Iranianos voltam às urnas para escolher sucessor de Raisi
Os iranianos regressam esta sexta-feira às urnas para uma quase inédita segunda volta nas presidenciais onde será escolhido o sucessor do ultraconservador Ebrahim Raisi, morto num acidente de helicóptero a 19 de maio. Nos boletins de voto estarão o também ultraconservador Saeed Jalili e o reformista Masoud Pezeshkian e um deles assumirá a presidência numa altura de grandes tensões regionais causadas pela guerra em Gaza, uma disputa com o Ocidente sobre o programa nuclear do Irão e de descontentamento popular sobre o estado da economia do país devido a sanções.
A primeira volta, realizada na última sexta-feira, ficou marcada por uma participação baixa - apenas 39,93% dos cerca de 61 milhões de eleitores votaram, o valor mais baixo de qualquer eleição desde a Revolução Islâmica de 1979. As eleições parlamentares de março tiveram uma participação de 40,6%, enquanto que as presidenciais de 2021 que elegeram Ebrahim Raisi chegaram aos 48,8%. De referir ainda que só em 2005 tinha havido uma segunda volta numas presidenciais, quando Mahmoud Ahmadinejad derrotou o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani.
A questão da baixa participação em atos eleitorais é algo que preocupa o regime de Teerão, de tal forma que o ayatollah Ali Khamenei, apelou na quarta-feira ao voto dos iranianos, referindo que os baixos números da primeira volta não foram um ato “contra o sistema”. Num vídeo divulgado na televisão estatal, o líder supremo do Irão reforçou que era “completamente errado pensar que aqueles que não votaram na primeira volta são contra o sistema”, mas admitiu que “a participação não foi a esperada”. “A segunda volta das eleições presidenciais é muito importante”, disse ainda Khamenei, apelando a uma maior participação.
Masoud Pezeshkian, de 69 anos e relativamente desconhecido antes das eleições, saiu vitorioso com 44,36% na primeira volta, mas não conseguiu uma vitória absoluta. Mesmo assim a sua candidatura reavivou as esperanças cautelosas da ala reformista do Irão, após anos de domínio conservador e ultraconservador. Pela frente terá Saeed Jalili, de 58 anos, que há uma semana obteve 40,35% dos votos e tem o apoio dos restantes candidatos conservadores e ultraconservadores que ficaram para trás.
Duas visões do Ocidente
Os dois candidatos fizeram os seus comícios de encerramento de campanha na quarta-feira - Saeed Jalili reuniu-se com apoiantes num templo em Teerão, enquanto Masoud Pezeshkian discursou perante uma multidão num estádio próximo.
Cânticos de “Todo o Irão diz Jalili” ecoaram na mesquita Grand Mosalla entoados por milhares de apoiantes do antigo negociador nuclear, que prometeu “força e progresso” se fosse eleito. Na sala podiam ver-se cartazes do falecido presidente Raisi com o slogan: “Um mundo de oportunidades, o Irão dá um salto em frente”.
Jalili, conhecido pela sua posição intransigente anti-Ocidente, opôs-se firmemente às medidas para restaurar um acordo histórico de 2015 com as potências mundiais, que impôs restrições à atividade nuclear do Irão em troca do alívio das sanções. Ele argumentou que o acordo, que caiu em 2018 com a saída dos Estados Unidos, violou todas as “linhas vermelhas” de Teerão ao permitir inspeções de instalações nucleares. Se for eleito, garantiu Jalili no comício, “melhoraremos a força e o progresso do país”.
Enquanto isso, no estádio Haidarnia, Pezeshkian defendia “unidade e coesão”, com os cânticos dos seus apoiantes a invocarem outro antigo presidente, o reformista Mohammad Khatami, que apoiou o seu antigo ministro da Saúde. “Viva Khatami, viva Pezeshkian!”, clamava a multidão, agitando bandeiras verdes adornadas com o slogan “Pelo Irão” do candidato reformista. Hassan Rohani, outro antigo presidente moderado, também deu o seu apoio ao candidato reformista.
No seu discurso, Pezeshkian apelou a “relações construtivas” com os governos ocidentais para acabar com o “isolamento” do Irão, garantindo ainda que “podemos gerir o nosso país com unidade e coesão”. “Resolverei disputas internas da melhor maneira possível”, afirmou. Prometeu ainda opor-se “totalmente” às patrulhas policiais que impõem o uso obrigatório do lenço de cabeça e apelou ao alívio das restrições de longa data à Internet.
Dias antes, Pezeshkian e Jalili tinham-se enfrentado num debate televisivo de duas horas, onde discutiram, entre outros temas, os problemas económicos do Irão, mas também a baixa participação eleitoral. “As pessoas estão descontentes connosco”, disse Pezeshkian, atribuindo a fraca taxa de participação ao fracasso em envolver as mulheres, bem como as minorias religiosas e étnicas, na política. Jalili expressou também consternação com o baixo número de iranianos que foram votar.
Em matéria de economia, Jalili afirmou que o seu governo poderá alcançar um crescimento do Produto Interno Bruto de 8%, acima dos 5,7% registados até março. Pezeshkian ridicularizou a afirmação, dizendo que seu rival deveria ser “executado” se não cumprisse o compromisso.
ana.meireles@dn.pt