O "escândalo das joias" é apenas o último problema de Bolsonaro
A Polícia Federal do Brasil (PF) indiciou nesta semana Jair Bolsonaro pelos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação de bem público pelo desvio de joias do estado brasileiro. Se a Procuradoria Geral da República avaliar, num prazo de 15 dias, que o caso pode resultar em denúncia, o ex-presidente do país torna-se réu e arrisca pena de prisão até 25 anos por aqueles crimes. Entretanto, esse não é o único problema na justiça que o atormenta.
No caso das joias, a PF afirma, num relatório entretanto tornado público, que Bolsonaro desviou itens cujo valor de mercado chega a 6,8 milhões de reais [cerca de 1,15 milhões de euros]. As jóias em causa são duas esculturas, um colar, um par de brincos, um anel, três relógios e duas canetas em ouro oferecidas pelo governo da Arábia Saudita ao estado brasileiro.
Para a PF, as provas apontam a existência “de uma associação criminosa voltada para a prática de desvio de presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais”.
Esses presentes eram, ainda de acordo com o relatório, entregues por autoridades de outros países, vendidos no estrangeiro, convertidos em dinheiro em espécie e incluídos no património pessoal de Bolsonaro sem utilização do sistema bancário formal, “com o objetivo de ocultar a origem, a localização e a propriedade dos valores”.
“A utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas quotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o 'dinheiro sujo' à economia formal, com aparência lícita”, sublinha a PF.
De acordo com a polícia, as investigações trouxeram indícios de que “os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro” retornaram para o património de Bolsonaro e da sua família por meio de lavagem de dinheiro, enquanto ele estava nos EUA, no início de 2023, meses depois de ter sido derrotado nas eleições presidenciais por Lula da Silva, ainda em 2022. A PF afirma, aliás, que esse dinheiro serviu para custear as despesas dele e da família nos EUA.
Ainda segundo a PF, as ordens para a venda das joias partiram diretamente de Bolsonaro para os seus auxiliares, como fica evidente numa troca de mensagens entre ele e o seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, em que este manda um link de um leilão e o ex-presidente responde "selva". O termo é uma forma de saudação no Exército do Brasil que equivale a "ok". A PF relatou também que, durante a análise ao telemóvel de Bolsonaro, foram encontrados históricos de navegação da página da empresa Fortuna Auction, responsável pelo leilão.
"As declarações prestadas por Osmar Crivelatti [outro auxiliar de Bolsonaro e capitão do exército], Mauro Cesar Lourena Cid [pai de Mauro Cid e general do exército] e pelo colaborador Mauro Cesar Barbosa Cid corroboram os demais elementos de prova colhidos demonstrando, de forma inequívoca, que as esculturas douradas de um barco e uma palmeira, presentes entregues por autoridades estrangeiras, ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro, foram intencionalmente subtraídas do acervo público brasileiro, por determinação do ex-presidente para serem vendidas ilegalmente nos EUA", resume a polícia.
Além de Bolsonaro, mais 11 pessoas, entre as quais o seu ex-ajudante de ordens, dois dos seus advogados e o seu ex-ministro de Minas e Energia, quase todos com ligação às Forças Armadas, foram indiciados na investigação.
Paulo Cunha Bueno, advogado de Bolsonaro no caso, afirmou em nota que o ex-presidente “em momento algum pretendeu se locupletar ou ter para si bens que pudessem, de qualquer forma, serem havidos como públicos”.
Para o jurista, os presentes ofertados à presidência da República "obedecem a um rígido protocolo de tratamento e catalogação e sobre o qual o chefe do Executivo não tem qualquer ingerência, direta ou indireta e é o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica o responsável por analisar e definir, a partir dos parâmetros legais, se o bem será destinado ao acervo público ou ao acervo privado de interesse público da Presidência da República".
Além do desvio de joias, Bolsonaro tem, entretanto, outros problemas na justiça. Já foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral até 2030 por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral e fora indiciado em março pela PF num outro inquérito, envolvendo a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19 para conseguir entrar nos EUA.
Além disso, é alvo de investigações que apuram os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de Direito, incluindo os ataques de 8 de janeiro de 2023. Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa, Bolsonaro poderá ser punido com uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.
OS CASOS
JOIAS
Ponto da situação: indiciado, aguarda análise da PGR
Eventuais crimes: associação criminosa, lavagem de dinheiro, apropriação de bem público
Pena potencial: até 25 anos
FALSIFICAÇÃO DE CARTÃO
Ponto da situação: indiciado, aguarda análise da PGR
Eventuais crimes: associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informações
Pena potencial: até 15 anos
CASO DO 8 DE JANEIRO
Ponto da situação: investigado
Eventuais crimes: associação criminosa, tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito
Pena potencial: até 23 anos e inelegibilidade por 30