A COP29 está a decorrer em Baku, no Azerbaijão. Trump já disse que vai tirar os EUA de novo dos Acordos de Paris sobre o clima. A luta contra as alterações climáticas pode ser a primeira vítima da presidência Trump?Penso que é justo dizer que uma Administração Trump será menos entusiasta das questões climáticas do que foi a Administração Biden. Tal como vai ser mais cética em relação aos acordos multilaterais. Existe uma crítica de longa data no lado republicano de que acordos como o de Paris têm impactos desproporcionais nos EUA, vinculando-os de uma forma que limita a sua liberdade de ação. Trump levou essa crítica mais longe e não só atacou os Acordos de Paris, mas também a participação dos EUA na OMS e numa série de outras organizações internacionais. Penso que este será um tema da Administração Trump - um grau muito mais elevado de ceticismo em relação ao valor que este tipo de acordos traz para os EUA..Menos multilateralismo e mais isolacionismo?Mais unilateralismo, no sentido em que não acho que Trump seja um isolacionista. Ele não quer que os EUA se retirem do mundo, quer que usem o seu poder de forma mais agressiva. Certamente para lidar com o Irão, mas também para lidar com disputas comerciais, para lidar com fluxos de narcóticos. Mas está menos interessado em fazê-lo em concertação com os aliados dos EUA e as organizações internacionais..A Ucrânia deve perder parte do apoio que recebe dos EUA para lidar com a guerra com a Rússia. Que impacto é que a presidência Trump vai ter neste conflito?É importante referir que muitos ucranianos parecem menos pessimistas em relação a uma presidência Trump do que seria de esperar. Em parte porque acreditam que a guerra está a seguir uma má trajetória e que não estão a ganhar, mesmo com o apoio da administração Biden. Há um reconhecimento de que Trump é um joker, mas também há uma sensação de que, quando se está numa situação muito má, talvez valha a pena apostar e esperar tirar alguma vantagem em relação às desvantagens óbvias de Trump. A minha sensação é que ele vai querer agir rapidamente para tentar chegar a um acordo de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Foi uma das suas promessas de campanha. É óbvio como pode pressionar a Ucrânia, ameaçando suspender o apoio dos EUA. É menos óbvio como é que vai pressionar a Rússia. É possível que ele pense que a simples promessa de ver os seus ganhos reconhecidos pelos EUA será suficiente para levar Putin a aceitar um acordo de paz. Se não for, terá de descobrir que outras pressões, sejam sanções económicas ou outras, poderá exercer. A outra coisa que terá de decidir é se quer tentar oferecer à Ucrânia garantias de segurança pós-conflito que tornem menos atrativo para a Rússia renovar a guerra no futuro..Trump tem repetido que quer resolver rapidamente a guerra. Isso significa que a Ucrânia terá de aceitar perder algum território?Penso que o acordo envolverá uma promessa ucraniana de não tentar recuperar os territórios ocupados pela força durante um determinado período de tempo. Kiev comprometer-se-ia, durante 10 ou 20 anos, a utilizar apenas meios diplomáticos para tentar garantir a devolução da Crimeia e outros territórios ocupados. Os russos vão insistir neste ponto. Moscovo espera que, após um cessar-fogo, o Ocidente perca o interesse na Ucrânia. Que esta seja deixada por sua conta e não receba a ajuda à reconstrução, nem à segurança de que necessita. E assim, se Putin quiser renovar a guerra numa data posterior, talvez seja mais fácil fazê-lo. .A Europa receava uma nova presidência Trump. Vai agora ter de aprender a defender-se sozinha?Penso que as exigências dos EUA em relação à Europa no domínio militar irão aumentar. Espero que não cheguemos a uma situação em que a Europa tenha de se defender sozinha porque os EUA se retiraram da NATO. Isso é bastante improvável. Seria um enorme problema político para Trump retirar-se da NATO. Mas irá certamente aumentar o nível de ambição dos objetivos de despesa da Aliança. Já falou em passar de 2% do PIB para 3%. Poderá também ameaçar fazer depender os compromissos de segurança dos EUA do facto de os países europeus estarem a gastar um determinado montante em defesa. A curto prazo, o impacto dessa medida poderá ser mais limitado do que imaginamos, porque alguns dos países que mais gastam na NATO são os que se situam mais perto das ameaças. A Polónia, por exemplo. Mas, mesmo assim, penso que isso causaria uma verdadeira consternação no seio da Aliança quanto ao futuro do empenhamento americano..Isso poderia ser visto como uma espécie de luz verde para Putin fazer o que quiser?Depende. A minha opinião é que Putin tem um certo respeito pela NATO e pelos compromissos do artigo 5. E enquanto a NATO for uma organização funcional, ele será muito cauteloso em pôr isso em causa. Mas podem acontecer várias coisas. Uma é que Putin, se conseguir alcançar uma espécie de vitória na Ucrânia, talvez se torne mais agressivo ao lidar com outros Estados não pertencentes à NATO. Por exemplo, a Moldávia ou alguns Estados da Ásia Central. A segunda é que poderá tornar-se mais agressivo na utilização de atividades do tipo guerra híbrida contra a NATO. Já assistimos a um aumento da subversão violenta e da sabotagem nos países da Aliança - do Reino Unido a alguns dos Estados bálticos. E podemos assistir a mais. É relativamente barato para os russos fazê-lo. A terceira questão é: e se a NATO não for uma organização forte e funcional em algum momento, seja sob Trump ou algum futuro presidente? É nessa altura que as coisas se tornam mais arriscadas no que diz respeito a um verdadeiro desafio militar russo..A ameaça nuclear é um fator a ter em conta?Ficaria muito surpreendido se Putin utilizasse armas nucleares num conflito com o Ocidente, ou mesmo na Ucrânia. As probabilidades eram maiores quando a Rússia parecia estar a perder a guerra. Agora, está a sair-se bastante bem. Por isso, não há nenhuma razão real para ele fazer esse tipo de ameaças..Já disse não acreditar que Trump saia da NATO. Acha que é mais uma ameaça que ele usa para assustar os aliados europeus?Em parte, é uma tática de negociação. Tudo para Trump é uma negociação e tudo tem a ver com alavancagem e com a forma como se cria incerteza para o outro lado. A interpretação mais benevolente do comportamento de Trump é que ele quer realmente que os países europeus gastem mais em defesa porque isso fortalecerá a NATO. E pensa que a ameaça de abandono é a única forma de os levar a fazer isso. Mas mesmo que se tenha uma interpretação menos caridosa e se pense que Trump não gosta da NATO, acha que é mau negócio para os EUA e não gosta nada da Europa, ainda há um forte argumento para que não saia da NATO: é que muitos senadores nos EUA ficariam aborrecidos com isso. Haveria alguns desafios à sua capacidade de o fazer. E Trump adora queixar-se da NATO. Mas se saísse, já não podia queixar-se dela..Podemos dizer que Rússia, China, Coreia do Norte e Irão são o novo Eixo do Mal para os EUA?Sim. Não se trata de uma aliança formal entre os quatro maus da fita. Mas é um conjunto de relações interligadas que têm efeitos estratégicos reais. O exemplo que gosto de usar é que a Rússia nunca teria sido capaz de continuar a lutar na Ucrânia se não tivesse o apoio militar da Coreia do Norte e do Irão e o apoio económico da China. E, em troca, a Rússia está a dar armamento cada vez mais avançado, tecnologia, know-how que vai ajudar os programas de mísseis da Coreia do Norte ou os programas de lançamento espacial nos próximos anos. É um verdadeiro desafio estratégico..Olhando para o Médio Oriente, uma presidência Trump significa um apoio absoluto a Israel?Acho que Israel vai receber mais apoio dos EUA a curto prazo. O presidente Trump estará menos preocupado com questões humanitárias, com a situação da população palestiniana. Mas isso tem duas vertentes. A primeira é que pode não durar para sempre. Se daqui a seis meses ainda houver um conflito israelita em Gaza ou no Líbano, e isso estiver a criar um problema internacional para os EUA, Trump pode virar-se contra Israel. Não abandoná-lo, mas tornar-se mais duro com Benjamin Netanyahu. A segunda ressalva é que ainda não sabemos que tipo de administração Trump vai surgir e como vai lidar com o Médio Oriente. O próprio Trump sempre teve duas opiniões sobre o Médio Oriente. Por um lado, acha que os EUA devem ser mais agressivos com alguns dos seus adversários na região, como o Irão. Por outro, não gosta da ideia de ter de efetuar operações militares de longo prazo na região. Por isso, depende de qual das perspetivas dominar entre Trump e os seus conselheiros..A primeira Administração Trump patrocinou os Acordos de Abraão, entre Israel e alguns Estados árabes. Podemos ter uma surpresa e ver a paz ganhar novos fôlego na região nos próximos quatro anos?Trump vai tentar reavivar os Acordos de Abraão, promovendo a normalização diplomática entre Israel e a Arábia Saudita. Será um pouco mais complicado porque, se ele quiser mesmo fazer um tratado vinculativo com os sauditas, tem de conseguir que dois terços do Senado o aprovem. E é menos provável que os democratas votem a favor do tratado com Trump do que teriam votado com Biden, ao passo que é possível conseguir o apoio de alguns republicanos, independentemente de quem for presidente. É mais difícil, mas talvez não impossível. Trump gostaria muito de conseguir este tipo de acordo, porque acredita que solidificaria o seu legado..Falámos da China há pouco. As tarifas que Trump quer impor aos bens chineses podem empurrar o mundo para a guerra comercial?É possível, embora eu ache que Trump vê a ameaça de tarifas como uma alavanca para a negociação, mais do que outra coisa. Por isso, embora seja possível que ele imponha tarifas de 60% à China, penso que a sua preferência seria usar essa ameaça para obter concessões de Pequim. Agora, se os chineses não estiverem dispostos a dar-lhe o que ele quer, poderá haver uma escalada da guerra tarifária. Não creio que venha a destruir a economia global, mas, com Trump, as fricções económicas com a China podem ser bem maiores do que com Biden..E Taiwan. O que podemos esperar de Trump em caso de invasão chinesa da ilha?Depende muito da forma como a invasão se desenrolar. Porque os chineses terão de decidir se querem atacar as bases militares americanas na região ou evitá-las. Se as evitarem, é uma decisão muito difícil para um presidente dos EUA, porque uma guerra sobre Taiwan seria assustadora. Do ponto de vista de Trump, é muito distante. Mas se os chineses atacarem as bases americanas, vão matar muitos dos seus efetivos. Nesse caso, é quase previsível que os EUA e a China entrem em guerra..Como é que o chamado Sul Global vai lidar com uma nova presidência Trump e vice-versa?Vai variar de país para país. É difícil generalizar sobre um grupo tão diverso como o Sul global. Na Índia há bastante otimismo. Há a sensação de que Trump e Modi tiveram uma relação muito positiva da primeira vez e os indianos não estão muito preocupados com uns EUA mais protecionistas. Pensam que há grande margem de cooperação relativamente à China. Noutros países existe maior preocupação. Na América Latina, por exemplo, se Trump deportar um número significativo de pessoas das Honduras, El Salvador, Colômbia ou Venezuela, poderá criar tensões reais e ter um efeito muito perturbador nas relações dos EUA com esses países.O próprio Canadá já mostrou preocupação com a decisão de expulsar os ilegais. Pode levar instabilidade a ambas as fronteiras dos EUA?Vamos ver quão agressiva a Administração é a executar os planos de deportação em massa. Há um cenário em que se contenta com uma aplicação mais rigorosa da lei na fronteira e conta as pessoas rejeitadas como deportadas. Mas se tentar efetivamente deportar um grande número de pessoas que se encontram já nos EUA, trata-se de um empreendimento logístico, económico e diplomático muito maior. As ramificações poderiam ser bastante perturbadoras na América do Norte, mas também muito para além dela. .Nos próprios EUA teria impacto na economia, que foi o principal motivos para muitos americanos votarem em Trump…O estado da economia nacional é o que mais trava a inclinação de Trump para ir depressa e partir as coisas. Porque ele julgará o sucesso da sua presidência, em parte, pela sua eficácia em manter uma economia forte. Por isso, quer se trate de direitos aduaneiros, de imigração ou de qualquer outra questão, poderá estar disposto a recuar em relação a alguns dos seus planos mais extremos se acreditar que terão consequências económicas negativas.