A política alemã tem vivido dias agitados desde que, na semana passada, pela primeira vez na História do país no pós-Segunda Guerra Mundial, uma moção foi aprovada no Parlamento com a ajuda da extrema-direita. Apresentada pela CDU de Friedrich Merz, a moção visava endurecer as leis da imigração, com o potencial futuro chanceler a mostrar que iria avançar, mesmo dependendo do apoio da AfD, enfraquecendo assim o cordão sanitário criado pelos partidos alemães para evitar a chegada da extrema-direita ao poder. Mas, a duas semanas e meia das eleições, quem vai beneficiar com esta jogada de Merz - que entretanto já garantiu que não está disponível para cooperar com a AfD e que o seu objetivo é que “sejam outra vez pequenos”?A resposta final só deverá ser conhecida no dia 23, mas os alemães começam já a dar as primeiras pistas sobre a resposta que, apesar de ainda não serem conclusivas, mostram que o líder da CDU pode estar à beira de uma vitória mais amarga do que esperava. O primeiro sinal foi dado nas ruas de Berlim, com quase 200 mil pessoas a manifestarem-se contra a CDU e Merz dias após a votação parlamentar. Na terça-feira, uma sondagem da Forsa para RTL/ntv, a primeira feita desde a referida votação apoiada pela AfD, mostra uma queda de dois pontos para 28% dos conservadores no espaço de uma semana, enquanto que a extrema-direita e o SPD mantêm as suas intenções de voto nos 20 e 16%, respetivamente. Os Verdes sobem um ponto, para 15%. Esta quarta-feira, uma outra sondagem coloca os sociais-democratas de Olaf Scholz com uma subida de três pontos para 18% das intenções de voto, mostrando que os eleitores veem o SPD como um contrapeso à nova estratégia da CDU (que se mantém nos 29%), segundo explica o YouGov, o autor da sondagem, acrescentando que metade dos eleitores considera que Merz derrubou o cordão sanitário à extrema-direita. Já a AfD (22%) e os Verdes (12%) perderam um ponto, enquanto a Esquerda (6%) subiu um. “Os principais partidos estão a discutir entre si, enquanto a Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, está radiante. (...) Tudo isto é o resultado de um erro de cálculo espetacular por parte do líder da oposição, Friedrich Merz, líder dos democratas-cristãos (CDU) de centro-direita e favorito para se tornar o próximo chanceler da Alemanha”, defende no jornal britânico The Guardian Jorg Lau, correspondente internacional do diário Die Zeit, sublinhando que “é uma má desculpa o facto de nada disto ter sido intenção de Merz”.O escritor e jornalista alemão Paul Hockenos refere, por seu turno, num artigo na revista Foreign Policy, que “a principal vítima desta ‘avé-maria’ pode ser o próprio Merz. Não só entrou no jogo da extrema-direita e alienou os seus potenciais parceiros de coligação, como também pôs em evidência a forma como se deixa perturbar sob pressão”. Uma maior dificuldade nas negociações para uma coligação governamental é precisamente outro dos perigos da jogada de Merz no Parlamento, que enfureceu o SPD - “já não confio nele [Merz]”, disse Scholz - mas também os Verdes, os dois maiores candidatos a um entendimento com a CDU. “Se as negociações de coligação entre os principais partidos falharem, a Alemanha pode estar a caminhar para um governo minoritário conservador, informalmente apoiado pela extrema-direita. Isso seria desestabilizador não só para a Alemanha, mas para todo o continente. Muito depende das próximas semanas. (...) Mas, a manter-se a atual trajetória, caminhamos para tempos turbulentos”, sustenta Lau. “Qualquer coligação depois destas eleições é improvável que seja um assunto muito harmonioso”, referiu à Reuters Philipp Koeker, cientista político da Universidade de Hannover. “No entanto, a menos que a próxima coligação apresente resultados, especialmente em termos de custo de vida, uma possível vitória da AfD em 2029, ou antes, poderá concretizar-se.”