Com os Jogos Olímpicos à porta, Emmanuel Macron quer ganhar tempo para tentar sair da armadilha montada por si. Depois de ter surpreendido tudo e todos ao dissolver a Assembleia Nacional em resultado da vitória da extrema-direita nas Eleições Europeias, os eleitores acorreram às urnas em massa e a aliança de esquerda Nova Frente Popular (NFP) ficou com o maior grupo parlamentar, mas longe da maioria. O presidente francês já tinha dado sinais de não estar interessado em nomear um chefe de Governo da NFP, mas a forma e a rapidez com que descartou o nome proposto irritou a esquerda, enquanto propunha uma “trégua olímpica e política” até ao final da competição desportiva.Ao fim de 16 dias, ecologistas, comunistas, socialistas e insubmissos chegaram a acordo sobre o nome a apresentar ao presidente para este designar como primeira-ministra: a desconhecida do grande público Lucie Castets. Uma hora depois, em entrevista à France 2 , o presidente, ao reafirmar que não iria nomear alguém durante os Jogos Olímpicos, enjeitou a aspirante à chefia do Governo. “A questão não é um nome sugerido por uma formação política”, disse, enquanto lembrava “ser falso dizer que a NFP tem qualquer tipo de maioria”. Para Macron, “a questão é saber que maioria pode sair da Assembleia para que um Governo em França possa adotar reformas, aprovar um Orçamento e fazer avançar o país”, e aconselhou os partidos a “saírem das suas zonas de conforto e alcançarem compromissos”..A própria Lucie Castets, em entrevista à France Inter, disse que uma coligação com o campo presidencial é “impossível”, primeiro devido aos “desacordos profundos”; depois “porque não é isso que os eleitores esperam”, e exigiu ser nomeada primeira-ministra. Mas o momento não é esse. “É claro que temos de estar concentrados nos Jogos até meados de agosto. A partir daí será da minha responsabilidade nomear um primeiro-ministro e confiar-lhe a tarefa de formar um Governo, com o maior apoio possível”, afirmou Macron.No Eliseu e na Assembleia Nacional crê-se que a reeleição de Yaël Braun-Pivet para a presidência da Assembleia com os votos dos Republicanos é o prenúncio para se chegar a um acordo de centro-direita. “Hoje, a NFP tem 198 lugares. Quem nos diz que amanhã não existirá uma maioria com 230-240 que se possa desenhar? Reservemos um tempo para o fazer”, disse o senador macronista François Patriat. Se o presidente abortou a iniciativa da NFP no espaço de uma hora, a reação dos partidos também foi célere. Jean-Luc Mélenchon, o líder da França Insubmissa, acusou Macron de “impor a sua nova frente republicana”, o que obrigaria a NFP a “formar uma aliança” com o partido do presidente. “Macron vai ter de ceder porque não há saída para ele”, disse mais tarde. Apesar da tradição de o presidente nomear um primeiro-ministro oriundo do partido ou aliança com mais deputados, não está obrigado a tal, tal como o partido ou aliança não tem de formar um bloco maioritário, simplesmente tem de conseguir sobreviver a uma moção de censura. Na manhã de quarta-feira, os dirigentes dos partidos que compõem a aliança de esquerda multiplicaram entrevistas e comentários. Para o líder do Partido Socialista, Olivier Faure, “quando se convocam eleições com o risco de provocar o caos, respeita-se o resultado. A negação é a pior prática, que conduz ao pior tipo de política”, advertiu. O mais bem-humorado terá sido o deputado comunista Ian Brossat que, perante a notícia de que a França irá acolher os Jogos Olímpicos de Inverno em 2030, questionou se a trégua é para durar até esse ano. Já Marine Tondelier, secretária nacional dos ecologistas, considerou “desdenhoso” que Macron nem sequer tenha pronunciado o nome de Castets, quando este “não vem do nada”. É “uma pessoa muito sólida e muito credível”, garante Tondelier. Lucie Castets, de 37 anos, com formação na Sciences Po e na ENA (como Macron e a maioria dos altos funcionários) e ainda na London School of Economics, foi candidata às Eleições Regionais de 2015 pelo PS, de quem foi militante entre 2008 e 2011. Sem ligações partidárias, fundou uma associação de defesa dos serviços públicos e é membro de um observatório da extrema-direita. É a diretora das Finanças da Câmara de Paris, o que valeu de imediato duras críticas à direita. “Dada a situação financeira da cidade de Paris, isto não me tranquiliza”, disse o vice-presidente da região, Othman Nasrou. A autarquia tem uma dívida acumulada de 9,8 mil milhões de euros. cesar.avo@dn.pt