Hora do regresso para milhões de sírios. Mas há também quem esteja a fugir do país
A Hayat Tahrir al-Sham (HST), que liderou os rebeldes que derrubaram o regime de Bashar al-Assad, apelou a “todos os sírios, cujas circunstâncias os obrigaram a abandonar a pátria, a regressar e a contribuir para a construção do futuro” do país. “Vamos criar as condições necessárias para garantir um ambiente seguro e estável para os receber”, referiu o Comando das Operações Militares desta aliança fundamentalista islâmica num comunicado divulgado nas redes sociais.
Desde as revoltas populares de 2011, que desencadearam uma guerra civil que se prolongou por 13 anos, mais de 14 milhões de sírios foram obrigados a abandonar os seus locais de residência, metade dos quais tornaram-se deslocados dentro do seu próprio país – segundo a ONU, 70% dessas pessoas precisam de ajuda humanitária e 90% vivem abaixo do limiar da pobreza.
Os outros cerca de sete milhões de sírios acabaram por encontrar refúgio em campos na Turquia, no Líbano e na Jordânia. E muitos deles não precisaram do “convite” da HTS para tentar regressar à Síria, como se podia verificar, por exemplo, pelas filas de sírios na Turquia prontos para reentrar no seu país captadas pelas câmaras fotográficas dos repórteres de várias agências noticiosas. O mesmo se passava na passagem fronteiriça entre o Líbano e a Síria, em Arida.
“A [família] Kawas vive há quase uma década a apenas duas horas de Aleppo, na cidade turca de Gaziantep, e só consegue visitar a sua cidade natal em sonhos. E, mesmo assim, disse Haleem, estes foram sempre pontuados por memórias de terem sido perseguidos pelas ruas pelas forças de segurança de Assad, como fizeram durante os primeiros protestos. A ideia de regressar era também um sonho distante, até que viram fotografias de insurgentes a aproximarem-se da periferia de Aleppo. A mudança estava a chegar, decidiram”, reportava esta segunda-feira a jornalista do The Guardian Ruth Michaelson a partir da Turquia.
O ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Hakan Fidan, disse esta segunda-feira à Reuters que Ancara vai trabalhar para que os refugiados sírios que acolhe possam regressar de forma segura ao seu país, acrescentando que o seu governo pretende também apoiar Damasco para que a Síria viva em harmonia com os seus vizinhos.
Da parte dos países da União Europeia, Áustria, Alemanha (que acolhe a maior comunidade síria na Europa) e Grécia já anunciaram que vão suspender os processos de pedido de asilo por parte de cidadãos sírios face a esta nova realidade. “O chanceler Karl Nehammer instruiu hoje o ministro do Interior Gerhard Karner para suspender todos os atuais pedidos de asilo sírios e para rever todos os casos em que o asilo foi concedido”, anunciou o Ministério do Interior austríaco em comunicado. No domingo, Nehammer já havia dito que a situação de segurança na Síria deveria ser reavaliada para permitir o reinício das deportações.
Da parte da Alemanha – onde vivem mais de 800 mil sírios, a maioria como refugiados chegados depois de a antiga chanceler Angela Merkel ter permitido, em 2015, a entrada de mais de um milhão de refugiados -, a ministra do Interior, Nancy Faeser, explicou que “tendo em conta esta situação pouco clara, é correcto que o Departamento Federal para a Migração e os Refugiados tenha hoje imposto um congelamento das decisões relativas aos procedimentos de asilo que ainda estão em curso até que a situação seja mais clara”.
Uma fonte do governo grego adiantou à Reuters que Atenas suspendeu hoje os pedidos de asilo de cerca de nove mil sírios - a Grécia foi a porta de entrada na União Europeia para centenas de milhares de sírios que fugiram à guerra civil.
Estrada repleta de fardas abandonadas
Mais de quatro mil soldados do exército sírio já fugiram para o Iraque desde que as forças rebeldes conquistaram Damasco e derrubaram o regime de Assad, disse à AP uma fonte das Forças de Mobilização Tribal de Anbar, acrescentando que os militares entregaram as suas armas, munições e veículos blindados e serão alojados num campo.
Uma outra fonte iraquiana referiu também à AP que o governador da província síria de Hasakeh chegou à fronteira no domingo à noite com um comboio de soldados do exército sírio que queriam atravessar para o Iraque, tendo sido autorizados a entrar pela passagem de Qaim. De recordar que Bagdade era um dos principais apoiantes de Assad, mas assumiu uma posição neutra relativamente ao avanço dos rebeldes.
Já o The Guardian descrevia logo no domingo que a principal estrada que liga a cidade libanesa de Beirute a Damasco estava repleta de fardas militares abandonados pelos soldados do exército sírio depois de perceberem que Assad tinha fugido do país.