Macron vs. Le Pen. Os mesmos atores de 2017, mas um filme muito diferente

Há cinco anos, o candidato do La République en Marche! era o rosto da renovação, mas agora traz a bagagem de um mandato no Eliseu. Já a líder da Reunião Nacional suavizou algumas das posições e aposta em temas que afetam os bolsos dos franceses. O duelo será a 24 de abril.

Um dia depois de ter vencido a primeira volta das presidenciais francesas com 27,84% dos votos, Emmanuel Macron foi para a rua encontrar-se com eleitores em Denain, no norte de França. O presidente, que procura a reeleição, foi criticado pela ausência da campanha e sabe que terá que se envolver mais se não quiser ser surpreendido na segunda volta a 24 de abril. A sua adversária é, tal como nas eleições de há cinco anos, Marine Le Pen, que conseguiu 23,15% dos votos no domingo. Mas o duelo final entre ambos não será uma repetição de 2017, quando as sondagens davam uma vitória folgada (que se veio a confirmar) a Macron. Desta vez, a corrida será mais renhida.

Os atores podem parecer os mesmos, mas o filme é bastante diferente. Há cinco anos, o candidato do La République en Marche! era o rosto da renovação política francesa. Aos 39 anos, era o mais jovem presidente de sempre em França e projetava-se como uma espécie de Júpiter (o rei de todos os deuses na mitologia romana). Agora, com 44 anos, tem uma bagagem de cinco anos no Palácio do Eliseu, marcada pelos protestos dos coletes amarelos e acusações de que é arrogante e desligado dos franceses, assim como uma pandemia que obrigou a pôr um travão nas suas reformas e, finalmente, uma guerra às portas da União Europeia, que tem centrado as suas atenções.

Do outro lado, o apelido Le Pen continua a ser sinónimo de extrema-direita, mas a própria candidata da Reunião Nacional (ex-Frente Nacional) suavizou o seu discurso nos últimos cinco anos, à procura de quebrar o teto de vidro. Um teto que, ao longo dos anos, parece estar cada vez mais ao seu alcance - com o foco em temas sobre poder de compra, deixando as políticas anti-imigração, anti-islão ou anti-europeias num segundo plano. A tentativa de normalização do discurso foi tal que, nestas eleições, teve que lidar com o mais radical Éric Zemmour no campo da extrema-direita - o que ajudou a legitimá-la ainda mais. O ex-jornalista e comentador foi quarto nas urnas, com 7,07%, que junto com os 2,06% de Nicolas Dupont-Aignan, poderia ter dado a vitória a Le Pen na primeira volta. Ambos já apelaram ao voto nela na segunda volta.

Há cinco anos, depois de ter tido 24,01% na primeira volta, Macron ganhou as eleições com 66,10% na segunda volta. Já Le Pen, que tinha conseguido 21,30% no confronto inicial, terminou com 33,90% no duelo final. Resultados que foram ao encontro do que diziam as sondagens. Desta vez, o cenário apresenta-se diferente. Um barómetro Opinion Way-Kéa dava ontem 55% para Macron e 45% para Le Pen na segunda volta, mas outras pesquisas têm sido mais renhidas. Uma pesquisa Elabe para a BFMTV, na sexta-feira, dava 51% contra 49%, dentro da margem de erro.

Os votos da esquerda

Para chegarem à vitória, tanto Macron como Le Pen precisam dos votos dos eleitores de Jean-Luc Mélenchon. O candidato da França Insubmissa ficou a menos de meio milhão de votos de Le Pen, conseguindo o terceiro lugar com 21,95% - há cinco anos foi quarto, com 19,58%. Mélenchon terá desta vez concentrado o voto útil à esquerda, na esperança de poder surpreender e chegar à segunda volta. Macron estará hoje em campanha em Mulhouse e Estrasburgo, onde Mélenchon venceu este domingo.

Em 2017, o candidato da esquerda radical pôs à consideração do seu movimento qual deveria ser a posição para a segunda volta - numa consulta interna ganhou a abstenção, mas nas urnas foram mais os que apostaram em Macron. Desta vez, Mélenchon foi mais longe: "Nem um único voto em Marine Le Pen", repetiu no seu discurso no domingo à noite, ficando contudo aquém do apelo ao voto em Macron, como outros fizeram procurando manter viva a chamada "frente republicana" de rejeição à extrema-direita.

"Não vou fingir que nada acontece, ouvi a mensagem dos que votaram pelos extremos, incluindo os que votaram em Le Pen", disse ontem Macron durante a campanha em Denain. "Percebo que as pessoas vão votar em mim para a parar, mas também quero convence-las", acrescentou, dizendo que poderá mexer no seu programa para incluir mais medidas sociais, destinadas a atrair o voto de esquerda. Até à segunda volta, terá contudo que enfrentar muita oposição ao seu projeto de aumentar a idade de reforma, que Le Pen deverá constantemente lembrar. A candidata tem centrado a mensagem na defesa do poder de compra, um tema que fala diretamente aos bolsos dos franceses, apelando a "medidas de urgência" contra a inflação.

Do lado de Macron, um dos argumentos contra Le Pen passará por relembrar as suas ligações ao presidente russo, Vladimir Putin, em plena guerra com a Ucrânia. Um momento crucial da campanha será o debate televisivo a dois, previsto para 20 de abril. Em 2017, Macron surgiu muito mais bem preparado e ganhou o frente a frente. Mas desta vez, Le Pen terá mais argumentos para usar como arma de arremesso, com o adversário a tentar focar-se nos seus pontos positivos - como a queda do desemprego. Além dos votos à esquerda, interessa atrair os eleitores que se abstiveram (a abstenção foi 26,3%, alta, mas não a mais elevada de sempre) - e impedir que os que agora foram votar, fiquem em casa.

Cinco anos depois do início da crise, os chamados partidos de governo - Os Republicanos e o Partido Socialista - atingem o seu pior resultado de sempre: à direita Valérie Pécresse obteve 4,78% dos votos e à esquerda Anne Hidalgo 1,75%. Resultados que os deixam em situação financeira complicada, já que nem chegaram aos 5% que lhes garantiriam o reembolso das despesas de campanhas. Pécresse apelou diretamente aos donativos, falando numa situação "crítica", alegando que a sobrevivência do partido está em causa.

susana.f.salvador@dn.pt

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