O primeiro-ministro polaco Donald Tusk, o presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz reuniram-se em Berlim para discutir a guerra na Ucrânia.
O primeiro-ministro polaco Donald Tusk, o presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Olaf Scholz reuniram-se em Berlim para discutir a guerra na Ucrânia.EPA/HANNIBAL HANSCHKE

Macron e Scholz condenados a entenderem-se sobre a Ucrânia

A falta de sintonia entre Paris e Berlim sobre a estratégia para enfrentar a ameaça russa não ficou apagada, mas o encontro entre os dois líderes, bem como a cimeira posterior de ambos com o primeiro-ministro polaco, mostrou um entendimento relativo à ajuda a Kiev.
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Com Donald Tusk de permeio, o presidente francês e o chanceler alemão deram um sinal de unidade depois de várias declarações em que a desinteligência saltava à vista, e prometeram redobrar esforços para assistir a Ucrânia com mais armas e munições, no final do encontro a três em Berlim. Prova de que as forças ucranianas estão à míngua de munições foi o mais recente ataque russo em Odessa, que matou pelo menos 20 pessoas e feriu mais de 70 sem que as defesas antiaéreas tenham sido capazes de deter os mísseis balísticos russos. 

Em Berlim, o chanceler e o presidente francês reuniram-se antes das conversações tripartidas para clarificar os pontos de vista. Longe vão os tempos em que o eixo franco-alemão estava em harmonia, mas apesar de ambos os países terem uma postura de defesa e de segurança desalinhadas, os seus líderes estão condenados a entenderem-se no essencial. Na declaração que os três fizeram no final do encontro, sem direito a perguntas dos jornalistas, o social-democrata alemão começou por dizer que tinha falado antes com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky para auscultar as necessidades de Kiev. “Ele sabe que pode confiar em nós”, disse Scholz antes de anunciar a aquisição de mais armamento a nível mundial e a criação de uma nova coligação para obter artilharia de longo alcance incluída no grupo de contacto de Ramstein, que junta cerca de 50 países.

No dia 26 de fevereiro, quando Macron agitou as águas com a hipótese de militares europeus serem destacados para algumas missões em solo ucraniano, o chefe de Estado francês também anunciara uma coligação para fornecer os ucranianos com mísseis de médio e longo alcance e bombas para ataques estratégicos. 

Ficou por esclarecer como é que a Alemanha irá participar nesta coligação, sendo certo que os ministros da Defesa do grupo de contacto irão reunir-se no início da próxima semana na base aérea de Ramstein, na Alemanha. Uma hipótese levantada pela Der Spiegel passaria pela troca entre o Reino Unido e a Alemanha dos mísseis Storm Shadow pelos Taurus. O chanceler anunciou ainda que a produção de equipamento militar será “alargada, incluindo através da cooperação com parceiros na Ucrânia”. Scholz mostrou-se também de acordo com a iniciativa da UE de usar os lucros dos ativos russos congelados para investir em armamento.

“Hoje falamos a uma voz”, realçou o primeiro-ministro polaco Donald Tusk. “Queremos investir o nosso dinheiro, queremos ajudar de todas as formas possíveis aqui e agora, para que a situação da Ucrânia nas próximas semanas e meses melhore e não piore”, disse. “Este é um momento sério”, disse Macron. “O facto de os três estarmos unidos neste dia, determinados com a mesma lucidez sobre a situação na Ucrânia e determinados a nunca deixar a Rússia vencer e a apoiar o povo ucraniano até ao fim, é uma força para nós, para os nossos povos, para a nossa segurança e para a nossa Europa”, declarou.

Criado em 1991, o Triângulo de Weimar reúne os líderes da Alemanha, França e Polónia com o objetivo de aprofundarem a cooperação. Este instrumento diplomático esteve esquecido durante anos, até ser recuperado à medida que a ameaça de Vladimir Putin foi ganhando forma. Além da urgência em contrariar o ascendente russo no terreno e na comunicação, as divergências públicas entre Paris e Berlim estavam em crescendo desde o momento em que Emmanuel Macron surpreendeu os aliados ao dizer que não se podia descartar a hipótese de enviar militares para a Ucrânia, fomentando a “ambiguidade estratégica”. 

“Estamos a renovar este sinal de apoio a Kiev a partir de hoje. Mas um sinal inequívoco também vai para Moscovo: o presidente russo deve saber que não vamos desistir do nosso apoio à Ucrânia”, disse Scholz ladeado de Macron e de Tusk. Odd ANDERSEN / AFP

Farpas franco-alemãs

A declaração agitou as águas e teve como efeito imediato que os restantes líderes europeus que, à exceção da Estónia e da República Checa, se apressassem a anunciar que soldados seus não iriam para solo ucraniano. E levou o vice-chanceler alemão Robert Habeck a responder: “Estou satisfeito com o facto de a França estar a pensar em como aumentar o seu apoio à Ucrânia, mas se me permitem dar um conselho, forneçam mais armas”, disse.

O ex-líder dos Verdes tocou num ponto importante: a Alemanha é o segundo país que em termos absolutos, depois dos EUA, mais contribuiu em assistência militar para a Ucrânia. E no que respeita à ajuda bilateral (portanto, fora do quadro da UE), em termos de percentagem do PIB, a Alemanha enviou o equivalente a 0,57% do seu produto, enquanto a França se ficou pelos 0,07%. Paris argumenta em sua defesa que não publicita toda a assistência militar e que foi além daquela prestada pelos alemães, em especial no que se refere aos mísseis de cruzeiro de longo alcance SCALP (tal como os britânicos com o seu gémeo Storm Shadow). Em contrapartida, Scholz rejeita o envio dos mísseis Taurus, com maior alcance e precisão. Voltou a afirmar a sua rejeição perante os deputados na quarta-feira, tendo argumentado que “dada a importância de não perder o controlo sobre os alvos, esta arma não poderia ser utilizada sem o destacamento de soldados alemães”.

Um dia depois, durante uma entrevista televisiva dedicada à ajuda à Ucrânia, o presidente francês voltou a criticar de forma indireta a política alemã, afirmando que o Ocidente tinha “colocado demasiados limites” ao excluir o envio de tanques ou de mísseis de médio alcance para Kiev, antes de acabar por ultrapassar essas linhas vermelhas face à evolução do conflito. Macron reiterou a ideia de que é hora de tomar decisões corajosas e de que não se pode excluir qualquer cenário. “Se a guerra se espalhasse pela Europa, seria uma escolha e uma responsabilidade exclusiva da Rússia. Mas se decidirmos hoje ser fracos, se decidirmos hoje que não vamos responder, já estamos a ser derrotados. E eu não quero que isso aconteça”, afirmou.

cesar.avo@dn.pt

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