“Senhora presidente, obrigado pela confiança. Eu aceito a eleição”. Foi assim que ontem à tarde um visivelmente aliviado Friedrich Merz reagiu à sua eleição no Parlamento como chanceler, algo que só aconteceu à segunda votação, depois de uma humilhante e histórica derrota de manhã - nunca, na história da Alemanha pós-guerra, um chanceler tinha falhado ser eleito logo na primeira ronda. Merz, que conduziu a União Democrata-Cristã (CDU) à vitória nas eleições antecipadas de 23 de fevereiro e assinou um acordo de coligação com o Partido Social-Democratas (SPD), conseguiu na segunda volta 325 votos, mais nove do que o necessário para a maioria absoluta. Houve ainda 289 votos contra, uma abstenção e três votos inválidos. Mesmo assim, e tendo em conta que a coligação governamental é apoiada por 328 deputados, quer dizer que, pelo menos três não apoiaram a eleição do novo chanceler. Quem e de que partido? Não se sabe, pois o voto é secreto. De manhã, o cenário foi mais dramático, tendo deixado a Alemanha e o resto da Europa em choque, já que, face à maioria composta por CDU/CSU (a congénere bávara dos conservadores), a eleição de Friedrich Merz era tida como um dado adquirido. No entanto, depois dos votos contados, o líder conservador não foi além dos 310 votos na primeira volta, o que significa que pelo menos 18 parlamentares da coligação não o apoiaram. Mais uma vez, como o voto é secreto, é impossível dizer se os dissidentes são do SPD ou mesmo da CDU/CSU. O que ficou claro foi a fragilidade do governo que Merz vai liderar e que foi formado não por os dois partidos serem compatíveis, mas com o objetivo de formar uma maioria que conseguisse excluir a Alternativa para a Alemanha (AfD), já que o partido de extrema-direita tornou-se nas eleições de fevereiro na segunda maior formação política do país. “Toda a Europa olhou hoje [terça-feira] para Berlim na esperança de que a Alemanha se reafirmasse como uma âncora de estabilidade e uma potência pró-europeia. Essa esperança foi frustrada. Com consequências que vão muito para além das nossas fronteiras”, comentou Jana Puglierin, diretora do gabinete de Berlim do think tank European Council on Foreign Relations logo após o desastre da primeira votação. “E mesmo que Merz tenha sido eleito, a preocupação mantém-se: esta coligação estará novamente preocupada sobretudo em não se desintegrar. Espero que se consolide e deixe espaço para se focar na Europa e no mundo”, escreveu no X já durante a tarde.Na segunda-feira, na assinatura do acordo de governo entre a CDU/CSU e o SPD, Friedrich Merz prometia “uma governação forte, bem planeada e fiável em tempos de profunda mudança, de profunda agitação”. “É por isso que sabemos que é nossa obrigação histórica liderar esta coligação para o sucesso”, disse ainda o agora já chanceler, que pela primeira vez irá desempenhar funções governamentais. À espera de um falhanço da coligação está a AfD, como ficou bem claro pelas declarações proferidas ontem pela sua co-líder, Alice Weidel, que chegou mesmo a pedir o afastamento do conservador. “Merz é o primeiro candidato a chanceler a ter fracassado na primeira volta”, disse Weidel. “Isto mostra o quão fraca é esta coligação de conservadores e o SPD.”Incontestável é a fraca popularidade de Merz junto dos alemães, confirmada na semana passada por uma sondagem para a ZDF, citada pelo The Guardian - apenas 38% apoiavam o conservador como chanceler, enquanto 56% disseram que este era a pessoa errada para o cargo. Entre os sociais-democratas, a taxa de rejeição de Merz sobe para os 62%.Um dos objetivos de Merz para o seu governo é mostrar que a Alemanha, depois de seis meses de um governo de gestão, é novamente um dos motores da Europa. Imagem que o novo chanceler começa a desenhar já esta quarta-feira, com visitas a Paris e a Varsóvia. “Cabe-nos acelerar a agenda europeia de soberania, segurança e competitividade. Para os franceses, para os alemães e para todos os europeus”, declarou ontem o presidente francês, Emmanuel Macron. “Parabéns Friedrich Merz! E vemo-nos amanhã [quarta-feira] em Varsóvia, chanceler”, escreveu no X o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk. Quinta-feira, Merz deverá presidir a cerimónias em Berlim dos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa e na sexta-feira estará em Bruxelas para se reunir com os líderes da União Europeia e da NATO.Nestes encontros, um dos temas em cima da mesa deverá ser a situação da Ucrânia. Esse é, pelo menos, o desejo de Volodymyr Zelensky, um dos primeiros líderes mundiais a parabenizar Merz pela sua eleição. “Esperamos sinceramente que a Alemanha se fortaleça ainda mais e que vejamos mais liderança alemã nos assuntos europeus e transatlânticos. Isto é especialmente importante porque o futuro da Europa está em jogo, e dependerá da nossa unidade”, escreveu no X o presidente ucraniano.