Israel e Irão sobem tom e intensificam ataques. Netanyahu apela a iranianos para se revoltarem contra o regime
Enquanto as equipas de socorro revolviam os destroços em busca de sobreviventes, foi simbolicamente de uma varanda de um edifício residencial de Bat Yam, cidade a sul de Telavive, atingida durante a noite por um ataque iraniano, que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, deixou o aviso: Teerão vai “pagar caro” pela “morte premeditada de civis, mulheres e crianças”. Horas antes, e ainda as sirenes não tinham tocado em Israel a anunciar o primeiro ataque iraniano em pleno dia desde que as Forças Armadas israelitas haviam lançado a sua ofensiva contra a República Islâmica na sexta-feira, o presidente do Irão, Masoud Pezeshkian, ameaçou com uma resposta “mais decisiva e severa”, caso Israel continuasse as “ações hostis” contra Teerão.
Apesar da subida de tom entre os dois lados em confronto, nos EUA Donald Trump afirma que “Irão e Israel deviam fazer um acordo, vão fazer um acordo”. Mas o presidente americano não deixou de garantir que, “se formos atacados de qualquer forma pelo Irão, toda a força e poder das Forças Armadas dos EUA cairão sobre vocês em níveis nunca antes vistos”. Trump negou qualquer intervenção americana nos ataques lançados por Israel contra instalações nucleares e militares iranianas e que mataram vários elementos das chefias militares, além de vários cientistas. Segundo duas fontes da Administração americana citadas pela Reuters, o presidente americano terá vetado um plano de Israel para assassinar o guia supremo iraniano, o ayatollah Ali Khamenei.
Numa entrevista à FOX News, Netanyahu admitiu que chegar a um acordo não é a sua prioridade. “Vale a pena, se eles fizerem o que o presidente [Trump] quer [e desmantelarem a sua capacidade nuclear]”, afirmou. Mas Israel não vai esperar por isso. “A questão não é a desescalada. A questão, aqui, não é o cessar-fogo. A questão é parar aquilo que ameaça a nossa sobrevivência”, explicou o primeiro-ministro israelita.
Questionado se o objetivo final será uma mudança de regime no Irão, Netanyahu admitiu que “poderia ser o resultado, porque o regime iraniano está muito enfraquecido”. O chefe do governo israelita garantiu que a República Islâmica, instaurada em 1979, após o derrube da monarquia, “não tem o apoio do povo” e que “80% da população” quer derrubá-la. E recordou que “o povo persa e o povo judeu têm uma amizade antiga” e que “a decisão de agir, de se revoltar neste momento, é do povo iraniano”.
O primeiro-ministro israelita parece ter aproveitado as denúncias, na quinta-feira, da Agência Internacional de Energia Atómica de que o Irão estava em “incumprimento” das suas obrigações pela primeira vez em 20 anos, para lançar um já muito antecipado ataque. Israel, apesar de manter a ambiguidade sobre o seu programa e arsenal, está empenhado em continuar a ser a única potência nuclear da região, contrariando as ambições do vizinho Irão, que sempre negou querer a bomba, garantindo que o seu programa nuclear tem fins meramente civis. A sexta ronda de negociações entre EUA e Irão, prevista para este domingo, 15 de junho, em Omã, foi entretanto cancelada.
O que Netanyahu também aproveitou foi o enfraquecimento do chamado “Eixo da Resistência”. Nos últimos meses, Israel conseguiu enfraquecer alguns dos grupos regionais financiados pelo Irão. Desde os ataques de 7 de outubro de 2023, em que militantes do Hamas entraram em Israel matando 1200 pessoas e sequestrando 250, o grupo palestiniano (sunita, ao contrários das outras milícias apoiadas por Teerão, que são xiitas, o ramo do Islão hipermaioritário no Irão), tem sido o principal alvo dos ataques de Israel em Gaza, com a sua liderança a ser decapitada, tanto as chefias militares, como o seu líder político, Ismail Haniyeh, assassinado em Teerão há quase um ano.
Quem também parece - pelo menos para já - empenhado em manter-se de fora deste conflito entre Israel e o Irão é o Hezbollah. O grupo xiita libanês era muitas vezes visto como a linha da frente da liderança iraniana num eventual conflito com o Estado judaico, mas o líder atual, Naim Qassem, limitou-se a condenar os ataques israelitas e a dar as suas condolências pelas mortes sofridas. Depois de, durante meses, ter bombardeado o norte de Israel em solidariedade com o Hamas, o Hezbollah acabou por se envolver numa guerra aberta com os israelitas, que resultou na morte do seu líder histórico, Hassan Nasrallah, e na destruição de parte do seu arsenal militar.
Na Síria, a queda do presidente Bashar al-Assad já deixara o Irão sem um aliado-chave e um ponto focal para a estratégia do Eixo. E, no Iraque, as milícias xiitas limitaram-se a criticar o governo de Bagdade por ter permitido que Israel usasse o seu espaço aéreo para atacar o Irão e apelaram a que “expulsasse urgentemente as forças hostis do país”, numa referência às tropas americanas que se encontram no Iraque no âmbito da luta contra o grupo Estado Islâmico, mas sem fazerem qualquer ameaça de uso da força. O Irão parece só poder contar, até ao momento, com um elemento do Eixo da Resistência: os Houthis. O grupo iemenita lançou vários mísseis contra território israelita nas últimas horas. “Triunfar pelos povos oprimidos da Palestina e do Irão... Esta operação foi coordenada com as realizadas pelo Exército iraniano contra o inimigo criminoso israelita”, disse o porta-voz do Houthis, Yehya Sarea, num discurso citado pela Reuters.
Depois da primeira onda de ataques, na noite de quinta para sexta-feira, ter visado as instalações nucleares e militares do Irão, bem como as suas chefias militares - incluindo Hossein Salami, o líder dos Guardas da Revolução -, a poderosa força paramilitar da República Islâmica, e 14 cientistas nucleares, Israel dirigiu este domingo os ataques contra a rede elétrica iraniana e contra depósitos de combustível e refinarias, com Teerão e outras cidades a serem abaladas também por explosões, que terão atingido edifícios do Ministério da Defesa. E promete não ficar por aqui, com as Forças Armadas israelitas a falarem de uma “longa lista” de alvos a atingir.
Um balanço das autoridades iranianas dava conta, ao fim da tarde, de 128 mortos e 900 feridos. Mas a Associated Press, citando os Ativistas dos Direitos Humanos, com sede em Washington, falava em 406 mortos e 654 feridos. O grupo cruza informações locais com uma rede de fontes que tem no Irão, explicou a AP, estando a trabalhar para identificar civis e pessoal dos serviços de segurança entre as vítimas.
Com as defesa antiaéreas a conseguirem destruir a maior parte dos mísseis e drones lançados pelo Irão em retaliação, Israel dava por seu lado conta de 13 mortos e pelo menos 150 feridos.
Dominar a Cimeira do G7
Todos achavam que seria a Ucrânia e as tarifas de Trump a dominarem a Cimeira do G7 que começa esta segunda-feira no Canadá, mas o conflito entre Israel e Irão promete impor-se na agenda dos sete países mais industrializados.
Ainda antes do encontro na província canadiana de Alberta, França, Alemanha e Reino Unido propuseram retomar as negociações nucleares com o Irão. O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Johann Wadephul, foi encarregado de estender publicamente a mão a Israel, numa entrevista à rede ARD.
“A Alemanha, juntamente com a França e o Reino Unido, está pronta. Oferecemos negociações imediatas sobre o programa nuclear. Espero que a oferta seja aceite”, afirmou o ministro, horas depois de o presidente da França, Emmanuel Macron, ter falado nesse sentido com o seu homólogo iraniano, Masoud Pezeshkian.
Antes de seguir para o Canadá, o chanceler alemão, Friedrich Merz, sublinhou que o Irão “nunca deverá ter armas nucleares”. Uma posição partilhada pela União Europeia. “A UE sempre foi clara: o Irão nunca deve ser autorizado a adquirir uma arma nuclear”, disse a chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, garantindo que “a diplomacia deve prevalecer” e a UE a irá apoiar.