Marine Le Pen “calma” no dia que pode ditar a sua “morte política”
"Não consigo imaginar tamanha perturbação da ordem democrática. Estamos a falar de uma sentença de morte, de uma guilhotina judicial.” Na véspera de conhecer o veredicto por desvio de fundos públicos, no caso dos falsos assistentes no Parlamento Europeu, Marine Le Pen mostrava-se “calma” e confiante de que os juízes não a vão proibir de concorrer a cargos públicos. Um cenário que está em cima da mesa e que a afastaria das eleições presidenciais de 2027, para as quais é a grande favorita.
Os procuradores pediram, em novembro de 2024, uma pena de cinco anos de prisão (com três de pena suspensa), 300 mil euros de multa e cinco anos de inelegibilidade contra Marine Le Pen. A antiga eurodeputada é acusada de desvio de mais de três milhões de euros e cumplicidade no caso dos falsos assistentes parlamentares que a então Frente Nacional (rebatizada Reunião Nacional) tinha no Parlamento Europeu. Na realidade, trabalhavam apenas para o partido em França. Ao todo, o processo tem 24 arguidos.
Independentemente de a sentença dos juízes poder ser alvo de recurso, uma decisão do Conselho Constitucional (a mais alta autoridade constitucional) da última sexta-feira trouxe más notícias para Le Pen. Este órgão, composto por nove membros (conhecidos como “sábios”), decidiu que políticos locais podem ser impedidos imediatamente de concorrer a cargos públicos caso sejam condenados por um crime (não sendo preciso esperar pelo recurso). É a chamada “execução provisória” da sentença.
Os procuradores, quando pediram a inelegibilidade de Le Pen, pediram precisamente com “execução provisória”. Na decisão de sexta-feira, referente a um político de Mayotte, os “sábios” do Conselho Constitucional concluíram que a “execução provisória de uma sentença de inelegibilidade não infringia o direito da liberdade de expressão e por isso era legal”. Uma decisão que cria jurisprudência, tornando mais provável que Le Pen seja impedida de se candidatar às presidenciais de 2027 se for condenada.
“Li aqui e ali que estaríamos nervosos. Pessoalmente, não estou, mas compreendo que poderia estar: com a execução provisória, os juízes têm poder de vida ou de morte sobre o nosso movimento”, comentou Le Pen no semanário La Tribune Dimanche. “Não creio que cheguem tão longe”, acrescentou, numa rara declaração pública sobre o assunto. Também falou à TF1, dizendo compreender que haja pessoas que não estão calmas. “Mas eu estou. Estou sempre calma em relação a coisas sobre as quais não tenho controlo”, afirmou.
A antiga líder do partido, que foi eurodeputada entre 2009 e 2017, negou sempre qualquer crime, acusando os procuradores de quererem a sua “morte política”. A líder do grupo parlamentar do Reunião Nacional no parlamento francês (a inelegibilidade não implicará o seu papel atual de deputada) lidera as sondagens para as presidenciais. Se estas se realizassem hoje, ganharia a primeira volta, com 34 a 37% das intenções de voto (depende dos adversários), segundo um inquérito Ifop conhecido ontem.
Se for ilibada, isso poderá ainda reforçar o seu estatuto de favorita. Estas podem ser as quartas eleições presidenciais em que participa. Depois de ter sido terceira em 2012, Le Pen passou à segunda volta em 2017 e em 2022, perdendo em ambas as ocasiões para Emmanuel Macron. O Reunião Nacional é atualmente o maior partido na Assembleia Nacional.
O partido de extrema-direita fundado pelo pai de Marine Le Pen - Jean-Marie Le Pen (falecido já este ano) -, passou por uma mudança profunda quando ela esteve na liderança. Não foi só o nome (mudou em 2018), foi um novo discurso para tentar deixar de lado o passado antissemita (o pai considerava que as câmaras de gás nos campos de concentração nazis eram só um pormenor na história da II Guerra Mundial) ou racista. Uma mudança para tornar o partido mais “aceitável” para um novo conjunto de eleitores, na esperança de quebrar o “teto de vidro” que afasta o Reunião Nacional do poder.
Marine Le Pen pode ter deixado a liderança do partido em 2022, ao final de mais de 11 anos no cargo, mas continua a ser a figura central. Caso não possa ser candidata, não existe na prática uma alternativa. O seu sucessor, Jordan Bardella, de 29 anos, é muitas vezes apontado como possível primeiro-ministro, caso ela seja eleita presidente. Mas não tem o carisma de Le Pen para assumir automaticamente uma candidatura ao Eliseu.