Índia reforça segurança em Caxemira após morte de histórico líder separatista

Syed Ali Shah Geelani passou a maior parte dos últimos 12 anos em prisão domiciliária. Defendia a união com o Paquistão.
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Símbolo da resistência de Caxemira à soberania indiana e defensor de uma união desta região dos Himalaias com o Paquistão, Syed Ali Shah Geelani morreu na quarta-feira à noite, aos 92 anos. Temendo que o funeral do líder separatista pudesse servir como ponto de partida a protestos contra a Índia, o governo sepultou-o logo na madrugada de quinta-feira contra a vontade da família. Militares bloquearam estradas e ergueram postos de controlo em várias localidades no vale de Caxemira, cortando os serviços de internet e telemóvel, tendo havido alguns confrontos.

Doente há vários meses com problemas de coração e fígado, Geelani foi sepultado perto da sua casa, em Srinagar, antes do nascer do Sol, num funeral organizado pelas autoridades indianas, sob fortes medidas de segurança. "Eles tiraram o corpo e enterraram-no à força", disse o filho Naseem Geelani à AP, explicando que os planos da família, seguindo os seus desejos, passavam por o sepultar no cemitério dos mártires, onde estão outros separatistas de Caxemira. "Ninguém da família esteve presente no enterro", acrescentou, mas a polícia disse que dois dos filhos estiveram presentes (sem dizer contudo os nomes). "Tentámos resistir, mas eles dominaram-nos e até lutaram com as mulheres."

Nascido em 1929 em Zoorimunz, numa família pobre, Geelani foi membro desde a juventude do Jamaat-i-Islami, uma organização político-religiosa banida pelo governo nacionalista hindu em 2019. No início da década de 1960 começou a sua campanha a favor da união da Caxemira indiana, de maioria muçulmana, com a Caxemira paquistanesa, tendo passado dez anos detido e muitos mais impedido de sair de casa, incluindo a maior parte dos últimos 12 anos. Foi várias vezes eleito deputado da Assembleia Legislativa de Jammu e Caxemira, mas perdeu uma eleição para o parlamento indiano.

Até junho do ano passado liderou a Tehreek e Hurriyat, uma aliança de organizações políticas, religiosas e sociais formada em 1993 para dirigir o movimento a favor do direito à autodeterminação de Caxemira. Geelani estava à frente da fação que defendia a união com o Paquistão, rejeitando qualquer diálogo com Nova Deli, tendo deixado o grupo por considerar que este estava a fazer demasiadas cedências. Era também uma espécie de "líder espiritual" do Hizbul Mujahideen, um grupo armado que partilha da mesma visão. Desde 1989 que os rebeldes lutam contra o controlo indiano.

Do outro lado da fronteira, no Paquistão, o primeiro-ministro Imran Khan foi um dos primeiros a prestar tributo a Geelani, declarando um dia de luto nacional. "Ele lutou toda a sua vida pelo seu povo e pelo direito à autodeterminação. Sofreu detenções e tortura da parte do Estado indiano ocupador, mas manteve-se resoluto", disse. Duas das três guerras entre Índia e Paquistão (e a ameaça de um novo conflito armado em 2016) foram por causa de Caxemira. Os dois países são potências nucleares.

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Quando Índia e Paquistão conquistaram a independência do império britânico, em 1947, alguns reinos semiautónomos tiveram liberdade para escolher de que lado ficar. O marajá de Caxemira, Hari Singh, que era o único hindu à frente de uma área de maioria muçulmana, estava indeciso entre uma e outra ou até por optar pela independência, recusando dar a escolha à população. Quando guerrilheiros tribais invadiram a partir do lado paquistanês, o marajá pediu assistência à Índia, assinando um tratado em que se submetia ao controlo indiano em troca desse apoio. Caxemira acabaria por ficar dividida em duas, com uma das fronteiras mais militarizadas pelo meio, tendo um estatuto especial na Índia. Mas em agosto de 2019, Nova Deli suspendeu-o e dividiu a região de Jammu e Caxemira em duas zonas controladas a partir do poder central.

susana.f.salvador@dn.pt

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