Macron venceu, mas a oposição já prepara a "terceira volta" em junho

Esquerda e direita apostam nas legislativas de 12 e 19 de junho, na esperança de retirar a maioria absoluta que o presidente reeleito detém na Assembleia e travar a sua agenda política.

Emmanuel Macron não tem muito tempo para festejar a vitória sobre Marine Le Pen na segunda volta das presidenciais. Dentro de menos de dois meses, os franceses serão chamados de novo às urnas para as legislativas e o presidente não quer perder a maioria absoluta que tem na Assembleia Nacional. A oposição olha para as eleições de 12 e 19 de junho como uma "terceira" volta e, em caso de desaire, Macron pode ser obrigado a nomear um primeiro-ministro de outra cor política que trave a sua agenda para o segundo mandato. A escolha de um novo chefe de governo nos próximos dias será essencial.

"Lançamos esta noite a grande batalha das legislativas", disse Marine Le Pen no discurso em que concedeu as eleições, vendo nos 41,5% de votos que recebeu no domingo não uma derrota mas uma vitória para a extrema-direita. "A terceira volta começa esta noite", disse por seu lado o líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, o representante da esquerda radical, que na primeira volta tinha ficado a apenas 550 mil votos da candidata da Reunião Nacional.

Macron admitiu no discurso de vitória que muitos dos 18,8 milhões de eleitores que votaram nele (menos dois milhões do que em 2017) só o fizeram para travar Le Pen e que isso traz obrigações. Se há cinco anos o presidente era o novo rosto da política e partia em vantagem para as legislativas, agora tem de conseguir manter o impulso que lhe valeu a reeleição - a primeira de um chefe de Estado desde Jacques Chirac em 2002. Porque sem uma maioria na Assembleia, as promessas eleitorais de mudança podem ser travadas.

Uma sondagem Harris Interactive, divulgada ontem, prevê que O La République en Marche! de Macron e os aliados (incluindo Os Republicanos que ainda estudam o eventual apoio) elejam entre 326 e 366 deputados na Assembleia de 577 lugares. Uma maioria superior à atual, que é de 346 deputados. Neste cenário, a extrema-direita teria 117 a 147 representantes e a esquerda radical entre 73 e 93 deputados. Mas Macron não pode baixar a guarda, face às negociações de alianças que já decorrem à esquerda e que podem também surgir no campo da extrema-direita.

Macron tem ainda um trunfo nas mãos: a nomeação daquele que espera seja o novo primeiro-ministro - ou primeira-ministra - para os próximos cinco anos. Jean Castex, à frente do Executivo desde julho de 2020, demite-se nos próximos dias, permitindo ao presidente escolher a nova equipa. O nome de que se fala é o da ministra do Trabalho, Élisabeth Borne, que pode ser apenas a segunda mulher a ocupar o cargo - Édith Cresson foi primeira-ministra entre maio de 1991 e abril de 1992, na presidência de François Mitterrand. Borne já passou pela pasta do Ambiente e dos Transportes e, antes de apoiar Macron, era próxima dos socialistas.

Como são as eleições?

Nas legislativas são eleitos 577 deputados por circunscrições uninominais. Caso nenhum candidato consiga à primeira volta uma maioria absoluta dos votos expressos, que representem pelo menos 25% dos eleitores inscritos, terá de haver uma segunda volta entre todos os candidatos que tiverem o voto de pelo menos 12,5% dos eleitores inscritos ou, caso nenhum alcance esse valor, os dois mais votados. Em 2017, devido à abstenção elevada, só quatro deputados foram eleitos à primeira volta.

Na corrida às eleições de junho, os partidos estão já a negociar as alianças que lhes possam ser mais favoráveis. A França Insubmissa de Mélenchon, depois do bom resultado na primeira volta das presidenciais, lidera os esforços de coordenação à esquerda, estando já em conversações com os Verdes e com os comunistas. E terá esta quarta-feira o primeiro encontro com os socialistas, que, após terem conseguido apenas 1,75% dos votos com a candidatura presidencial de Anne Hidalgo, arriscam desaparecer.

O objetivo é alcançar uma maioria de esquerda na Assembleia Nacional, sendo que Mélenchon sonha em ocupar o cargo de primeiro-ministro: "Um outro mundo ainda é possível se elegerem uma maioria de deputados da União Popular que deve crescer. O bloco popular é o Terceiro Estado que pode mudar tudo. A 12 e 19 de junho, apelando a que me elejam como primeiro-ministro, convido-vos a dar vida a um novo futuro comum para o nosso povo", disse.

O chefe de governo é nomeado pelo presidente e o Executivo não tem de passar por uma moção de confiança no Parlamento, mas pode ser alvo de uma moção de censura. Por isso, é hábito o presidente nomear um primeiro-ministro fruto da maioria, que no caso de ser da oposição abre a porta à "coabitação". Nada de novo. Em 1997, o conservador Jacques Chirac nomeou o socialista Lionel Jospin, sendo que ele próprio tinha sido chefe de governo sob outro socialista, François Mitterrand.

Do outro lado, e depois de a extrema-direita se ter apresentado nas presidenciais dividida entre Le Pen e Éric Zemmour, há também quem defenda a ideia de um bloco unido, mas este parece mais complicado depois da troca de acusações entre os dois candidatos. A data limite para oficializar as candidaturas é 20 de maio, com a campanha a começar dez dias depois.

susana.f.salvador@dn.pt

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