“Mulherzinha diretora do FMI”. Afinal, Lula é ou não machista?
“Lá [no encontro do G7, no Japão], eu encontrei-me com uma mulherzinha, diretora-geral do FMI, que nem me conhecia e que me disse que o cenário estava difícil para o Brasil e que o país só cresceria 0,8% naquele ano”, afirmou Lula da Silva, na abertura de um evento, na sexta-feira passada, 11 de abril. Referia-se à economista e socióloga búlgara Kristalina Georgieva, líder do Fundo Monetário Internacional, desde 2019. O comentário, considerado machista, foi apenas mais uma gafe do género do atual presidente do Brasil.
Só neste ano, Lula disse ainda que para melhorar a relação tensa entre o governo e o Congresso Nacional nomeou “uma mulher bonita”, a propósito de Gleisi Hoffmann, recém-empossada no cargo de ministra das Relações Institucionais, enquanto se dirigia aos presidentes das duas casas do Congresso Nacional. “Quero mudar a relação com vocês, por isso, coloquei essa mulher bonita nas Relações Institucionais”, sublinhou o chefe de estado num comentário em que ignorou as capacidades políticas da ex-presidente do PT, ex-ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff, ex-senadora e ex-deputada, entre outros cargos.
Nos atos oficiais que assinalaram os dois anos dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, disse ser “um amante da democracia”. E explicou porquê: “Não sou nem marido, eu sou amante porque a maioria das vezes os homens são mais apaixonados pela amante do que pela mulher”, afirmou, noutra frase que motivou críticas.
Para Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, as palavras de Lula não surpreendem. “A esquerda não é necessariamente progressista”, alerta a académica em conversa com o DN, “e a esquerda que no mundo tem conseguido maiorias eleitorais é a esquerda que consegue dialogar com o conservadorismo na área dos direitos civis, como a esquerda do México, que não entra em questões como família, relações entre os corpos e demais temas civis, concentrando-se nos assuntos económicos”.
“Lula sempre foi mais próximo dessa esquerda mais conservadora”, lembra a especialista, “até porque é de uma classe mais popular, e temas sobre as famílias, sobre as relações entre os corpos, sobre os costumes, sobre os direitos civis, sempre foram, de um modo geral, mais característicos das classes médias e altas”. Para Mayra Goulart, “o maior ativo eleitoral dele é a capacidade de se conectar com todas as classes mas é no segmento mais popular, que é segundo pesquisas, mais conservador, que ele tem a maior base”.
Voltando às gafes, em julho de 2024 Lula quis partilhar num evento com empresários da área de alimentação o que chamou de “notícia triste”. “Há pesquisas que mostram que depois de um jogo de futebol aumenta a violência contra a mulher, inacreditável, mas se o cara, como eu, é corintiano, tudo bem...”, gracejou.
Uma outra declaração machista dita em campanha eleitoral foi até utilizada no tempo de antena do concorrente, Jair Bolsonaro. “Se quer bater em mulher, vá bater noutro lugar mas não dentro de casa ou no Brasil”, afirmou.
Durante entrevista ao portal UOL logo após a formação do novo governo, Lula admitiu ter menos mulheres no executivo do que desejava. “Mas é um problema crónico, como a mulher não teve uma participação ativa por muito tempo, fica mais difícil você encontrar mulheres para determinados cargos, não é que não tenha mas a oferta é menor”, disse.
Em visita ao local das tragédias das enchentes do Rio Grande do Sul em abril do ano passado, a propósito das perdas materiais da população disse que “muita gente acha que televisão é uma coisa pequena, que não tem muita importância, mas para uma pessoa mais humilde, a televisão é um património”. E completou: “O fogão é um baita de um património. O frigorífico então, nem se fala. E uma máquina de lavar roupa é uma coisa muito importante para as mulheres”.
Lula, que naquela ocasião decidiu que lavar roupa é função exclusiva do universo feminino, admitiu que as primeiras e mais ferozes críticas às suas frases machistas partem da própria primeira-dama, Janja da Silva. Essas frases repercutem muito negativamente entre a parcela do eleitorado progressista nas questões comportamentais que abraçou, com veemência, a sua candidatura contra à de Bolsonaro, o antecessor no Palácio do Planalto, que se caracterizou por declarações classificadas como machistas na presidência da República e em quase 30 anos no Congresso Nacional.
“Mas não acho que essas frases dele o façam perder votos entre as mulheres, até porque as mulheres não são só feministas, as mulheres também são machistas, as mulheres podem ser muitas coisas”, opina Mayra Goulart.
As mulheres são 52% do eleitorado brasileiro e, segundo sondagem da véspera da eleição de 2022 do instituto PoderData, 58% delas disseram votar em Lula, contra apenas 42% que optou por Bolsonaro. No sufrágio, Lula venceu o adversário por 51% a 49%.