O presidente norte-americano, Donald Trump, resolveu impor sanções contra o Tribunal Penal Internacional (TPI) por “ações ilegítimas e infundadas contra os EUA e o nosso aliado próximo Israel.” Na sua ação executiva, Trump alega que o TPI está não só a “ameaçar” os militares norte-americanos com acusações penais, como “abusou do seu poder” ao emitir um mandado de captura contra o primeiro-ministro israelita. A 21 de novembro, Benjamin Netanyahu juntou-se a uma restrita lista de líderes na mira do TPI, que inclui ainda o presidente russo, Vladimir Putin, e o ex-presidente do Sudão, Omar al-Bashir, e à qual se pode juntar em breve o líder supremo dos talibãs, Haibatullah Akhundzada. O TPI, com sede em Haia (Países Baixos), foi criado pelo Estatuto de Roma (adotado em 1998) para investigar e julgar indivíduos acusados dos mais graves crimes que preocupam a comunidade internacional: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e, desde a revisão de Kampala, em 2010, crime de agressão (referente ao uso da força armada por um Estado contra a soberania, integridade ou independência de outro Estado). “Constato com profundo pesar a emissão pelos EUA de uma ordem executiva que procura impor sanções aos funcionários do TPI, prejudicar a independência e a imparcialidade do tribunal e privar milhões de vítimas inocentes de atrocidades de justiça e esperança”, disse a juíza presidente do TPI, Tomoko Akane, em resposta à decisão de Trump. E prometeu continuar “a proporcionar justiça e esperança a milhões de vítimas inocentes de atrocidades em todo o mundo, em todas as situações, no interesse exclusivo da dignidade humana”. Mas afinal, de que é que Netanyahu e os outros líderes são acusados?Benjamin NetanyahuO primeiro-ministro israelita é alvo de um mandado de captura emitido a 21 de novembro, tal como o na altura ministro da Defesa, Yoav Gallant. O TPI acredita que há “motivos razoáveis para acreditar” que ambos são responsáveis por crimes de guerra, nomeadamente o “uso da fome como um método de guerra”, além de crimes contra a humanidade por “assassinato, perseguição e outros atos desumanos” cometidos na Faixa de Gaza. Além disso, “têm responsabilidade criminal como superiores civis pelo crime de guerra de dirigir intencionalmente um ataque contra a população civil”.Netanyahu reagiu de imediato. “Hoje é um dia negro na história da humanidade, o tribunal internacional de Haia, que foi inventado para proteger a humanidade, tornou-se hoje o inimigo da humanidade”, escreveu no X. “É uma medida antissemita que tem um objetivo: dissuadir-me, impedir-nos de exercer o nosso direito natural de nos defendermos contra os inimigos que nos tentam destruir”, acrescentou. O primeiro-ministro também não reconhece a validade do tribunal.Israel (tal como os EUA) não é um dos 125 países que ratificaram ou aderiram ao Estatuto de Roma. Os países que ratificaram têm a obrigação de deter Netanyahu (e Gallant) caso estes entrem no seu território, apesar de alguns terem expressado dúvidas sobre este mandado de captura. Na primeira viagem ao estrangeiro desde a decisão do TPI, Netanyahu esteve na semana passada nos EUA. Segundo a imprensa israelita, o avião que transportava o primeiro-ministro evitou, por exemplo, sobrevoar o Canadá - um dos países que ratificaram e que disseram que iriam cumprir o mandado do TPI. No mesmo dia em que emitiu o mandado contra Netanyahu, o tribunal emitiu também um contra o comandante da ala militar do Hamas, as Brigadas Al-Qassam, conhecido como Mohammed Deif. É acusado de crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Israel e Gaza durante e após o ataque de 7 de outubro de 2023 - que matou cerca de 1200 pessoas. O Hamas confirmou este mês a sua morte, que já tinha sido anunciada por Israel em junho.Vladimir PutinO mandado de captura contra o presidente russo foi emitido a 17 de março de 2023, pela alegada responsabilidade na deportação ilegal de crianças ucranianas desde território ocupado para a Rússia. Foi o primeiro mandado contra o líder de um dos países que são membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Além de Putin, foi acusada a comissária russa para os direitos das crianças, Maria Lvova-Belova.O mandado tornou-se numa dor de cabeça para Putin, que se viu privado, por exemplo, de viajar até à cimeira dos BRICS na África do Sul, em agosto de 2023 (acabou por participar via videoconferência). A questão sobre se os sul-africanos o iriam deter ou não passou até pelos tribunais locais. Mas, um ano depois, o presidente russo viajou até à Mongólia, sem que as autoridades tenham cumprido o mandado de captura. O país foi acusado de cumplicidade com os “crimes de guerra”. A decisão de Trump de sancionar os membros do TPI (impondo restrições financeiras e de vistos para quem ajudar as investigações do tribunal) terá sido celebrado na Rússia. O Kremlin foi contudo contido na resposta: “A Rússia não reconhece o TPI. As sanções dos EUA contra ele não têm nada a ver connosco.” O porta-voz Dmitry Peskov tinha tido a mesma reação quando o mandado foi emitido, considerando que este era “ultrajante e inaceitável”, mas lembrando que o tribunal não tinha jurisdição. “Consequentemente, quaisquer decisões deste tipo são nulas e sem efeito para a Federação Russa do ponto de vista da lei.”Omar al-BashirO ex-presidente do Sudão não teve direito a um, mas a dois mandados de captura emitidos pelo TPI - em março de 2009 e julho de 2010, quando ainda estava à frente do país. Chegou ao poder num golpe de Estado, em 1989, e foi deposto num outro, em 2019. Bashir (e alguns dos seus aliados) foram presos na altura, mas nunca enviados para o TPI, pelo que o seu processo não pode avançar. Em abril do ano passado, o exército disse que o antigo ditador, que já fez 81 anos, tinha sido transferido para um hospital e, em setembro, foi para um outro mais bem equipado.Bashir é acusado pelo TPI de cinco crimes contra a humanidade (homicídio, extermínio, transferências forçadas, tortura e violação), dois crimes de guerra (ordenar intencionalmente ataques contra a população civil e pilhagens), além de três crimes de genocídio cometidos entre 2003 e 2008 no Darfur. Estima-se que cerca de 300 mil pessoas tenham morrido e mais de duas mil tenham sido obrigadas a fugir durante a guerra nesta região.O Sudão está de novo em guerra, depois de em abril de 2023 terem fracassado as negociações para integrar os paramilitares da Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) no exército no contexto de uma transição política no país após o derrube de Bashir. O conflito entre o exército sudanês e as RSF desencadeou uma enorme catástrofe humanitária, matando dezenas de milhares de pessoas e desalojando mais de 12 milhões. Saif al-Islam KadhafiA 27 de junho de 2011, o TPI emitiu um mandado de captura contra o então líder líbio, Muammar Kadhafi, por crimes contra a humanidade durante a Primavera Árabe e a Guerra Civil. Foi o segundo presidente a ser alvo do TPI, depois de Bashir. O caso acabaria por cair por terra depois de o líder líbio ter sido capturado e morto em outubro de 2011 (outros seis suspeitos do TPI já morreram antes de responder pelos seus alegados crimes). Mas o mandado incluía também um dos seus filhos, Saif al-Islam Kadhafi, considerado como primeiro-ministro de facto do país. Capturado dias depois do pai, ficou preso até ser libertado em 2017, ao abrigo de uma amnistia, sem ter sido entregue ao TPI. Desde então, já tentou concorrer às presidenciais, mas as eleições previstas para 2018 foram adiadas e não há ainda data para serem realizadas. Saif foi curiosamente defendido durante cerca de um ano por Karim Khan, que é o principal procurador do TPI desde 2021.Haibatullah AkhundzadaO mandado de captura contra o líder supremo dos talibãs e do Afeganistão ainda não foi emitido, mas já foi pedido por Karim Khan a 23 de janeiro. Haibatullah Akhundzada é acusado de crimes contra a humanidade, pela perseguição por motivos de género. Em causa está a “perseguição às raparigas e mulheres afegãs”, que são privadas de “direitos fundamentais”, como a liberdade de movimento, de expressão ou o acesso à educação. Não existe ainda uma data para este caso ser avaliado pelos juízes. E ainda: Jean-Pierre BembaO ex-vice-presidente da República Democrática do Congo é um dos cinco arguidos que foram condenados pelo TPI e cujo caso já está fechado, mas acabaria por ser absolvido em recurso, em 2018. Isto depois de já ter passado dez anos preso, tendo sido detido após a emissão do mandado de captura em 2008. Tinha sido condenado em 2016 a 18 anos de prisão por crimes de guerra e contra a humanidade enquanto presidente e comandante do Movimento de Libertação do Congo. Entretanto, após regressar ao país no final de 11 anos no exílio, foi candidato às presidenciais e já foi ministro da Defesa. Outro presidente acusado de crimes contra a humanidade foi o marfinense Laurent Ggabo, por causa da violência pós eleições em 2010 e 2011. Detido e entregue ao TPI pelas forças favoráveis ao então presidente eleito Alassane Ouattara, Ggabo seria contudo ilibado no julgamento em janeiro de 2019 e libertado, já tendo regressado à Costa do Marfim. Presidente entre 2000 e 2011, já disse que é candidato às eleições previstas para este ano. susana.f.salvador@dn.pt