Guantánamo: de prisão de terroristas a centro de detenção para imigrantes ilegais
O presidente norte-americano, Donald Trump, deu ordens para criar um centro de detenção para 30 mil imigrantes ilegais na Base Naval da Baía de Guantánamo, em Cuba.
Conhecida por albergar os suspeitos de terrorismo após os ataques do 11 de Setembro de 2001 nos EUA, há décadas que o espaço é usado também para deter cubanos e outros migrantes das Caraíbas apanhados em alto-mar.
Trump quer usar Guantánamo para "deter os piores criminosos ilegais que ameaçam o povo americano", na prática comparando-os aos terroristas que nos últimos anos têm sido os principais "inquilinos" da base. Suspeitos de terrorismo e imigrantes serão alojados em centros diferentes.
A baía de Guantánamo, no sudeste de Cuba, foi capturada pelos norte-americanos e os aliados cubanos em 1898, durante a guerra da independência da ilha do dominío espanhol. A base foi criada em 1903, num terreno de quase 120 quilómetros quadrados alugado num contrato de leasing entre os EUA e o governo do novo país independente. Em 1934, foi assinado um contrato entre as duas partes, segundo o qual o leasing só pode ser cancelado com a luz verde dos dois países ou se os norte-americanos abandonarem o espaço.
O regime cubano, que há anos critica este acordo, tem recusado o dinheiro pago mensalmente pelos norte-americanos pelo leasing. "Num ato de brutalidade, o novo governo dos EUA anuncia que irá aprisionar na Base Naval de Guantánamo, localizada em território cubano ocupado ilegalmente, milhares de migrantes expulsos à força, colocando-os ao lado das conhecidas prisões de tortura e detenção ilegal", reagiu o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, no X.
Prisão para terroristas
A 11 de janeiro de 2002, quatro meses depois dos atentados do 11 de Setembro nos EUA, os primeiros 20 prisioneiros chegaram ao Campo de Detenção da Baía de Guantánamo. O então presidente George W. Bush criou a prisão militar, por onde passaram 779 homens.
No pico da chamada "guerra ao terror", em 2003, Gitmo (como é conhecida a base) albergou 675 prisioneiros. Multiplicaram-se as denúncias de torturas assim como de detenções sem acusação formal, com a Amnistia Internacional a dizer em 2005 que era um "gulag dos tempos modernos".
Quando Barack Obama chegou à Casa Branca, em janeiro de 2009, havia 240 prisioneiros em Guantánamo. Em 2016, deu ordens para fechar o campo de detenção no espaço de um ano mas, quase dez anos depois, ainda lá estão 15 prisioneiros.
A ordem de Obama para fechar esbarrou no Congresso, que lhe complicou a tarefa ao travar a transferência dos detidos para prisões de alta segurança nos EUA e as transferências para países terceiros - alegando que 30% dos que tinham sido libertados haviam voltado às atividades terroristas.
No final, quando terminou o segundo mandato, ainda havia 41 detidos em Guantánamo.
Durante a presidência de Donald Trump, que recuou na ideia de fechar Guantánamo e disse até que iria aumentar a população prisional (não o fez), só houve uma libertação, pelo que Joe Biden "herdou" um total de 40 prisioneiros.
Nos últimos dias na Casa Branca, o democrata conseguiu transferir mais 11 homens, todos do Iémen, deixando a prisão com apenas 15 prisioneiros – um número menor do que o do grupo inicial que foi levado para lá.
Dos 15, o Pentágono disse que três são elegíveis para ser transferidos e outros três para que um conselho de revisão periódica possa examinar os seus casos. Dois foram condenados e sentenciados.
Um dos detidos é o arquiteto dos ataques do 11 de Setembro, Khalid Sheikh Mohammed, que este mês se declarou culpado, depois de ter chegado a acordo com os procuradores norte-americanos de que não será condenado à morte. Mas a anterior Administração estava há meses a tentar reverter esse acordo e conseguiu que este fosse suspenso.
Outro dos detidos é Abu Zubaydah, considerado um "prisioneiro vitalício", que está detido sem qualquer acusação, mas que os EUA não podem libertar. Foi um dos alvos das torturas.
Centro de migrantes
Dentro da base – que tem um McDonald's, um pub irlandês e até uma pista de bowling - existe ainda o Centro de Operações para Migrantes, que tem sido usado há décadas para as pessoas apanhadas a tentar alcançar ilegalmente os EUA de barco. A maioria são cubanos ou haitianos.
Em 1994, durante a presidência de Bill Clinton, Guantánamo tornou-se num centro para acolher os migrantes cubanos apanhados no mar (que antes disso eram levados diretamente para os EUA). Em setembro desse ano, segundo um relatório governamental, o centro chegou a acolher 45 mil pessoas (incluindo 12 mil haitianos), enquanto aguardavam uma decisão sobre o seu processo.
Contudo, segundo uma reportagem do The New York Times de setembro do ano passado, só 37 migrantes foram detidos ali entre 2020 e 2023.
O centro não tem atualmente capacidade para as 30 mil pessoas que Trump lá quer colocar, precisando de ser alargado. O presidente disse que quer usar Guantánamo para "deter os piores criminosos ilegais que ameaçam o povo americano".
Estima-se que 11 milhões de pessoas estejam a viver ilegalmente nos EUA, com 1,4 milhões a ter ordens de deportação ativas. O maior centro de detenção dos serviços de imigração norte-americanos tem espaço para duas mil pessoas, sendo a capacidade total de detenção em todo o território de 40 mil.