Um elemento das forças armadas de Taiwan vigia um navio militar chinês que navega ao largo da costa norte da ilha.
Um elemento das forças armadas de Taiwan vigia um navio militar chinês que navega ao largo da costa norte da ilha.GUARDA COSTEIRA DE TAIWAN/AFP

Novo presidente vale a Taipé “punição severa” de Pequim

Regime comunista responde à chegada de Lai Ching-te ao poder em Taiwan com pugilato metafórico e dois dias de manobras militares em redor da ilha.
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O novo presidente de Taiwan, em funções desde segunda-feira, começa o mandato com um teste de fogo: dois dias de exercícios militares da República Popular da China em redor da ilha, como “punição severa dos atos separatistas das forças independentistas de Taiwan”, segundo palavras do porta-voz do exército chinês. O Ministério da Defesa de Taiwan disse ter detetado 49 aviões chineses durante o primeiro dia das manobras de Pequim, “dos quais 35 cruzaram a linha mediana”, em referência à linha que divide o estreito da Formosa, entre a ilha e a China continental. 

A resposta à tomada de posse de alguém que Pequim considera um “perigoso separatista” não se fica pelos exercícios militares, complementa-se pela violência verbal. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros Wang Wenbin disse que os independentistas de Taiwan ficarão “com a cabeça partida e o sangue a jorrar depois de colidirem com a grande tendência da China para alcançar a unificação completa”.

No discurso da cerimónia de tomada de posse, na segunda-feira, Lai Ching-te, também conhecido como William Lai, apelou para que a China “acabe com a intimidação política e militar contra Taiwan” e mantenha “a paz e a estabilidade no estreito da Formosa e na região”. Aos 64 anos, Lai Ching-te, médico de formação, sucede a Tsai Ing-wen num inédito terceiro mandato consecutivo do Partido Democrático Progressista (PDP).

“Perante os desafios e ameaças externos, continuaremos a defender os valores da liberdade e da democracia e a salvaguardar a paz e a estabilidade na região”, disse Lai Ching-te na quinta-feira. (SAM YEH/AFP)

As relações têm vindo a piorar entre Pequim, que defende o princípio de Uma só China, e reiterando a ameaça da unificação pela força, e Taipé, que deseja pelo menos manter o statu quo de democracia autogovernada. No passado, Lai defendia a independência da ilha que recebeu em 1949 o nacionalista Chiang Kai-shek, fugido do nascente regime comunista. Mais recentemente, o ex-primeiro-ministro e ex-vice-presidente moderou a linguagem, mas ainda assim, afirmar que Taiwan “já é independente” e não precisa se declarar formalmente separada da China é inaceitável aos olhos do regime de Pequim. 

“O comportamento escandaloso de Lai Ching-te e de outros que traem a nação e os seus antepassados é vergonhoso. Todos os separatistas da independência de Taiwan serão pregados ao pilar da vergonha da história”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros da China Wang Yi. (STRINGER / AFP)

“A independência de Taiwan e a paz no estreito são como água e fogo”, comentou o governo chinês antes da tomada de posse de Lai, à qual assistiram dignitários de mais de 40 países, entre os quais oito chefes de Estado dos 12 países que reconhecem a República da China em vez da República Popular da China, mas também, por exemplo, EUA (uma delegação que incluía o ex-secretário de Estado Mike Pompeo) ou Japão (uma delegação de 30 deputados). O embaixador chinês no Japão, Wu Jianghao, também recorreu a imagens sugestivas para mostrar a irritação pelo facto de Tóquio se ter representado na cerimónia. “Se o Japão se atrelar à carruagem da divisão da China, o povo japonês será conduzido a um poço de fogo.” 

Para os EUA foram reservadas duas iniciativas: sanções ao ex-representante Mike Gallagher, que em fevereiro chefiou uma delegação bipartidária a Taiwan; e sobretudo um comentário em que Pequim mostrou a sua “profunda insatisfação”, e dirigido ao secretário de Estado Antony Blinken por ter felicitado Lai Ching-te. “A questão de Taiwan é o cerne dos interesses fundamentais da China e a primeira linha vermelha intransponível nas relações entre a China e os Estados Unidos. Exortamos os EUA a corrigir imediatamente os seus erros”, declarou Wang Wenbin.

Sinal claro da “parceria estratégica” sino-russa, a seu lado posicionou-se a Rússia, cujo presidente Putin visitou o homólogo chinês na semana passada, a segunda vez em meio ano. “Verificamos que Washington e os seus satélites continuam a agravar a situação no estreito da Formosa, a minar propositadamente a estabilidade e a segurança na região da Ásia-Pacífico e a impedir a unificação pacífica da China”, comentou a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova. 

As tensões também passam pelo parlamento de Taipé, onde o PDP perdeu a maioria e os outros dois partidos se uniram para tentar introduzir reformas para este órgão ser reforçado em poderes. A jogada foi denunciada pelo PDP, que a comparou à Assembleia Nacional Popular de Pequim, já depois de na sexta-feira deputados se terem envolvido numa rixa.

cesar.avo@dn.pt

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