“O assédio militar chinês contra Taiwan acontece quase todos os dias”
Houve notícias recentes sobre um aumento da venda de armas dos Estados Unidos a Taiwan quando a guerra na Ucrânia terminar. São muito importantes, para Taiwan, estes fornecimentos de armas por parte dos americanos?
Sim. Em Taiwan temos, principalmente, três fontes diferentes de fornecimento de armamento. Em primeiro lugar, claro, estão as armas fabricadas nos Estados Unidos. Assim, por exemplo, as armas mais sofisticadas, como o F-16, o HIMARS, o carro de combate M1A2 Abrams, são todas oriundas dos Estados Unidos. E outra parte é, naturalmente, o nosso armamento nativo, de fabrico próprio, como o caça F-CK-1. Este é um projeto conjunto desenvolvido com a América na década de 1980. É um avião semelhante ao F-16, mas mais pequeno. E alguns sistemas de defesa aérea também podemos produzir nós próprios. E há ainda armamento comprado na Europa, como o caça Mirage 2000 ou as fragatas da classe La Fayette, vendidas pela França. Mas é apenas uma pequena parte. Portanto, ainda dependemos principalmente do fornecimento de armas dos Estados Unidos. Mas, claro, estamos a pensar em criar possibilidades de importar armas de outros países.
E será que esta promessa de mais armas para Taiwan mostra que a nova Administração Trump é fortemente a favor de Taiwan? Há alguma diferença visível entre Joe Biden e Donald Trump em termos de apoio?
Se olharmos para a anterior Administração Trump, quero dizer, para o primeiro mandato presidencial de Trump, temos, por exemplo, a venda a Taiwan do F-16. Foram 66 F-16, o mais moderno dos F-16. E também o tanque M1A2 Abrams e o HIMARS, datam da última Administração Trump. Então, nessa altura, tivemos realmente a oportunidade de conseguir algumas coisas boas em termos de equipamento militar. Durante o governo de Biden, penso que recebemos sobretudo peças de substituição, algum armamento pequeno, algum apoio como drones, e também treino, logística e assim por diante. Portanto, não diretamente novas armas com tecnologia de ponta. Esta é a grande diferença entre as duas anteriores administrações. Mas sobre este Trump 2.0 não sabemos realmente nada sobre a sua atitude. Porque, em primeiro lugar, se ouvirmos as palavras que estão a dizer em Washington, estão prestes a acelerar a entrega de armas. Isto porque muitas dessas armas que comprámos estão, naturalmente, atrasadas na entrega. Isto deve-se a muitos problemas diferentes, como, por exemplo, a covid-19 que também afetou a cadeia de fornecimento de armamento e assim por diante. Portanto, no geral, precisamos realmente de acelerar a entrega desse material. Mas, ao mesmo tempo, algumas autoridades americanas, como o subsecretário da Defesa Colby, e outros, também dizem agora que travar uma guerra contra a China pela Defesa de Taiwan pode não ser do interesse dos Estados Unidos. Durante muito tempo, os Estados Unidos mantiveram a sua ambiguidade estratégica relativamente à questão de Taiwan. Sabemos que os Estados Unidos vão intervir, mas que tipo de intervenção farão, isso nunca sabemos. Portanto, esta política ambígua, ao mesmo tempo dissuadiu a China, mas também disse a Taiwan: não mudem o statu quo. Mas agora, com este tipo de guerras, não sabemos realmente se vão intervir com Forças Armadas ou não, e assim por diante. Portanto, acho que a incerteza aumentou. Mas se a entrega de armas pudesse ser acelerada, então, claro, teríamos a hipótese de reforçar a nossa Defesa o mais rapidamente possível.
Sei que há muito debate sobre o aumento do orçamento militar, defendido pelo presidente Lai Ching-te, mas os partidos da oposição taiwanesa estão contra. É possível a economia taiwanesa suportar um aumento do orçamento?
Basicamente, acho que sim. Atualmente o gasto está em 2,5% do PIB. E o presidente anunciou que vamos aumentar o mais rápido possível para 3%. Mas os Estados Unidos exigem 5% ou mesmo 10%. Mas 10%, penso eu, será muito difícil para nós. Isto porque 10% do PIB representa 84% das despesas anuais de todo o governo. 84% dos gastos do governo durante um ano! Nem a Coreia do Norte consegue fazer isso. Mas tentaremos chegar pelo menos aos 3% inicialmente.
84% do orçamento nacional?
Sim. Se aumentarmos para 10%. Mas é claro que vamos aumentá-lo primeiro para 3% e adicionar mais orçamento especial para tal. Portanto, no total, podemos chegar a 4% ou até mais.
Quando disse que são 10%, é porque estão a receber pressão direta dos Estados Unidos para atingir esses 10%?
Porque às vezes Colby diz isso, que Taiwan precisa de aumentar para 10% do PIB o investimento em Defesa. É muito difícil essa percentagem. Mas tentaremos aumentá-lo o mais possível. Isto também ocorre porque a ameaça chinesa é realmente uma questão urgente que precisamos de resolver.
A China continua a aumentar o orçamento militar todos os anos…
Agora 7%. Quer dizer, aumentam o orçamento da Defesa a cada ano à volta de 7%.
Ainda assim, em valores absolutos, é menos de 2% do PIB chinês…
É um país enorme, com uma economia enorme, por isso não há comparação possível. Mas também têm muito orçamento de Defesa escondido em diferentes organizações. Por exemplo, a polícia armada. Polícia armada significa polícia com armamento. Quer dizer, literalmente. Mas, na verdade, que polícia tem tanques, helicópteros de ataque, artilharia? Na verdade, são do Exército. Portanto, na realidade, gastam mais nas Forças Armadas do que os números oficiais.
Houve recentemente novas ameaças da China sobre a necessidade urgente de uma reunificação pacífica, caso contrário estão dispostos ao uso da força. Perante estas ameaças, a opinião pública taiwanesa está preparada para apoiar este aumento da despesa em Defesa?
Basicamente, sim. Isto porque o assédio militar chinês contra Taiwan acontece quase todos os dias. Disse a vários amigos meus europeus, e também aqui em Portugal, que, por exemplo, no ano de 2021, segundo uma reportagem que li de uma revista alemã, os países da NATO enfrentaram 290 voos de incursões russas de aviões de guerra. Mas, no mesmo ano, Taiwan enfrentou mais de 900 voos chineses. Portanto, estamos a enfrentar muita coisa. Isso foi em 2021. Em 2022, mensalmente foram 280. Em 2023, mensalmente 380. E no ano passado, durante todo o ano, houve incursões de aviões de guerra chineses num total de mais de 3000 voos. Isto é o que chamamos de zona cinzenta. E por que chamamos a isto zona cinzenta? Isto ocorre, claro, porque se chamarmos a guerra de negra, e a paz de branca, a zona cinzenta significa que pelo meio há muita coisa. Esta é uma tática muito flexível da China. Podem simplesmente colocar algo em cinzento escuro, em cinzento claro, como quiserem, e coagir Taiwan, ou coagir o Ocidente, e assim por diante.
Outras formas de zona cinzenta, ou guerra híbrida, são os ciberataques?
Os ciberataques, claro, e a infiltração na sociedade, desinformação e a tentativa de fragilizar Taiwan, envolvendo-se na política interna. E também o assédio - não é só com os militares, mas também através da Guarda Costeira. E com milícias marítimas. Parecem barcos de pesca, mas na verdade são milícias, com Kalashnikovs ou RPG, e por aí fora. E, por vezes, também tentativas de sabotar os cabos submarinos de Taiwan. Enfrentamos muitas ações deste tipo. Olhe, os balões sobre o espaço aéreo de Taiwan. Deveriam ser para ciência e investigação. Mas mais de 10 balões ao mesmo tempo é muito estranho.
Quão importante é a relação com o Japão e a Coreia do Sul para Taiwan? Sendo todos aliados dos Estados Unidos, existe algum tipo de aliança informal contra a China?
Na verdade, não temos um mecanismo formal na Ásia Oriental como a NATO. É pena que não tenhamos. Na Ásia Oriental, a estrutura são os Estados Unidos, como núcleo, como centro, e várias relações bilaterais com os americanos. Portanto, entre os países da região, não temos verdadeiramente um mecanismo como a NATO. Não temos isso. Mas é algo que precisamos de ter. Nos últimos anos, a Administração de Joe Biden, e no início a ideia até foi da primeira Administração de Trump, tentou lançar uma cooperação multilateral entre os Estados Unidos, o Japão e a Coreia. Portanto. Donald Trump lançou isso e Joe Biden continuou isso. Agora não sabemos se este tipo de mecanismo vai continuar.
Mas Taiwan não faz parte dessa cooperação, nem informalmente?
Ainda não. Porque não temos relação diplomática oficial com os Estados Unidos, o Japão ou a Coreia. Mas, claro, temos muitas trocas, inteligência, informação e algo mais.
Tanto com a Coreia do Sul, como com o Japão?
Com diferentes países da região, digamos assim. Aliados regionais.
Assinalou-se há pouco dias o centenário da morte de Sun Yat-sen, o primeiro líder republicano chinês, e Taiwan formalmente é a República da China, desde 1949 em conflito com o regime comunista em Pequim. Estive em Taipé. Vi a estátua e o memorial. Na República Popular da China também o celebram. É ainda uma figura que une os dois lados do Estreito de Taiwan?
Bem, hoje em dia, já não é tão significativo em Taiwan. Porque atualmente, depois da democratização, as pessoas não gostam mesmo nada de celebrar grandes pessoas. Porque em democracia não tivemos uma pessoa assim tão boa.
Então mesmo Sun Yat-sen já não é um tipo de elo de ligação entre Taiwan e a China continental?
Nós não pensamos assim. Penso que temos, claro, muitas ligações culturais, e, consoante a pessoa, talvez os nossos antepassados tenham vindo da China continental há 200 ou 300 ou 400 anos, e assim por diante. Emigraram de lá para a ilha. Mas isso não significa que precisamos de ter hoje o mesmo país, o mesmo sistema político e por aí fora. Na realidade, em Taiwan, temos uma cultura muito mista. A cultura principal pode vir principalmente da China, mas de diferentes partes da China, porque Taiwan é uma ilha pequena e a China é grande. E também está misturada com alguma cultura aborígene, e igualmente cultura americana do pós-Segunda Guerra Mundial, e ainda algo deixado pelos japoneses. Portanto, na verdade, é uma cultura mista, a da ilha. Embora ainda pratiquemos no quotidiano grande parte da cultura chinesa, isso não significa que precisemos de ter a mesma identidade e o mesmo sistema político. Gostamos muito da atmosfera de liberdade e de democracia. Sabe, tal como a Áustria e a Alemanha não têm de ser um só país, nós também não.