Início da sessão no Tribunal Internacional de Justiça, presidido pela juíza norte-americana Joan Donoghue. EPA/REMKO DE WAAL
Início da sessão no Tribunal Internacional de Justiça, presidido pela juíza norte-americana Joan Donoghue. EPA/REMKO DE WAALEPA/REMKO DE WAAL

Israel responde em Haia a acusações de genocídio

África do Sul interpôs processo e pede urgência para que o tribunal suspenda a guerra em Gaza. Telavive responde hoje, mas já acusou Pretória de ser o representante do Hamas.
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Com multidões pró-israelitas e pró-palestinianas nas ruas de Haia, o Tribunal de Justiça (TIJ) recebeu a sessão inaugural do caso apresentado pelo governo de África do Sul, no qual acusa Israel de crimes de guerra, entre os quais genocídio. Cabe hoje a Telavive defender-se, mas quer o primeiro-ministro, na véspera, quer o Ministério dos Negócios Estrangeiros, depois, rejeitaram as alegações e contra-atacaram, acusando Pretória de ser o “representante jurídico do movimento terrorista Hamas”.

A África do Sul, cujo partido no poder, o Congresso Nacional Africano, compara as políticas de Israel em Gaza e na Cisjordânia com a sua própria história, sob o regime de apartheid que durou até 1994, enviou uma delegação chefiada pelo ministro da Justiça, Ronald Lamola. Ao painel de juízes, a advogada sul-africana Adila Hassim disse “dispor do benefício das últimas 13 semanas de provas que mostram de forma incontestável um padrão de conduta e uma intenção relacionada” que equivale a “uma alegação plausível de atos genocidas”.

Continuou Hassim: “As mães, os pais, os filhos, os irmãos, os avós, as tias, os primos são frequentemente mortos em conjunto. Esta matança é nada mais nada menos do que a destruição da vida palestiniana. É infligida deliberadamente. Ninguém é poupado. Nem mesmo os bebés recém-nascidos”. Perante este quadro de conflito, África do Sul solicita com caráter de urgência uma ordem do tribunal para que as operações militares na Faixa de Gaza sejam suspensas. 

É esperado que o TIJ tome uma decisão nas próximas semanas. Porém, apesar de as decisões deste tribunal das Nações Unidas não poderem ser passíveis de recurso e de serem juridicamente vinculativas, não há meios para as fazer cumprir. Por exemplo, em março de 2022, a Rússia ignorou a ordem do TIJ para que aquele país parasse com a invasão da Ucrânia, até porque Moscovo tem o poder de veto sobre sanções a aplicar pelo Conselho de Segurança da ONU - e no que respeita a Israel, os EUA, que se mostraram muito críticos desta iniciativa de Pretória, iriam fazer o mesmo naquela instância pelo seu aliado. 

Os danos são de natureza reputacional e se a África do Sul se compara com a Palestina, Israel nasceu de um genocídio praticado contra os judeus e ciganos e a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, aprovada em 1948, foi criada na sequência dos crimes nazis e é agora apontada contra os descendentes dessas vítimas.

Terá sido por isso que Telavive, que não raras vezes critica tribunais e investigações internacionais, acedeu a fazer-se representar num caso que se estenderá bem para lá das semanas em que o coletivo de 15 juízes atenderá ao pedido sul-africano. É tido como provável que o processo se prolongue por  anos, enquanto a África do Sul tenta alargar o espectro do caso. “A violência e a destruição na Palestina e em Israel não começaram em 7 de outubro de 2023. Os palestinianos têm sofrido opressão e violência sistemáticas nos últimos 76 anos”, afirmou o ministro Lamola.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, através do porta-voz Lior Haiat, disse que a África do Sul “distorceu totalmente a realidade” numa “das maiores demonstrações de hipocrisia da história” e acusou Pretória de “procurar permitir que o Hamas volte a cometer os crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes sexuais que cometeu repetidamente em 7 de outubro”.

Antes, na quarta-feira à noite, num vídeo em inglês, Netanyahu negou a “intenção de ocupar permanentemente Gaza ou de deslocar a sua população civil”, mas defendeu combater o Hamas “em total conformidade com o direito internacional”.

Uma versão adaptada à rejeição do plano de expulsar os palestinianos de Gaza e que estava a ser discutido até há duas semanas pelo Likud, o partido do primeiro-ministro. “O nosso problema é [encontrar] países que estejam dispostos a absorver os habitantes de Gaza, e estamos a trabalhar nesse sentido”, terá dito Netanyahu, segundo contou o deputado Danny Danon ao Times of Israel

Sobrevivente do Holocausto na defesa 

O governo israelita designou Aharon Barak, de 87 anos, como defensor legal do país no caso apresentado pela África do Sul em Haia. A decisão foi recebida com alguma surpresa, uma vez que o ex-presidente do Supremo Tribunal é uma das vozes mais críticas da controversa reforma judicial que acabou por ser derrubada no início do ano. Reforma que era considerada à medida de Benjamin Netanyahu porque o protegia dos julgamentos que tem em curso contra si.

O facto de não ser bem visto pela direita levou o ministro das Comunicações Shlomo Karhi a comentar a nomeação de Barak como uma prova do “brilhantismo” de Netanyahu. Além disso, a carga simbólica de ter Barak a defender Israel não pode ser menosprezada, tendo em conta que é sobrevivente de um genocídio, o Holocausto. 

Dois pesos e duas medidas, diz HRW 

A ONG Human Rights Watch (HRW) considera que a comunidade internacional revelou ter dois pesos e duas medidas ao condenar de imediato os ataques do Hamas a Israel e ao hesitar em acusar Telavive de crimes de guerra. “Muitos países condenaram rápida e justificadamente estes atos horríveis”, comentou a diretora executiva da HRW sobre os ataques de 7 de outubro, tendo, no entanto, afirmado que Telavive reagiu com “uma forma de punição coletiva que constitui um crime de guerra” e que muitos dos governos que condenaram os crimes do Hamas mostram-se hesitantes em criticar a resposta israelita.

cesar.avo@dn.pt

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