Como ficou claro na votação de terça-feira no Congresso dos Deputados, os dois maiores partidos independentistas da Catalunha - ERC e Junts per Catalunya - têm uma visão oposta à atual redação da Lei da Amnistia. Enquanto os primeiros votaram a favor, os segundos mostraram a sua insatisfação por não verem todas as suas exigências atendidas votando contra e levando ao chumbo do documento. Ontem, essa divisão tornou-se ainda mais clara quando o vice-conselheiro de Estratégia do governo da Catalunha, Sergi Sabrià (ERC), acusou o Junts de ter deixado “destroçadas” as famílias dos independentistas que aguardavam pela aprovação da lei..“É um erro o que se passou esta semana”, disse Sabrià em entrevista ao canal La 2 e à Ràdio 4. “Mas é bom ouvir o PSOE dizer que todos serão amnistiados, é fantástico. Mas também temos de estar conscientes de que esta terça-feira havia 1200 pessoas, 1200 famílias, que estavam absolutamente dependentes disso, e eu conheci algumas pessoas que ficaram absolutamente arrasadas porque os julgamentos estão agora a começar”, prosseguiu o membro do governo da Catalunha, num ataque à votação do Junts, mas também referindo-se às declarações feitas na quinta-feira pelo primeiro-ministro espanhol, que garantiu que todos os independentistas serão amnistiados “porque não são terroristas”..A amnistia foi uma exigência dos partidos independentistas da Catalunha para viabilizarem o governo de Sánchez, mas o Junts per Catalunya - partido do ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont, que seria um dos principais beneficiados pela amnistia - quer introduzir alterações no texto que negociou, considerando que “tem buracos por onde a justiça prevaricadora espanhola pode deixar a amnistia em letra morta”, segundo afirmou a deputada Miriam Nogueras, na terça-feira. Com o chumbo do diploma, este volta à Comissão de Justiça do Congresso em vez de seguir para o Senado..A deputada do Junts referia-se a decisões e despachos judiciais recentes que envolvem Puigdemont e pessoas próximas do antigo presidente regional em casos ainda em investigação e consideram que estão em causa possíveis crimes de terrorismo, traição ou delitos contra a paz. .“Parece-me muito ingénuo que o Junts não saiba que haverá muitos juízes dispostos a abrir buracos nesta lei. É a Espanha, é o Estado espanhol, nós sabemos como funciona. Já o dissemos, somos independentistas porque conhecemos os défices democráticos que a democracia espanhola tem”, afirmou Sabrià na mesma entrevista..O presidente do governo da Catalunha falou também esta sexta-feira sobre a Lei da Amnistia, fazendo também uma crítica ao chumbo imposto pelo Junts per Catalunya, mas sem mencionar o nome do partido de Puigdemont, ao dizer que a atual redação da proposta de lei é “sólida” e abrange todos os independentistas, e que por isso “não necessita de mais alterações”..Problemas com o sistema judicial.Pere Aragonès mostrou-se também contra a revisão do crime de terrorismo no Código Penal como forma de tentar proteger a amnistia, como já foi proposto. Na opinião do governante catalão esta alteração criaria “mais risco” a uma lei já criticada pelo poder judicial conservador espanhol e cuja legalidade será mais do que provavelmente analisada pelo Tribunal Constitucional, caso venha a ser aprovada. “O problema não é o crime de terrorismo no Código Penal, o problema não é a redação da Lei da Amnistia. O problema é o uso arbitrário que dois juízes claramente alinhados politicamente com a extrema-direita e a direita espanhola estão a fazer da investigação judicial”, referiu..Um dos juízes mencionados por Aragonès é Manuel García-Castellón, o juiz da Audiência Nacional que investiga Carles Puigdemont e a secretária-geral da ERC, Marta Rovira, por supostos crimes de terrorismo na sequência dos protestos do movimento Tsunami Democrático após as sentenças do Supremo aos independentistas. .Manuel García-Castellón voltou ontem a ser notícia ao ser conhecido um documento assinado pelo procurador do processo, Miguel Ángel Carvallo, em que este acusa do juiz de cometer “contradições flagrantes” e considera “injustificada e sem motivação” a exposição enviada pelo magistrado ao Tribunal Supremo com o objetivo que este órgão assuma o caso Tsunami Democrático. O procurador fala ainda, segundo os media espanhóis que tiveram acesso ao documento, numa “significativa falta de argumentos” para consubstanciar a acusações de terrorismo que García-Castellón faz aos envolvidos neste processo..PP tenta parar proposta de lei.O líder parlamentar do PP no Congresso dos Deputados apresentou ontem um requerimento em que pedia que se impedisse “qualquer atuação ou trâmite parlamentar tendente a continuar um procedimento legislativo que o plenário chumbou”, numa referência à Lei da Amnistia e ao seu regresso à Comissão de Justiça para novas alterações, algo que considerou uma espécie de “segunda oportunidade” para o diploma contestado pelos populares..Apesar de ainda não haver nenhuma decisão para o pedido para travar a Lei da Amnistia, fontes da presidência do Congresso disseram ao El País que este “não tem qualquer fundamento”..ana.meireles@dn.pt