Macron e Le Pen com ensaio negativo no dia do cisma dos franceses 

A primeira volta das regionais surpreendeu pelo grau de alheamento dos cidadãos, entre os quais os votantes da extrema-direita. Partido do presidente é punido.
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A primeira volta das eleições regionais e departamentais em França ficou marcada pelos níveis elevados de abstenção, mas também pela queda da extrema-direita e do fraco resultado do partido centrista de Emmanuel Macron, que viu três possíveis adversários em 2022 com boas prestações. Já os partidos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita (PS e Os Republicanos) mantêm boas hipóteses de segurar os atuais assentos. Na única região em que a União Nacional de Marine Le Pen ficou em primeiro, o candidato ecologista foi pressionado a desistir.

A gestão das escolas básicas, das infraestruturas desportivas, das estradas locais, a proteção dos espaços naturais, ou a assistência social fazem parte das competências dos 101 departamentos. Já nas 17 regiões os presidentes dos conselhos têm a gestão de pastas como o ensino secundário e superior, saúde, transportes e mobilidade, emprego e formação, economia, agricultura e pescas, gestão do território e desporto e cultura - enfim, um governo regional. No entanto, os eleitores, pelo menos no domingo, voltaram as costas à democracia.

Para o eurodeputado Yannick Jadot, dos Verdes, a abstenção traduz uma "espécie de cisma que se instala entre a classe política e os franceses", mas também uma "incompreensão incrível sobre o que são as coletividades".

Perante o dado de que a participação eleitoral não chegou aos 23%, número que se situou nos 16% na faixa etária 18-24, o governo francês atribuiu a "tremenda abstenção" à crise sanitária da covid-19 que impediu uma campanha eleitoral com campanha porta a porta e comícios. "Ninguém pode abrir o champanhe", disse o porta-voz do governo Gabriel Attal. Numa sondagem realizada pelo Ifop no dia das eleições, as explicações dos eleitores, abstencionistas incluídos, foram outras.

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Para 76%, a campanha eleitoral não interessou. Entre os que disseram que não iriam depositar o voto na urna, as razões mais apontadas foram as de que o voto não iria mudar nada na situação pessoal nem na situação da região. Refira-se que quem mais faltou às urnas foram os eleitores dos extremos, da esquerda da França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, à direita da União Nacional.

A estratégia de Marine Le Pen em trazer os temas nacionais para a campanha não vingou e o partido recuou em toda a linha: na primeira volta das regionais de 2015, a então Frente Nacional chegara na frente em mais de 20 mil municípios, agora ficou-se pelos 6300 e um total nacional um pouco acima dos 19%.

Quando antes dizia que "a dinâmica das eleições regionais conduzirá às das eleições presidenciais", agora o argumentário é outro. Marine Le Pen lamentou o "desastre cívico" da abstenção, a qual dá "uma visão enganosa das forças políticas presentes". A presidente da União Nacional apelou para os seus apoiantes "desconfinarem as ideias" e votarem, porque "tudo é possível caso decidam fazê-lo".

O cientista político Pascal Perrineau é cético quanto à possibilidade de se dar uma inversão das tendências no próximo domingo. "Não vemos muito bem porque é que as pessoas que não se deslocaram [às assembleias de voto] iriam fazer esta oferta" agora aos candidatos que "não conseguiram convencê-los na primeira volta", declarou à AFP.

O cenário mais promissor para a extrema-direita é a vitória na região Provença-Alpes-Côte d"Azur (PACA), onde o candidato Thierry Mariani obteve 36,3%, à frente do atual presidente da região e candidato de Os Republicanos-República em Marcha, Renaud Muselier. Mas na segunda-feira surgiram más notícias para Mariani: depois de o líder dos Verdes ter ameaçado o candidato Jean-Laurent Félizia de expulsão do partido, este cedeu e desistiu de se apresentar à segunda volta, um braço-de-ferro que manteve durante horas contra a opinião das outras forças da lista (socialistas e comunistas). Ou seja, na PACA a esquerda reedita a frente republicana e irá votar no candidato do centro-direita.

Noutras regiões, a esquerda une-se numa lista para se apresentar na segunda volta. É o caso do Pays de la Loire, com a junção de ecologistas, insubmissos, socialistas e comunistas para tentarem vencer a republicana e atual presidente Christelle Morançais, e é também o de Île-de-France (que inclui Paris). Aqui a atual presidente, Valérie Pécresse, ex-republicana, não perdeu tempo a criticar a confederação de uma "esquerda que perdeu a bússola republicana", que "votou contra a carta do laicismo, contra a proibição dos burquinis e que impõe uma ecologia punitiva".

Pécresse, como o presidente de Auvérnia-Ródano-Alpes, o republicano Laurent Wauquiez, e como o presidente de Hauts-de-France, o ex-republicano Xavier Bertrand, são nomes fortes para disputarem o espaço do centro-direita nas presidenciais que decorrem dentro de 11 meses. A vitória de Bertrand na primeira volta foi a mais notável: deixou para trás a União Nacional (que caiu 16 pontos face a 2015), a coligação de esquerdas, e deixou de fora da segunda volta a candidatura da República em Marcha, que contava com cinco ministros. "Claro que houve deceções", reconheceu o líder do partido, Stanislas Guerini. Os macronistas sofreram uma derrota em toda a linha: o partido só chega à segunda volta integrado na lista dos republicanos na PACA.

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