Mais de 400 palestinianos morreram nos ataques de Israel contra Gaza.
Mais de 400 palestinianos morreram nos ataques de Israel contra Gaza.HAITHAM IMAD/EPA

Netanyahu diz que ataques que quebraram cessar-fogo são “apenas o início”

Ataques aéreos em Gaza causaram mais de 400 mortos, tornando-se nas 24 horas mais letais desde os primeiros meses do conflito, em 2023. Ação teve o apoio dos EUA, mas a condenação de Qatar e Egito.
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Pouco depois das 02h00 da manhã desta terça-feira (menos duas horas em Lisboa), o gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, anunciou que este tinha ordenado ao exército que agisse “vigorosamente contra a organização terrorista Hamas na Faixa de Gaza”, pondo assim fim ao cessar-fogo entre as duas partes. Justificação dada por Israel: o Hamas nega-se a libertar os reféns que mantém ainda em cativeiro e terá rejeitado as propostas dos Estados Unidos para prolongar a primeira fase do cessar-fogo, no lugar de passar à segunda fase do acordo, como originalmente estabelecido - a segunda fase do cessar-fogo em Gaza deveria ter começado a 2 de março, em que seriam libertados todos os reféns israelitas em Gaza e lançadas as bases para o fim definitivo da guerra. Uma fonte do Hamas disse à Reuters que, desta forma, Israel estava a terminar de maneira unilateral o cessar-fogo e a colocar os reféns perante um destino desconhecido.

“Isto é apenas o início. Continuaremos a lutar para alcançar todos os nossos objetivos nesta guerra”, declarou Netanyahu terça-feira já à noite, confirmando o que tinha vindo a ser dito durante o dia por vários ministros do seu governo. Numa conferência de imprensa, o primeiro-ministro defendeu o retomar dos ataques aéreos em Gaza, dizendo que as negociações para restaurar o cessar-fogo continuarão “apenas debaixo de fogo”. Mas também que a pressão militar sobre o Hamas é uma “condição crítica” para garantir a libertação dos reféns.

Durante a tarde, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, Gideon Saar, já havia explicado que estes novos ataques - que, segundo as autoridades de Gaza, mataram mais de 400 pessoas - não foram um “ataque de um dia” e que a operação militar no enclave continuará nos próximos dias. A confirmar-se este número avançado pelas autoridades do Hamas, os ataques aéreos israelitas terão feito destas últimas 24 horas as mais mortais para os palestinianos desde os primeiros meses da guerra.

Saar adiantou ainda que os Estados Unidos receberam um aviso prévio dos ataques israelitas e que os apoiaram, informação confirmada pela Casa Branca. “ A administração Trump e a Casa Branca foram consultadas pelos israelitas sobre os seus ataques em Gaza (...). E como o presidente Trump deixou claro, o Hamas, os Houthis, o Irão - todos aqueles que procuram aterrorizar não só Israel, mas também os Estados Unidos da América - terão um preço a pagar”, declarou a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt.

Os bombardeamentos, que tiveram como alvo vários locais da Faixa de Gaza, atingiram escolas que acolhem refugiados e zonas humanitárias, causando vítimas em Khan Yunis, no sul do enclave, bem como em Nuseirat e Al-Bureij (centro) e em Jabalia e na Cidade de Gaza (norte), de acordo com informações e imagens divulgadas pelos meios de comunicação palestinianos.

Segundo o ministro da Defesa israelita, o país “retomou os combates” na Faixa de Gaza até que todos os reféns ainda retidos pelo Hamas sejam libertados, tendo o exército dado conta de “ataques extensivos contra alvos terroristas” pertencentes ao Hamas em Gaza. Num comunicado, Israel Katz reforçou que “as portas do inferno se abrirão em Gaza” se os reféns não forem libertados, garantindo que “não pararemos de lutar até que todos os nossos reféns estejam em casa e tenhamos alcançado todos os objetivos da guerra”. Neste momento, permanecem 59 reféns na Faixa de Gaza, 58 dos quais raptados no ataque do Hamas de 7 de outubro de 2023 que fez 1200 mortos em Israel, havendo a informação de que 24 ainda estarão vivos.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, havia muitas mulheres e crianças entre os mais de 400 palestinianos perderam a vida nos ataques desta terça-feira, que fizeram também centenas de feridos. Cinco funcionários do governo foram mortos nos ataques aéreos israelitas, sendo um deles o vice-diretor do Ministério do Interior do Hamas e responsável pela força policial do grupo, general Mahmoud Abu Watfa. As outras vítimas mortais serão Issam Da’alis, chefe do governo do Hamas (que já tinha sido dado como morto em julho), Yasser Harb, membro do gabinete político do Hamas, o brigadeiro-general Bahjat Abu Sultan, chefe da Agência de Segurança Interna do Hamas, o mais poderoso aparelho de segurança do grupo, e Abu Omar Al-Hattah, vice-ministro da Justiça em Gaza.

Horas após o lançamento dos primeiros ataques, o exército de Israel ordenou a evacuação de partes do leste de Gaza, abrangendo também a cidade de Beit Hanoun, no norte, e outras comunidades mais a sul, sugerindo, como indicou o ministro Gideon Saar, que se avizinhavam novas operações militares.

Um líder do Hamas revelou ontem à AFP que estão “a trabalhar com mediadores internacionais” para “conter a agressão de Israel”, referindo ainda que o movimento islamista “aceitou o acordo de cessar-fogo e implementou-o integralmente, mas a ocupação israelita renegou os seus compromissos (...) ao retomar a agressão e a guerra”.

Num comunicado, o Hamas afirmou também que os EUA “têm total responsabilidade pelos massacres” em Gaza, depois de a Casa Branca ter confirmado o pré-aviso de Israel. “Com o seu apoio político e militar ilimitado à ocupação [Israel], Washington tem total responsabilidade pelos massacres e pela matança de mulheres e crianças em Gaza”, lê-se no mesmo documento.

O Qatar, um dos países que tem servido como mediador entre Israel e o Hamas (a par do Egito e dos EUA), condenou os ataques de Israel em Gaza, sublinhando ser necessário retomar as negociações para implementar as fases do acordo de cessar-fogo. Um sentimento partilhado pelo Egito que, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, “rejeitou totalmente a agressão de Israel” e pediu “à comunidade internacional para intervir imediatamente”, mas também a “todas a partes para se conterem e permitirem aos mediadores retomarem os seus esforços para alcançar um cessar-fogo permanente.”

Já a Turquia, um aliado dos palestinianos, anunciou que vai intensificar os esforços diplomáticos para restabelecer um cessar-fogo em Gaza. “A Turquia apoia o povo de Gaza e os nossos irmãos palestinianos... Continuaremos a aumentar os nossos esforços diplomáticos para travar os massacres e restaurar a paz e um cessar-fogo”, declarou o presidente Recep Tayyip Erdogan.

Famílias de reféns descontentes

O governo israelita vinha há semanas a ameaçar lançar uma ofensiva, alegando que atacar a liderança do Hamas resultará na libertação de mais reféns. Alegação contestada por muitas famílias de reféns em Israel.

Os membros do Fórum das Famílias dos Reféns e Desaparecidos, que reúne os familiares da maioria dos sequestrados na Faixa de Gaza, condenaram os bombardeamentos israelitas da noite de terça-feira e acusaram o governo de abandonar os reféns, dizendo estar “totalmente dececionados”.

Este grupo, que se manifesta semanalmente para exigir o fim da guerra e garantir o regresso dos reféns, afirma que Benjamin Netanyahu deve regressar ao cessar-fogo que esteve em vigor durante quase dois meses. “Porque é que não lutam na sala de negociações? Porque é que abandonam o acordo que podia ter trazido toda a gente para casa”, lamentam os familiares dos reféns.

Para estes, o governo de Israel recusou-se a declarar o fim da guerra afastando-se das etapas seguintes do acordo e recuperar os 59 cativos. “O regresso aos combates antes da libertação do último refém será feito à custa dos 59 prisioneiros que permanecem em Gaza e que poderiam ser salvos”, refere o mesmo comunicado do Fórum das Famílias dos Reféns e Desaparecidos.

Além deste comunicado, familiares de reféns encontraram-se esta terça-feira com vários políticos no parlamento, em Jerusalém, enquanto que no exterior do edifício muitos israelitas manifestavam-se em protesto contra o governo. De acordo com a BBC, Lishi Lavie-Miran, mulher de um refém, disse enraivecida aos deputados que se o marido for morto “ela não se responsabiliza pelas suas ações” se um deles “ousar aproximar-se dela”.

Uma manifestante, Noga Kaplan, estudante universitária de 22 anos, segurava um cartaz a dizer que “Bibi deve ir”, garantindo à BBC que recomeçar a guerra é “a pior coisa que pode acontecer para os reféns” e pedindo ao governo israelita, ao Hamas e aos Estados Unidos que prossigam com o acordo de cessar-fogo e a troca de reféns.

Yarden Bibas, refém libertado nas primeiras seis semanas do cessar-fogo e cuja mulher e dois filhos morreram no cativeiro, usou as redes sociais para mostrar a sua indignação perante o retomar dos ataques. “A decisão de Israel de voltar a lutar leva-me de volta a Gaza, aos momentos em que ouvi os sons de explosões ao meu redor e em que temi pela minha vida, pois tinha medo de que o túnel onde estava desabasse... A pressão militar coloca os reféns em perigo, um acordo trá-los de volta”, disse Bibas.

Einav Zangauker, mãe do refém Matan Zangauker, marchou do sul de Israel em direção à fronteira de Gaza, deixando bem clara a sua posição, de acordo com a Reuters: “Não deixem o primeiro-ministro e os membros do seu governo sacrificarem o sangue do meu filho Matan e as vidas de todos os outros reféns apenas para permanecer no poder”.

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