Ministro diz que Bolsonaro foi mal interpretado quando associou vacina à sida

Marcelo Queiroga, ministro da Saúde brasileiro, está em Portugal e considerou injustas as críticas a Bolsonaro por se limitar a replicar uma notícia publicada numa revista. Garantiu que o Brasil tem "um dos maiores programas de vacinação do mundo" e diz não estar preocupado com o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito.
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O ministro da Saúde brasileiro disse esta terça-feira que o presidente Jair Bolsonaro foi mal interpretado quando falou do risco de sida para os vacinados contra a covid-19, publicação que foi retirada pelas redes sociais por ser considerada desinformação.

"O presidente Bolsonaro replicou uma notícia publicada numa revista de grande circulação nacional e se as pessoas estiverem atenção de verificar o vídeo ele diz não vou fazer juízo de valor acerca do que está nessa matéria", mas ao que se assistiu "depois são narrativas como o presidente é contra a vacina", ao mesmo tempo que o governo tem "um dos maiores programas de vacinação do mundo, com 26 bilhões de reais alocados", afirmou Marcelo Queiroga, em entrevista à agência Lusa, em Lisboa.

Em causa está uma reportagem da revista Exame de outubro de 2020 que citava uma carta publicada pela Lancet, em que um grupo de quatro cientistas se mostrou preocupado por algumas das vacinas então em pesquisa usarem um tipo específico de adenovírus, o adenovírus 5, que, no passado, em estudos para uma vacina contra o HIV, foi utilizado como vetor viral.

Em outubro de 2020, a Exame salientava na reportagem que, "até agora, não se comprovou que alguma vacina contra a covid-19 reduza a imunidade a ponto de facilitar a infeção em caso de exposição ao vírus [do HIV]".

Na sua intervenção de quinta-feira, Bolsonaro citou "relatórios oficiais do governo do Reino Unido", segundo os quais pessoas totalmente vacinadas davam sinais de aceleração dos sintomas de sida. O vídeo foi, entretanto, retirado pelo Facebook, Instagram e YouTube.

Segundo o ministro brasileiro, o Brasil "não é o país que, proporcionalmente, tem o maior número de óbitos de longe", porque há "muitos outros países que têm subnotificação de casos e de óbitos".

O Brasil é o país lusófono mais afetado pela pandemia e um dos mais atingidos no mundo ao contabilizar 605 804 vítimas mortais e mais de 21,7 milhões de casos confirmados de covid-19.

No seu entender, "o Brasil adotou as providências adequadas" para conter a pandemia, recusando as acusações de que a política do governo de Jair Bolsonaro, considerado negacionista pelos seus opositores, tenha acelerado a doença e limitado a ação dos serviços de saúde.

O ministro da Saúde do Brasil garantiu que o país já tem o certificado para todos os cidadãos que se vacinaram contra a covid-19, mas sublinhou que o documento não pode ser uma restrição à liberdade individual.

"[O sistema brasileiro] já tem o certificado para todos os que se vacinaram e estamos a trabalhar para que este seja reconhecido internacionalmente", afirmou Marcelo Queiroga. Agora, sublinhou, o Governo brasileiro "defende a vida e defende a liberdade".

"Então nós achamos que esses certificados não devem restringir a liberdade individual das pessoas, assim como leis para obrigar ao uso da máscara", frisou o ministro, após ter participado numa conferência na Faculdade de Medicina de Lisboa.

Lembrando que é médico há 35 anos, Marcelo Queiroga sublinhou que nunca conseguiu nada dos seus pacientes "obrigando eles a fazer". "Só consegui convencendo", acrescentou.

Assim, pede que lhe mostrem "uma pesquisa científica mostrando que a lei é melhor do que convencimento das pessoas", porque na sua opinião, duvida dessa posição. "A mesma coisa [se passa] em relação ao passaporte da vacina", frisou.

Hoje, "nove em cada 10 brasileiros querem tomar a vacina", garantiu, salientando que isto é diferente do que se passa em "determinados países onde as pessoas não querem ser vacinadas".

Nesses países, onde as pessoas não se querem vacinar "eventualmente, algum tipo de medida nesse sentido pode surtir efeito", reconheceu. Mas num país como o Brasil, "onde as pessoas às vezes até quase brigam para se vacinar, eu vejo que é uma forma de dividir a sociedade e [este9 é um momento de unir a sociedade", concluiu.

Para o ministro, "a defesa da liberdade individual, das pessoas acessarem livremente às políticas públicas de saúde faz parte de uma ambiência de mais harmonia, para fazer com que as políticas públicas tenham consecução".

"Pelo menos esse é o nosso entendimento e nós temos trabalhado nesse sentido", adiantou o responsável do executivo brasileiro.

Na opinião de Marcelo Queiroga, houve um "conjunto de fatores que interferiram" na pandemia, porque esta não é só um problema sanitário, mas é também "um momento de efervescência política, cultural e científica".

"Naturalmente, que o SUS [Sistema de Universal de Saúde] é um património do povo brasileiro, mas num país com 210 milhões de habitantes, que ousou há 30 anos construir um sistema de acesso universal e gratuito, há muitas heterogeneidades", reconheceu, citando como exemplo o da "disponibilidade de leitos de terapia intensiva", considerou.

O ministro da Saúde do Brasil disse que não está preocupado com o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à ação do governo brasileiro na pandemia, que é hoje votado em Brasília, e disponibilizou-se para responder à justiça.

"Quem nos vai julgar em primeiro lugar é a história e em segundo os poderes do Brasil. O Brasil é um país democrático e eu não tenho receio nenhum e estarei sempre disponível para todos as instâncias de investigação", afirmou.

"Isso é uma questão de natureza política", resumiu. "Eu assumi o Ministério há sete meses. Desde então houve uma queda de 90% no número de casos e de óbitos" devido à nossa "campanha de vacinação" lançada pelo Governo brasileiro, afirmou o ministro.

Na sua argumentação, o governante salientou que o Brasil tem hoje uma "das campanhas [de vacinação] mais reconhecidas em todo o mundo", com mais de 320 milhões de doses ministradas, e, até final do ano, as autoridades estimam vacinar a população adulta brasileira.

Para Marcelo Queiroga, "essas narrativas políticas fazem parte do processo democrático". Mas, sublinhou: "Eu tenho a consciência tranquila de que tenho trabalhado para atender as reclamações da população brasileira" e o executivo tem "colocado em prática políticas públicas de acordo com a legislação" adequada.

Sem abordar erros ou questões na estratégia que levou a 600 mil mortes e cerca de 22 milhões de casos, Marcelo Queiroga diz que as "ruas do Brasil" estão a mostrar que as políticas têm dado resultado.

"O governo do presidente Bolsonaro tem como lema mais Brasil e menos Brasília", mas "os que ficam em Brasília às vezes não conhecem a realidade do Brasil", numa referência à CPI, cujo relatório é hoje votado pelo Senado (câmara alta).

O relatório final pede o indiciamento do presidente, Jair Bolsonaro, por nove crimes e o aprofundamento das investigações contra outros suspeitos. Com 1.180 páginas, o documento apresentado na semana passada pelo senador Renan Calheiros recomenda o indiciamento de outras 65 pessoas, entre os quais Marcelo Queiroga, e de duas empresas suspeitas de cometerem crimes durante a pandemia de covid-19, que já causou mais de 605 mil mortos e 21,7 milhões de infetados no Brasil.

Os pedidos de indiciamento serão encaminhados para o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF), caso o relatório seja aprovado pela maioria dos membros da CPI.

A maioria das acusações estão relacionadas com ações negacionistas, suspeitas de corrupção e de omissão em relação ao novo coronavírus e às vacinas, que teria aumentado o número de mortos no Brasil.

Ao longo de seis meses de investigação, os senadores que integram a CPI analisaram ações e omissões do Governo brasileiro na pandemia e também investigaram suspeitas de corrupção nas negociações para a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde e mortes que teriam sido provocadas pelo uso de tratamentos sem sustentação científica contra a covid-19.

O ministro da Saúde brasileiro, Marcelo Queiroga, afirmou hoje que respondeu a um convite académico português para abordar o combate do Brasil à pandemia de covid-19 e considerou as manifestações contra a sua presença "parte do processo democrático".

"As pessoas podem manifestar-se livremente, [mas] criticar a minha vinda a Portugal é absolutamente sem fundamento. Eu já vim aqui a Portugal várias vezes e hoje eu venho como representante do governo federal, como ministro de estado da Saúde" de um país que tem uma "relação que transcende essas manifestações", considerou, em entrevista à Lusa em Lisboa.

Hoje, dezenas de brasileiros juntaram-se hoje em frente ao hospital de Santa Maria, em Lisboa, para protestar contra a presença do ministro da Saúde do Brasil numa conferência sobre a resposta do Brasil à pandemia de covid-19.

"Para nós é estarrecedor o ministro ser condecorado numa faculdade de Medicina importante como esta, dentro do hospital de Santa Maria", disse à Lusa a dirigente do Coletivo Andorinho Marisie Damin, uma das cerca de 40 pessoas que esta manhã se manifestaram junto à porta de entrada do hospital lisboeta.

Em entrevista à Lusa, o ministro minimizou a polémica: "Eu vim a convite da universidade de Lisboa para discutir aqui com a comunidade académica científica de maneira aberta transparente" e agora o objetivo é "continuar essa grande colaboração entre Brasil e Portugal".

Para os manifestantes, o "ministro é um dos responsáveis pelas mais de 600 mil mortes, opôs-se e ainda se opõe hoje ao uso de máscara, que é o princípio básico da proteção [contra a covid-19]", acrescentou a dirigente brasileira, salientando que "o 'ministro da morte' é indiciado por crime de negligência, no mínimo".

Pouco depois, de máscara e em entrevista à Lusa, o governante insistiu que tem tomado todas as medidas sanitárias adequadas. "Temos feito tudo o que é possível para mitigar esta tragédia", afirmou.

O ministro da Saúde do Brasil diz que a colaboração de Portugal atualmente e durante a fase mais crítica da pandemia naquele país demonstra "a grande solidariedade" entre os dois países, que pretendem cooperar também na área de transplantes.

Marcelo Queiroga destacou que o papel da cooperação portuguesa com o Brasil quer na fase mais crítica da pandemia naquele país quer agora e considerou que esta "demonstra a grande solidariedade que une" os dois países.

O responsável do governo brasileiro explicou que a sua visita a Lisboa teve vários objetivos, entre os quais discutir possibilidades de cooperação futuras entre os dois países, sendo uma delas a do transplante de órgãos. Para já, leva a garantia de que o Governo português vai doar ao Brasil as prometidas 400.000 unidades da vacina Astra Zeneca.

"A minha vinda aqui, à universidade de Lisboa, é para discutir os aspetos da pandemia com a comunidade académica da universidade de Lisboa, que tem uma parceria muito forte com o Brasil", referiu o ministro.

Porém, lembrou que existem hoje "parcerias com a universidade federal do Rio de Janeiro e com a universidade de São Paulo para titulação de médicos, formados no Brasil", que são muito importantes para estes profissionais de saúde.

Para o ministro e médico brasileiro, a "dupla titulação é uma grande oportunidade para os médicos brasileiros, de terem um diploma aqui em Portugal e também o acesso à Comunidade Europeia".

Além disso, salientou, "há uma colaboração científica muito forte" entre os dois países, "que é perene, não só no tempo da pandemia".

"Há grandes semelhanças entre o sistema de saúde português e o sistema de saúde brasileiro, os sistemas de saúde de acesso universal", adiantou.

Segundo o ministro, durante a pandemia, houve entre os sistemas de saúde dos dois países colaborações na área científica, e também parcerias com o Governo português, que doou kits de intubação e medicamentos.

O ministro adiantou que hoje ainda teve uma reunião com "pesquisadores e com o grupo técnico da área de transplante" e que os dois países vão colaborar neste domínio.

"Portugal tem um sistema nacional de transplante muito bem estruturado e o Brasil tem o maior programa público de transplantes do mundo", realçou.

Além disso, "naturalmente que o Brasil é um país com um sistema de saúde muito abrangente e muito heterogéneo e, aqui, em Portugal aproveita-se órgãos com grande eficiência", sublinhou.

Por isso, os dois países vão "colaborar para que os pontos positivos de cada sistema possam ser maximizados trazendo benefícios para os cidadãos portugueses e brasileiros", concluiu.

A participação de Marcelo Queiroga numa conferência, a convite do presidente da Faculdade de Medicina de Lisboa, tem sido muito criticada por alguns brasileiros residentes em Portugal, que consideram a presença do governante uma afronta às vítimas mortais da covid-19.

Dezenas de brasileiros juntaram-se hoje em frente ao hospital de Santa Maria, em Lisboa, para protestar contra a presença do ministro da Saúde do Brasil naquela conferência sobre a resposta do país à pandemia de covid-19.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à gestão da covid-19, a decorrer no Senado brasileiro, vota esta tarde o relatório final que pede o indiciamento do presidente, Jair Bolsonaro, por nove crimes e o aprofundamento das investigações contra outros suspeitos.

Com 1.180 páginas, o documento apresentado na semana passada pelo senador Renan Calheiros recomenda o indiciamento de outras 65 pessoas e de duas empresas suspeitas de cometerem crimes durante a pandemia de covid-19, que já causou mais de 605 mil mortos e 21,7 milhões de infetados no Brasil.

Os pedidos de indiciamento serão encaminhados para o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF), caso o relatório seja aprovado pela maioria dos membros da CPI.

O relatório da CPI também poderá ser enviado a entidades multilaterais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia.

A maioria das acusações estão relacionadas com ações negacionistas, suspeitas de corrupção e de omissão em relação ao novo coronavírus e às vacinas, que teria aumentado o número de mortos no Brasil.

Marcelo Queiroga é um dos visados pela investigação da comissão parlamentar de inquérito que ao longo dos últimos meses avaliou falhas e omissões na ação do Governo brasileiro na gestão da pandemia de covid-19.

A visita do ministro brasileiro a Portugal - mas também ao Reino Unido, onde se desloca para visitas às universidades de Cambridge e Oxford e outras instituições, prevendo-se também a assinatura de protocolos -- foi notícia na imprensa brasileira, com o jornal O Globo a questionar a Universidade de Lisboa sobre a manutenção do convite depois de terem sido conhecidas as conclusões da investigação da comissão parlamentar de inquérito (CPI).

O Brasil tem mais de 600 mil mortes associadas à covid-19 e teve cerca de 22 milhões de casos de infeção pelo novo coronavírus desde o início da pandemia.

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