"O Cazaquistão continua fiel à diplomacia multivetorial"
Como é que esta guerra na Ucrânia está a afetar o Cazaquistão?
Penso que o conflito militar na Ucrânia está a afetar a economia global, a economia de todos os países no mundo, mas para o Cazaquistão é algo especialmente severo porque é membro da União Económica Euroasiática, portanto as sanções internacionais afetam negativamente a nossa economia. Nós não nos juntamos nem apoiamos estas sanções internacionais, mas, ao mesmo tempo, temos a obrigação de não permitir que o nosso território seja usado para a evasão a estas sanções por parte da Rússia ou mesmo de outros países. Entretanto estamos em consultas com a Comissão Europeia e com a Administração dos Estados Unidos sobre como poderemos evitar estes efeitos colaterais das chamadas sanções secundárias contra as nossas empresas e a nossa economia. Portanto, agora, estabelecemos algumas regras que permitem às nossas empresas evitar essas sanções secundárias e, ao mesmo tempo, estamos a trabalhar com os nossos parceiros para nos fornecerem os materiais estratégicos vindos do mercado global que possam de alguma forma substituir os recursos minerais russos, metais, produtos agrícolas, etc. Também, muitas empresas ocidentais que fecharam ou suspenderam os seus negócios na Rússia estão a mudar-se para o Cazaquistão, porque nós estamos na mesma zona económica do mercado euroasiático e oferecemos um acesso mais fácil ao mercado de toda a Ásia central.
Está a dizer que a economia cazaque mostra-se resiliente mesmo com esta crise internacional?
Sim, tentamos que seja.
Ao mesmo tempo, sendo a população cazaque muito diversa e tendo milhões de pessoas de origem russa e outras centenas de milhares de origem ucraniana, o conflito reflete-se de alguma forma no dia à dia?
Nós temos 110 grupos étnicos a viver no Cazaquistão. Temos cazaques que vivem na Ucrânia e ucranianos que vivem no Cazaquistão, portanto quando este conflito começou, os familiares vieram da Ucrânia para o nosso país e, efetivamente, nós oferecemos-lhes hospitalidade. E, como é sabido, também houve muitas pessoas, especialmente jovens, que vieram nos últimos meses da Rússia para o Cazaquistão, mais de 800 mil. Muitos deles partiram para outros locais, mas cerca de 200 mil jovens russos ficaram a trabalhar no país, a maioria em setores ligados às tecnologias da informação. Penso que isto também é uma espécie de oportunidade para desenvolver o setor tecnológico com a geração mais jovem.
Como é que descreve as relações atuais entre o Cazaquistão e a União Europeia?
Nós assinámos e ratificámos um acordo de parceria e cooperação com a UE, portanto temos reuniões regulares. Diria que a UE é o investidor número um na economia cazaque, pois já investiu 160 milhões de euros desde o início do acordo. Penso que também temos uma boa relação com cada país europeu individualmente. Também temos uma muito boa relação pessoal entre a liderança da União Europeia e o nosso presidente Kassym-Jomart Tokaiev. Por exemplo, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, visitou o Cazaquistão no ano passado e organizámos a Cimeira da Ásia Central com a UE. Assim, junto com os líderes dos nossos países vizinhos discutimos as nossas perspetivas de cooperação entre a União Europeia e a Ásia Central. Chegámos a um acordo entre o nosso presidente e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen; na COP 27, o nosso primeiro-ministro também assinou com a senhora Von der Leyen um acordo de cooperação sobre os metais de terras raras. Agora, ambos os lados estão a trabalhar na implementação destes acordos. Isto significa que provavelmente vamos expandir o nosso fornecimento de recursos minerais ao mercado europeu nos próximos tempos.
Em relação às mudanças políticas no Cazaquistão desde o ano passado já tiveram as eleições presidenciais em novembro de 2022 e agora, em março, terão as legislativas. As reformas estão a correr bem?
Sim. O nosso presidente introduziu um novo conceito de construção de um Cazaquistão justo. No ano passado houve um referendo em que os nossos cidadãos apoiaram as mudanças na lei constitucional, em que o mandato do presidente passará a ser de sete anos e não renovável, o que penso ser uma inovação política na nossa região. Ao mesmo tempo, penso que fortaleceu a presença dos partidos políticos no parlamento. Agora vai haver eleições para o parlamento, a 19 de março, e com novos procedimentos - 70% da câmara será dos partidos políticos e 30% será de mandatos únicos dos distritos. Assim, haverá a representação através dos partidos políticos e, ao mesmo tempo, as regiões estarão também representadas no parlamento.
A política antinuclear do Cazaquistão é célebre, pois o país decidiu abdicar das armas nucleares herdadas da URSS. Quando as pessoas falam hoje tanto da possibilidade de uma guerra nuclear, continua a ser uma prioridade para o Cazaquistão defender essa política?
Sim. Desde o início da nossa independência em 1991 em que dispensámos o nosso arsenal nuclear que somos fortes apoiantes da não-proliferação e do desarmamento nuclear em todo o mundo. Nós acreditamos que possuir armas nucleares traz consigo o risco de poderes ser usadas ou mesmo tomadas por, digamos, grupos terroristas ou outros radicais.
Em relação à imagem internacional do Cazaquistão - é um país visto como atrativo para o investimento; como uma nação maioritariamente islâmica tolerante; tem também esse prestígio de lutar contra a proliferação nuclear, mas no início do ano passado houve tumultos violentos. Considera que a imagem do Cazaquistão é hoje positiva?
Acredito que sim. Temos uma política externa multivetorial, o que significa que estamos a construir uma relação com todos os países, Rússia, UE, China, Estados Unidos. O posicionamento do Cazaquistão na dimensão internacional é o de forte apoiante do desarmamento nuclear e do processo de não-proliferação e, ao mesmo tempo, defendemos o diálogo inter-religioso entre as civilizações. É por isso que organizámos o congresso de líderes religiosos no ano passado, em que participou o Papa Francisco. Assim como também iniciámos o processo chamado CICA, que é a Conferência sobre Interação e Medidas de Construção da Confiança na Ásia. O nosso objetivo é reunir um capital de medidas de construção de confiança entre todos os Estados da região. Na última cimeira, em outubro passado, tomámos a decisão de transformar esta plataforma numa organização internacional de todo o continente asiático. Acredito que todas estas iniciativas mostram que o Cazaquistão tenta que haja uma relação mutuamente benéfica entre todos os países do mundo.
leonídio.ferreira@dn.pt