Nobel da Paz apela aos media que lutem pelos factos não por notícias

"A liberdade de imprensa está ameaçada", avisou a filipina Maria Ressa. Precisou da luz verde de quatro tribunais para viajar e receber hoje o prémio com o russo Dmitry Muratov.

Na véspera de a jornalista filipina Maria Ressa e do russo Dmitry Muratov receberem o Prémio Nobel da Paz em Oslo, o Comité de Proteção de Jornalistas divulgou mais um balanço trágico: no dia 1 de dezembro estavam detidos 293 trabalhadores dos media e, no último ano, 24 jornalistas foram mortos no exercício da profissão. "A liberdade de imprensa está ameaçada. Foi preciso muito para estar aqui hoje a responder às vossas perguntas", contou ontem Ressa numa conferência de imprensa, defendendo que é hora de os media unirem esforços e "lutarem pelos factos" e que "a era da concorrência por notícias está morta".

A cofundadora do site Rappler, que tem sido crítico do governo do presidente Rodrigo Duterte, precisou da autorização de quatro tribunais para poder viajar até Oslo e receber pessoalmente o galardão na cerimónia desta sexta-feira. Condenada no ano passado a pena de prisão por difamação, Ressa está em liberdade condicional enquanto aguarda o resultado do recurso e de sete outros processos, incluindo um onde é acusada de violar a proibição constitucional que impede as agências de notícias de receberem financiamento internacional.

Destino diferente teve o antigo colega, Jess Malabanan, jornalista do Manila Standard e correspondente da agência Reuters, morto com um tiro na cabeça na quarta-feira. Estava a investigar a guerra contra as drogas nas Filipinas, uma das políticas polémicas de Duterte, sendo o 22.º jornalista do país morto desde que o presidente tomou posse, em meados de 2016. Ressa explicou que investigar as "histórias mais duras" é como "ter uma espada de Dâmocles sobre a nossa cabeça", numa referência à insegurança que os jornalistas vivem.

Condição para a democracia

O outro galardoado com o Nobel é o diretor do Novaya Gazeta, considerado um dos poucos jornais independentes que ainda restam na Rússia e que ganhou nome com as investigações sobre corrupção e os abusos de direitos humanos na Chechénia. Muratov disse ontem, através de um tradutor, estar perfeitamente consciente de que o prémio é para todos os jornalistas. O Comité Nobel Norueguês anunciou em outubro que o galardão distingue os dois jornalistas "pelos seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão, que é uma pré-condição para a democracia e a paz duradoura". Ontem, a líder do comité, Berit Reiss-Andersen, lembrou que visa também "realçar a importância da informação na sociedade de hoje".

Muratov disse não ficar "aborrecido" se por causa do Nobel se tornar num "agente estrangeiro" - declaração que, por lei, tem que constar depois em todos os artigos que escreva e em todas as partilhas nas redes sociais que faça. E chamou a atenção para o facto de líderes autoritários atacarem as instituições democráticas pondo em risco a paz. "A falta da crença na democracia significa que, com o tempo, as pessoas virem as costas à democracia. Vão ter um ditador e a ditadura leva à guerra", referiu o jornalista russo, dizendo esperar que o Nobel sirva de inspiração a uma nova geração na luta contra as mentiras e a propaganda, tornando mais seguro o trabalho dos jornalistas.

Nas Filipinas, haverá presidenciais no próximo ano para eleger o sucessor de Duterte, com Ressa a deixar um alerta: "Será impossível ter integridade nas eleições se não há integridade dos factos", queixando-se de que as redes sociais estão a amplificar e a espalhar mentiras em vez de factos e apelando à união dos media. "Penso que este é um momento em que estamos do mesmo lado a lutar por factos e vamos precisar de encontrar novas formas de colaboração, não só em cada um dos nossos países, mas também a nível global", disse Ressa a jornalista.

susana.f.salvador@dn.pt

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