o primeiro-ministro “não podia ser alheio às acusações”.
O líder centrista garantiu então que “nunca foi informado de nada”, mas já foi contrariado por testemunhos na comissão de inquérito de um antigo juiz ou de uma professora reformada. A sua filha mais velha, Hélène, revelou no mês passado ter sido agredida por um padre na colónia de férias da escola quando tinha 14 anos. Apesar de ter explicado que só contou ao pai agora, testemunhas dizem que ele terá sido informado que a filha tinha levado uma “bofetada”.
Numa entrevista à Paris Match, Hélène, que tem agora 53 anos, denunciou contudo uma situação bastante mais grave, na qual foi agarrada pelo padre e arrastada pelos cabelos, durante vários metros, antes de ser esmurrada e pontapeada por todo o corpo. “Fiquei em silêncio durante 30 anos, nunca contei a ninguém.”
A comissão de inquérito na qual Bayrou testemunhou, que tem como correlatores os deputados Paul Vannier (A França Insubmissa) e Violette Spillebout (Renascimento), não visa investigar os abusos, mas “as modalidades de controlo estatal e de prevenção da violência nos estabelecimentos de ensino.” Mas é Bayrou que está debaixo de fogo, havendo quem fale num “julgamento político”.
O primeiro-ministro quis passar precisamente essa mensagem, atacando a cada pergunta os deputados da comissão que disse não ser “totalmente objetiva”. Bayrou insiste que “nunca ouviu falar de violências graves, explicando que se falava de “bofetadas”, mas nunca situações mais graves ou de abusos sexuais. Só através dos jornais, em 1995 e 1997, soube da maior violência, tendo havido uma inspeção em 1996 - que considerou ter sido “séria” e cujas conclusões eram “favoráveis” à escola. E queixa-se de ser alvo de “calúnias”.
Oposição e aliados à espreita
Bayrou assumiu as rédeas do executivo em dezembro e já “sobreviveu” a seis moções de censura, conseguindo manter por fios a frágil aliança que lhe permite governar em minoria. O pior para Bayrou é que, além dos seus problemas, aliados e opositores enfrentam também os deles e podem querer voltar a pôr o primeiro-ministro encostado às cordas.
Os socialistas, que permitiram a aprovação do orçamento, têm um congresso em junho e o atual secretário-geral, Olivier Faure, está a ser desafiado pela ala mais centrista do partido. Em resposta, pode querer galvanizar as bases mais à esquerda, forçando Bayrou a uma moção de censura, segundo o site Politico.
Os Republicanos (que fazem parte do governo) também estão à beira de eleições internas, com o atual líder, Laurent Wauquiez (que é contra a aliança com Macron), ameaçado pelo popular ministro do Interior, Bruno Retailleau. Se Wauquiez perder pode contudo ser tentado a procurar destruir a coligação.
Mais à direita, o Reunião Nacional de Marine Le Pen ainda está a estudar como retaliar à decisão judicial que a proíbe de concorrer a cargos públicos por cinco anos - as presidenciais são em 2027 (ainda pode contudo beneficiar de um recurso).