Emmanuel Macron tem de gerir uma crise política que alimentou.
Emmanuel Macron tem de gerir uma crise política que alimentou.MOHAMMED BADRA / POOL / AFP

Macron tentado a aguardar pelo assentar da poeira

Deputados eleitos têm até dia 18 para informar em que gupos políticos vão sentar-se. Até lá, aliados de Macron vão tentar manobrar para que a heterogénea Nova Frente Popular se desmorone e se chegue a um entendimento com os partidos moderados.
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No domingo foram às urnas 28 867 759 franceses, ou 66,6% dos inscritos, uma mobilização sem precedentes nas últimas quatro décadas no que respeita às eleições legislativas. Deste escrutínio antecipado, convocado pelo presidente Emmanuel Macron na sequência da vitória da extrema-direita nas eleições europeias, saíram duas certezas: o partido de Marine Le Pen continua a crescer e, ao mesmo tempo, a maioria da população mantém um repúdio à sua mensagem. Contudo, da crise política desencadeada pelo chefe de Estado surgiram ainda mais interrogações, em especial sobre a composição e natureza do próximo executivo, uma vez que bloco algum alcançou a maioria parlamentar (289 lugares), numa altura em que não param os alertas sobre a situação económica do país.

Enquanto à esquerda se reclama ao direito a governar, ao centro os aliados de Macron acreditam que as divisões da aliança Nova Frente Popular se materializem ao ponto de poderem construir uma alternativa com os moderados da aliança de esquerda. Para já, o presidente não aceitou o pedido de demissão do primeiro-ministro Gabriel Attal, tendo instado a este para permanecer no cargo “por enquanto para assegurar a estabilidade do país” e a dias de a França receber os Jogos Olímpicos.

O presidente norte-americano, ao apresentar-se como o candidato do campo da democracia ante Donald Trump, comentou em entrevista televisiva à MSNBC que “a França rejeitou o extremismo”. Joe Biden não se enganou, mas ignorou parte da questão. Os franceses rejeitaram a chegada ao poder da Reunião Nacional, que acabou em terceiro lugar no que toca aos blocos políticos, mas o extremismo da extrema-esquerda de França Insubmissa (LFI) - o partido que mais deputados elegeu na Nova Frente Popular - poderá vir a fazer parte do governo. O seu líder, Jean-Luc Mélenchon, tido como demasiado radical inclusive entre alguns pares do seu partido, foi o primeiro dirigente a manifestar-se após as projeções dos resultados e reivindicou o direito do seu partido a chefiar o governo e aplicar o seu programa. O próprio, na segunda-feira, afinou a mensagem ao excluir-se como possível chefe do governo. Em entrevista à LCI, depois de dizer que quer “ser parte da solução e não do problema” sobre o cargo de primeiro-ministro, lançou três nomes, todos do seu partido. “Temos vários candidatos a apresentar: Manuel Bompard, Mathilde Panot, Clémence Guetté...” 

Quer a líder dos ecologistas, Marine Tondelier, quer o líder dos socialistas, Olivier Faure, sublinharam a importância de apresentar um candidato com uma personalidade consensual, pelo que dificilmente algum destes nomes será aceite nas fileiras da aliança. 

Para Mélenchon é natural que “o partido com mais deputados é aquele que tem o primeiro-ministro” - o antigo trotskista estaria a referir-se à relação de forças da Nova Frente Popular, uma vez que a Reunião Nacional e o Renascimento elegeram mais do que o seu partido. Bompard, que é coordenador nacional da LFI, preferiu falar pela aliança. “A Nova Frente Popular saiu vencedora e é a principal força política na Assembleia Nacional. Hoje, preparamo-nos para governar e para aplicar o nosso programa”, disse. Programa que, segundo Mélenchon, não deve sofrer “qualquer concessão”. 

O programa da aliança da esquerda e extrema-esquerda prevê 150 medidas, tendo como bandeiras um decreto para bloquear o aumento dos preços dos bens de primeira necessidade, aumentar o salário mínimo para 2 mil euros brutos, ou reverter a política das reformas - agora aos 64 anos, para os 60 anos. Se o programa fosse avante na íntegra iria custar 125 mil milhões de euros nos primeiros dois anos. A França não deverá poder dar-se a este luxo, segundo os avisos dos economistas. Em 2023, a dívida pública situava-se em 110% do PIB e o défice orçamental ascendia a 5,5%, uma infração segundo o Pacto de Estabilidade e Crescimento da UE. 

A vinagreta Frente Popular

“Emmanuel Macron não tem escolha, não lhe cabe a ele escolher o primeiro-ministro. As negociações terão lugar entre as diferentes forças políticas, que se entenderão para encontrar um candidato a propor ao Presidente da República, que será responsável pela formação de um governo”, afirmou o constitucionalista Jean-Philippe Derosier à Radio France. Mas esta opinião está longe da unanimidade. Há quem creia, como o senador Roger Karoutchi, que Macron acabará por convidar uma “personalidade externa” para primeiro-ministro.

Entre os centristas há quem defenda soluções alternativas enquanto esperam que a Nova Frente Popular impluda. O ministro do Interior, Gérald Darmanin, disse que o bloco liderado pelo Renascimento deveria procurar um entendimento à direita, com o que sobra de Os Republicanos. Yaël Braun-Pivet, a até agora presidente da Assembleia Nacional, apelou para a criação de um “grande bloco central republicano e progressista”, deixando de fora a LFI.

O deputado do MoDem Richard Ramos comparou a Nova Frente Popular ao molho que mistura azeite, vinagre, ervas e especiarias, a vinagreta. “A vinagreta só é homogénea quando é agitada. Vão ver, vamos deixar a vinagreta assentar, vamos ter os óleos do PS de um lado e depois vamos ter o vinagre do outro”, afirmou, num piscar de olho aos socialistas. O presidente deste partido do centro, François Bayrou, também alinha na hipótese de um acordo que exclua quer a LFI quer a Reunião Nacional, porque esta eleição “não deu o seu veredicto em termos quantitativos”.

cesar.avo@dn.pt

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