A falha elétrica foi detetada pelos finlandeses às 10.26 no dia de Natal, à mesma hora em que, no mar Báltico, o petroleiro Eagle S navegava por cima do cabo submarino EstLink-2, que transporta eletricidade entre a Estónia e a Finlândia. “Se três incidentes semelhantes acontecem num ano, não pode ser coincidência ou acidente”, disse o presidente finlandês, Alexander Stubb. A suspeita de sabotagem já levou a NATO a reforçar a sua presença na região..Além do cabo elétrico, quatro cabos de dados foram danificados neste último incidente, com as autoridades finlandesas a aprender das experiências passadas e a abordar, no espaço de poucas horas, o Eagle S - que foi apreendido e levado para próximo do porto finlandês de Kilpilahti. O Kremlin retirou importância a este incidente, apesar das suspeitas de que o navio pertence à sua “frota fantasma”..O petroleiro foi construído em 2006 e tem capacidade para transportar 70 mil toneladas de petróleo. Está registado nas ilhas Cook, sendo propriedade da empresa Caravella, dos Emirados Árabes Unidos, mas acredita-se que pode ser na realidade russo. Transportava gasolina sem chumbo carregada num porto da Rússia, que tinha como destino o Egito..Depois da invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, a União Europeia e os seus aliados impuseram vários pacotes de sanções à Rússia, incluindo ao setor petrolífero, numa tentativa de prejudicar o esforço de guerra. Além de terem reduzido ao máximo as suas importações de petróleo russo, os 27 e os países do G7 impuseram um preço máximo ao que é transportado por navio - 60 dólares por barril. Isso obrigou Moscovo a procurar clientes alternativos (Índia, China ou Turquia) e uma forma de contornar as sanções..A “frota fantasma” - já usada no passado pelo Irão, a Coreia do Norte, a Venezuela ou a própria Rússia - foi uma das soluções encontradas. Os navios têm normalmente uma proveniência obscura, a sua propriedade não é clara e usam diferentes táticas para esconder a origem da carga (incluindo várias transferências entre navios em alto mar ou a transmissão de dados falsos), conseguindo escapar às restrições..Num relatório de novembro, o Parlamento Europeu citava diferentes fontes para dizer que a “frota fantasma” russa poderá ter entre 400 e 600 navios, mas alguns especialistas admitem que possa chegar aos mil navios. Em junho, estimava-se que pudessem transportar, diariamente, 4,1 milhões de barris de petróleo russo..Estes navios são apontados como um risco para a segurança ambiental e marítima - a “frota fantasma” já esteve envolvida em mais de 50 incidentes, incluindo um choque entre dois navios a 16 de dezembro no estreito de Kerch que causou um derramamento de petróleo. O próprio Eagle S, num relatório da Lloyds List de julho, citado pelo The New York Times, era apontado como “apenas um pedaço de ferrugem a flutuar numa sucata de aço”..Mas agora está a tornar-se mais claro que estes navios podem também representar “um risco geopolítico”, ao abrigo da chamada “guerra híbrida”. O relatório do Parlamento Europeu já citava responsáveis militares suecos que alegavam que os navios eram usados para “vigilância em torno de infraestruturas críticas” e para “recolha de informação”..Outros incidentes.O incidente desta semana não é o primeiro desde o início da guerra na Ucrânia a envolver infraestruturas críticas submarinas. Em outubro do passado, um navio registado em Hong Kong - o Newnew Polar Bear - lançou a âncora e danificou o gasoduto BalticConnector e vários cabos de telecomunicações que ligam a Finlândia e a Estónia. Mas entrou em águas internacionais antes de as autoridades o poderem investigar. Pequim admitiu, em agosto deste ano, que foi o navio chinês a danificar os cabos, mas alegou que foi um acidente..No mês passado, outro navio chinês - Yi Peng 3 - foi travado depois de dois cabos de fibra ótica no Báltico terem sido cortados. Um liga a Finlândia à Alemanha e outro a Lituânia à ilha sueca de Gothland, tendo ambos sido danificados em águas suecas. O navio acabou por ser inspecionado pelas autoridades depois de ter ficado retido durante quase um mês no mar de Kattegat (entre a Suécia e a Dinamarca), enquanto se esperava que diplomatas de Estocolmo e Pequim negociassem o acesso ao navio. A investigação ainda decorre. .Logo em setembro de 2002, foram os gasodutos Nord Stream 1 e 2, que transportavam gás natural da Rússia para a Alemanha (o segundo foi concluído, mas nunca utilizado), que foram danificados em explosões próximo da ilha dinamarquesa de Borholm. As autoridades concluíram que houve uma sabotagem, suspeitando-se que tenham sido grupos pró-ucranianos ou até mesmo Kiev. Mas há também quem alegue que foi um ataque de “falsa bandeira” da Rússia..“Danos às Infraestruturas Críticas Submarinas tornaram-se tão frequentes que é difícil acreditar que é acidental ou apenas má navegação. Temos de compreender que os danos nas infraestruturas submarinas se tornaram mais sistemáticos e, por isso, devem ser considerados como ataques contra as nossas estruturas vitais”, indicou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia, Margus Tsahkna, depois do último incidente. A Estónia lançou entretanto uma operação naval e aumentou as patrulhas para proteger o outro cabo elétrico submarino que a liga à Finlândia (o EstLink-1)..Também a NATO aumentou a presença militar no Báltico. Tanto a Estónia como a Finlândia são dois membros da Aliança Atlântica. Os finlandeses, que têm uma fronteira de mais de 1300 quilómetros com a Rússia, entraram em abril do ano passado, abandonando décadas de política de neutralidade. Também a União Europeia reiterou o seu apoio aos dois Estados membros..susana.f.salvador@dn.pt