Luzes de unidade europeia e sombras sobre o futuro da Ucrânia
O jardim de inverno do Palácio do Eliseu foi o local escolhido para a fotografia de família da reunião que juntou líderes e representantes de 31 países, da NATO, e da UE, com o objetivo de reafirmar o apoio à Ucrânia e discutir como é que este pode ser reforçado. Quem o decidiu terá tido em conta que os 250 metros quadrados do teto em vitral, uma obra do artista Daniel Buren com as cores da bandeira de França, iriam refletir-se no espaço e nos rostos dos participantes. Se é certo que o tom do azul difere, as cores são também as da Rússia, o que permite outras leituras sobre as luzes refletidas nuns dignitários em pose e as sombras noutros. Estes, mais tarde, para lá da unanimidade de que o levantamento das sanções à Rússia não é o caminho a tomar, não viram a luz sobre a iniciativa do envio de tropas para a Ucrânia no quadro de um cessar-fogo, embora Emmanuel Macron tenha anunciado o envio de uma missão franco-britânica a Kiev para planear o futuro das forças armadas ucranianas.
“Estamos de facto num ponto de viragem. O nosso objetivo é claro: ganhar a paz, e temos de colocar a Ucrânia na melhor posição para negociar e garantir que a paz negociada será sólida e duradoura para todos os europeus.” Foi desta forma que o presidente francês resumiu o ânimo dos países da “coligação de voluntários”, na sua terceira reunião depois de duas realizadas em Inglaterra. Na conferência de imprensa posterior à reunião que juntou europeus, canadianos e australianos, Macron, que disse ter sido designado colíder da “coligação de voluntários” ao lado do britânico Keir Starmer, destacou a unanimidade sobre a manutenção da pressão económica à Rússia; a decisão de enviar uma missão franco-britânica com o objetivo de planear a remodelação do exército ucraniano, mas também de avaliar no terreno as condições para o envio de militares no pós-guerra; e reafirmou esse projeto de uma força de dissuasão, assim alcançada a paz.
“Dentro de três ou quatro semanas, teremos um plano de ação bastante preciso sobre o formato do exército ucraniano e sobre as forças de tranquilização, com os seus requisitos, mas também com os seus contribuintes.”
Emmanuel Macron
O francês disse que o que está em causa não é uma força de manutenção de paz, nem serão enviadas para a linha de contacto nem para substituir as forças ucranianas. Estas forças estariam “presentes em certos locais estratégicos determinados em conjunto com os ucranianos” e “atuariam como um elemento dissuasor” para evitar qualquer nova agressão russa. Um dos planos debatidos pelos franceses passaria por destacar os soldados no centro da Ucrânia, ao longo do rio Dniepre, segundo a Associated Press.
Macron reconheceu não haver unanimidade sobre o tema -- Itália ou Polónia recusam participar --, mas sublinhou que há um acordo sobre o tema. “Vamos avançar e trabalhar nele. E, por isso, haverá de facto uma força de segurança com vários países europeus destacados”, afirmou, sem os nomear. Além da França e do Reino Unido, os países bálticos e nórdicos estão abertos a essa missão, bem como o Canadá, a Espanha e a Turquia. Se Olaf Scholz, presente no Eliseu, continuasse como chanceler, a Alemanha não faria parte da missão, mas o futuro governo liderado pelos conservadores poderá rever a decisão. Essa é pelo menos a opinião do colega de partido de Scholz e ministro da Defesa. Citado pelo Politico, o social-democrata Boris Pistorius disse ambicionar manter-se no cargo.
“Há uma série de países que estão preparados, quer através do ar, quer com botas no terreno, para dar garantias de segurança à Ucrânia.”
Volodymyr Zelensky
Para o líder ucraniano, também presente na reunião no Eliseu, as tropas teriam de ser compostas por “profissionais” para “garantirem a segurança da Ucrânia”. Volodymyr Zelensky também disse que seria um “contingente com presença militar por terra, mar e ar” e que o número final será definido em função do nível de apoio dos Estados Unidos. Antes da reunião, Macron falou com Donald Trump.
Este tema tinha perdido algum gás, uma vez que os britânicos dizem estar dispostos a enviar até 10 mil militares, mas apenas se os EUA também se envolverem (apoio aéreo e de informações). Isso mesmo foi reafirmado pelo primeiro-ministro britânico em Paris.
“Trata-se de uma força destinada a dissuadir, a fim de enviar a Putin a mensagem de que este é um acordo [de cessar-fogo] que vai ser defendido. Isto é feito reconhecendo que também precisamos do envolvimento dos EUA.”
Keir Starmer
No entanto, até agora, a única resposta foi dada pelo líder dos EUA, ao dizer que a melhor garantia de segurança é Kiev assinar o acordo de exploração dos minerais e hidrocarbonetos. A esse propósito, Zelensky queixou-se de os EUA estarem a “mudar constantemente os termos” do acordo. O Financial Times e o The Telegraph tiveram acesso à nova versão do mesmo e as condições são ainda mais gravosas do que a anterior proposta, uma vez que cede o controlo aos EUA de portos, terminais, oleodutos, gasodutos e vias de comunicação, deixando nas mãos dos norte-americanos a passagem do gás russo via Ucrânia para a Europa. “É um documento de expropriação”, comentou ao The Telegraph o perito jurídico em energia do Atlantic Council Alan Riley. Disse ainda que o documento, se fosse assinado pela Ucrânia, teria ainda outra implicação: “Não é compatível com a adesão à UE, e talvez esse seja parte do objetivo”.
A reunião de Paris acontece depois de Rússia e Ucrânia vincularem-se, de forma desencontrada, a uma trégua patrocinada pelos EUA às infraestruturas energéticas e no Mar Negro. Moscovo tenta vincular o acordo de cessar-fogo ao levantamento de sanções, algo a que a administração Trump estará aberta, para não dizer interessada. Por outro lado, as iniciativas europeias não colhem do outro lado do Atlântico, com o enviado Steve Witkoff a considerar a ideia da força militar a enviar para a Ucrânia uma “combinação de postura e pose, e simplista”. Além disso, a troca de mensagens entre parte da equipa de Trump na rede Signal sobre um ataque no Iémen e partilhada por engano com um jornalista comprova um desdém (“parasitismo europeu”) enunciado pelo vice-presidente Vance na Conferência de Segurança de Munique.