Este era o automóvel onde seguiam os três filhos do líder do Hamas e que foi atacado pelas forças israelitas.
Este era o automóvel onde seguiam os três filhos do líder do Hamas e que foi atacado pelas forças israelitas.AFP

Líder do Hamas garante que morte de filhos e netos não vai fazê-lo ceder a Israel

Telavive confirmou ataque que matou filhos de Ismail Haniyeh, chamando-lhes de “três agentes militares”. Biden diz que condução da guerra por Israel é um “erro” e pediu ao Hamas para avançar com proposta de cessar-fogo.
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O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, anunciou esta quarta-feira que três dos seus filhos - Hazem, Amir e Mohammad - e alguns netos (presumivelmente três) foram mortos num ataque israelita. De acordo com a Al Jazeera, o carro da família foi atingido no campo de refugiados Al-Shati, no norte da Faixa de Gaza. O porta-voz do exército de Israel, Daniel Hagari, confirmou o ataque, dizendo que caças atacaram “três agentes militares” no centro de Gaza, referindo-se ao veículo que transportava os filhos de Haniyeh. 

Falando num tom desafiador a partir de um hospital de Doha, onde visitava feridos palestinianos e onde foi informado do incidente, Haniyeh afirmou que o ataque à sua família é uma prova do “fracasso” de Israel, acrescentando que não mudará a posição do grupo islamista nas negociações de cessar-fogo que estão a decorrer. 

“Se eles [Israel] pensam que atacar os meus filhos no auge destas conversações, antes da resposta do movimento ser apresentada, fará com que o Hamas mude as suas posições, eles estão a delirar”, disse Haniyeh à Al Jazeera. “O sangue dos meus filhos não é mais valioso do que o sangue dos filhos do povo palestiniano… Todos os mártires da Palestina são meus filhos”, acrescentou. 

Haniyeh explicou à Al Jazeera que os filhos estavam a visitar familiares para o Eid al-Fitr [celebração muçulmana que marca o fim do jejum do Ramadão] no campo de refugiados de Shati, no norte de Gaza, quando foram atacados. Um ataque que condenou e apelidou como um exemplo da brutalidade de Israel. E voltou a deixar claro que os líderes palestinianos não recuarão se as suas famílias e casas forem alvo. “Não há dúvida de que este inimigo criminoso é movido pelo espírito de vingança, pelo espírito de assassinato e derramamento de sangue, e não observa quaisquer padrões ou leis”, criticou.

O líder do Hamas revelou ainda que, desde o início da guerra, há seis meses, perto de “60 membros da minha família foram martirizados, incluindo os meus netos, os filhos do meu irmão, os filhos da minha irmã e primos meus”. “Todo o nosso povo e todas as famílias de Gaza já pagaram um preço alto em sangue e eu sou um deles”, sublinhou, dizendo ainda que “através do sangue dos mártires e da dor dos feridos criamos esperança, criamos o futuro, criamos independência e liberdade para o nosso povo e a nossa nação”. 

O gabinete de imprensa do Hamas apelidou de “massacre” o ataque que matou os familiares de Ismail Haniyeh, referindo que o “veículo civil” onde seguiam foi tornado num alvo dos israelitas. “Condenamos veementemente os ataques contínuos de Israel contra o nosso povo palestiniano”, disse a mesma fonte. “Nós responsabilizamos a administração dos EUA, a comunidade internacional e a ocupação israelita por estes massacres e crimes que ainda ocorrem neste genocídio em curso”.

Para os Houthis, grupo rebelde do Iémen que tem visado no Mar Vermelho navios com ligações em Israel, este ataque contra a família do líder do Hamas revela o fracasso de Telavive no terreno. “Estes grandes sacrifícios, juntamente com o resto do povo de Gaza e da Cisjordânia ocupada, apenas fortalecem a firmeza do povo palestiniano face a esta arrogância israelita”, escreveu o porta-voz do grupo, Mohammed Abdulsalam, na rede social X.

Antes de ser conhecido o ataque mortal aos familiares do líder do Hamas, o ministro sem pasta do Gabinete de Guerra de Israel, Benny Gantz, havia dito que o movimento islamista foi “derrotado” militarmente, referindo que as capacidades da milícia palestiniana estão “enfraquecidas”, mas que a vitória total chegará “passo a passo”.

Sobre este ponto, Gantz sublinhou que Israel “não vai parar” e que as suas tropas vão finalmente entrar na cidade de Rafah, considerada o último bastião do Hamas, mas que alberga também mais de um milhão de palestinianos deslocados no contexto da guerra.

“Vamos entrar em Rafah. Regressaremos a Khan Yunis e atuaremos em Gaza. Onde quer que haja alvos terroristas, as FDI [Forças de Defesa de Israel] estarão lá”, sublinhou o membro do gabinete de guerra, segundo o The Times of Israel.

Ajuda insuficiente

A morte dos três filhos de Ismail Haniyeh ocorreram numa altura em que as negociações no Cairo para um cessar-fogo e um acordo para a libertação de reféns se arrastam sem sinais de avanço. Os Estados Unidos têm aumentado a pressão sobre Israel para concordar com uma trégua, permitir a entrada de mais ajuda na Faixa de Gaza e abandonar os planos de invasão a Rafah. Depois de ter imposto como condição para a continuação do apoio norte-americano o aumento da proteção de Telavive aos civis, o presidente Joe Biden classificou a condução da guerra por Israel como um “erro”, numa entrevista transmitida na terça-feira à noite.

Já esta quarta-feira, Biden instou o Hamas a avançar com uma proposta de cessar-fogo em Gaza e acordo de reféns, ao mesmo tempo que apelou ao primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, para permitir mais ajuda ao território palestiniano. “Agora cabe ao Hamas, eles precisam avançar com a proposta que foi feita”, disse o líder norte-americano, acrescentando que a quantidade de ajuda que está a chegar a Gaza, após o telefonema tenso que teve com Netanyahu na semana passada, “não é suficiente”.

Na opinião de Alistair Bunkall, correspondente da Sky News no Médio Oriente, “a morte de seis membros da família de Ismail Haniyeh não mudará a crença do Hamas de que está no ‘lugar do condutor’ das negociações de cessar-fogo”. “A suposição é que este [ataque] foi concebido para pressionar o Hamas a concordar com um novo acordo de reféns”, mas “o próprio Haniyeh disse que se atacar a sua família é uma tática que os israelitas estão a tentar usar, é delirante”, disse Bunkall.

Yair Golan, antigo ministro adjunto da Economia e deputado, escreveu no X que o ataque contra a família do líder do Hamas foi mal planeado. “Por mais justificadas e apropriadas que [as mortes] possam ser”, disse ele, “a realização de ações tão dramáticas, na véspera de um possível acordo para a libertação dos sequestrados, constitui outra camada grave na sua ilegalidade”.

Ismail Haniyeh,o homem político

AFP PHOTO / HO / IRANIAN FOREIGN MINISTRY

Ismail Haniyeh nasceu há 62 anos num campo de refugiados em Gaza. Foi preso em 1989 e passou três anos na prisão por pertencer ao Hamas, consolidando a posição como um dos líderes políticos do grupo terrorista durante a Segunda Intifada (2001).

Em 2003 sobreviveu a uma tentativa de assassinato de Israel e, três anos depois, liderou o Hamas até à vitória nas legislativas.

Acabou com a hegemonia da Fatah de Mahmud Abbas. Serviu como primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana até que, em 2007, o Hamas assumiu o controlo da Faixa de Gaza e foi afastado por Abbas do cargo - mantendo-se apenas no poder no enclave palestiniano.

Eleito líder do gabinete político do Hamas em 2017, mudou-se nessa altura para o Qatar, onde vive. É casado e terá 13 filhos.

ana.meireles@dn.pt

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