Que impacto pode ter, em Portugal, a autorização dada pelos Estados Unidos à Ucrânia para utilizar mísseis de longo alcance?Na minha opinião, a Rússia não vai fazer grande coisa. Aquilo que ameaçaram fazer foi, eventualmente, atacar os países que são donos das armas. Temos outra questão (mas nunca nos a levantaram) que é dos drones que têm atingido alvos russos serem da [empresa portuguesa] Tekever. Embora sejam fabricados cá, foram vendidos a Inglaterra que, conta-se, os militarizou e pôs com caixas explosivas. Não são utilizados por Portugal, mas de qualquer modo são fruto de uma parceria e não me admiro que, se a coisa azedar mais, eventualmente, não possam fazer aqui uma ou outra coisa que tentaram fazer em alguns países europeus. Já nem falo de ciberataques, mas de atacar coisas, ou até pessoas, de destabilizar a ordem em termos de segurança interna. Tentaram fazer isso na Alemanha, essencialmente [houve vários episódios, como espionagem em infraestruturas militares]. Fora esse contexto, não estou a ver que nos possam atacar..Como pode Portugal olhar para esta decisão, tendo em conta que, por exemplo, o presidente polaco já a saudou?Nunca ouvi ninguém falar disso, embora o primeiro-ministro já tenha dito diversas vezes que é preciso apoiar e fazer o que tiver de ser feito pela Ucrânia. Aqui o grande problema era dos americanos e, por exemplo, dos alemães, que também têm lá os mísseis Taurus. São os únicos dois países que, de certo modo, puseram, até agora, algum tipo de reticências a essa autorização. Acho que Portugal não vai sofrer impactos diretos pelo uso de mísseis por parte da Ucrânia..Mas pode, por outro lado, ser uma pressão para que Estados-membros como Portugal, que não atingem os 2% do PIB em defesa, atingirem essa meta?Não se sabe o que vai ser decidido agora nesta cimeira dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia [que aconteceu esta segunda-feira]. As opções da Europa têm de ir ao encontro daquilo que Trump [presidente-eleito dos Estados Unidos] decidir. Isto é a grande questão, porque já há umas contas feitas nesse aspeto. De um modo geral - e estamos a falar em relação à média europeia - Portugal aloca menos de 1,5% do PIB para defesa. Em termos europeus, era preciso que os países subissem 0,25% do PIB para chegarem aos 2% para investir em meios próprios. Depois, seria preciso mais 0,25% em cima disso, para assegurarem os 0,5% globais, do PIB europeu. Isto para conseguir sustentar a guerra na Ucrânia nos moldes em que tem sido feito até agora. Os países europeus, juntamente com os Estados Unidos, estão a gastar, mais ou menos, 110 mil milhões de euros por ano. Isto sem contar com a compra de munições que os Estados-membros depois terão de fazer ainda, seja aos Estados Unidos ou à iniciativa checa de aquisição de munições, para tentar garantir e substituir a compra aos Estados Unidos. É isto que está em cima da mesa. Ou seja: os 2% são, essencialmente, para investir em casa, digamos assim. Para ajudar a Ucrânia teriam, todos, de ir, pelo menos, aos 2,5% - isto, claro, para aqueles que não atingiram, ainda, essas metas..Portugal tem uma das maiores taxas de apoio popular à Ucrânia. Se, eventualmente, houver uma reação do Kremlin contra a NATO, como fica este apoio? Pode influenciá-lo?Acho que não, mas é preciso fazer alguma pedagogia. Pensamos sempre que estamos longe da Ucrânia. Mas ainda bem que o Almirante Gouveia e Melo [chefe do Estado-Maior da Armada] falou nisto. Podemos ter aqui um berbicacho. Não é em termos de um ataque físico ou assim, mas temos muitos cabos submarinos - que fazem o transporte de dados para a Europa e para a América do Sul e para a África -, ligados em Sines e também em Lisboa e Cascais. Se rebentam com aquilo, Portugal vai ser acusado de não ter tido capacidade de defender as amarrações dos cabos submarinos. Isto é importante para que os portugueses também percebam que isto não é só mísseis e coisas dessas. O que não quer dizer, que, numa situação de conflito, os inimigos se preocupem em vir cá cortar os cabos. Bombardeiam os pontos de amarração e, pronto, o armazenamento de dados e os backups vão à vida e ficamos sem usar o WhatsApp durante seis meses..E o que representa esta decisão para os EUA? É um presente envenenado, se quisermos, de Biden para Donald Trump, seu sucessor?Acho difícil que, tendo havido há dias um encontro entre ambos, não se tenha falado nisto. A decisão não foi tomada ontem quando Biden estava na Amazónia [para a cimeira do G20]. Não foi de certeza. O próprio [secretário de Estado] Antony Blinken já tinha dado a entender que iam ser tomadas decisões. Tudo indicia que foi uma decisão concertada e que Trump sabia que ia ser tomada.