Donald Trump e Georgia Meloni, num encontro em dezembro.
Donald Trump e Georgia Meloni, num encontro em dezembro. DR/X/Giorgia Meloni

Giorgia Meloni, cavalo de Tróia da UE ou o início da rutura europeia face a Trump?

A primeira-ministra italiana, única líder europeia na tomada de posse do presidente dos EUA, estará esta quinta-feira na Casa Branca. Na agenda estão as tarifas, com Bruxelas atenta ao encontro.
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Na história da conquista de Tróia, diz-se que os gregos construíram um grande cavalo de madeira para enganar os troianos que, sem o saber, acabaram por abrir as portas aos inimigos. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, não precisa desse ardil para entrar na Casa Branca, tendo sido convidada pelo presidente dos EUA - que apoia a sua política nacionalista e conservadora e a considera uma “mulher maravilhosa”. A dúvida é se usará essa proximidade a Donald Trump para ajudar a União Europeia (UE) a escapar às tarifas norte-americanas ou se, numa tentativa de agradar ao republicano, procurará um acordo que beneficie apenas a Itália, dando início à rutura da unidade europeia em relação a este tema.

“Vamos dar o nosso melhor, tenho consciência do que represento e tenho consciência do que defendo”, disse Meloni num discurso na cerimónia de entrega do Prémio Leonardo, na terça-feira, em Roma, brincando que não sentia qualquer pressão (referindo-se já à reunião com Trump). Apesar de liderar os Irmãos de Itália, um partido de extrema-direita populista, Meloni apresentou-se em Bruxelas como uma líder pragmática e tem sido elogiada. E face à eleição de Trump, a cuja tomada de posse foi a única líder europeia a assistir, disse querer servir como uma “ponte” entre a UE e os EUA.

Meloni não será a primeira líder dos 27 a visitar a Sala Oval (a hora do encontro não era ainda conhecida). Já lá estiveram o presidente francês, Emmanuel Macron, e o chefe do governo irlandês, Micheal Martin. Mas é a primeira a ir à Casa Branca desde o “dia da libertação” (2 de abril), quando Trump anunciou tarifas retaliatórias de 20% para os produtos da União Europeia. Ainda assim, a tensão já não está tão elevada, tendo em conta que o presidente norte-americano anunciou desde então uma suspensão de 90 dias da entrada em vigor dessas tarifas, abrindo a porta a negociações. Mesmo assim, a UE ainda está sujeita à tarifa base de 10%, mais 25% no aço, alumínio e carros.

O que defende Meloni?

A primeira-ministra tem defendido tarifas zero entre os dois blocos no setor industrial, tal como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. As duas tiveram “contactos regulares” nos últimos dias, incluindo um telefonema ontem. Uma porta-voz da Comissão disse que, apesar de a negociação de acordos comerciais ser da competência exclusiva de Bruxelas, todos os contactos com Trump são bem-vindos.

Mas, ao mesmo tempo, Meloni tem que pensar nos italianos. Em 2024, Itália teve um excedente comercial de quase 40 mil milhões de euros com os EUA, o que representa o terceiro maior da UE depois da Alemanha e da Irlanda. Ao todo, 10% das exportações italianas vão para os EUA, que compra principalmente máquinas, produtos farmacêuticos, carros, moda, alimentos e bebidas. A primeira-ministra está por isso pressionada pelas empresas italianas para escapar às tarifas.

Contudo, enquanto luta por Itália, Meloni também não se pode dar ao luxo de se pôr do lado de Trump contra a UE - juntando-se a ele nas críticas à burocracia de Bruxelas, por exemplo. Isso irá, certamente, irritar os parceiros europeus e, no final do dia, o mercado único continua a ser o maior mercado italiano. O ministro da Indústria francês, Marc Ferracci, alertou na semana passada para o risco de esta visita de Meloni poder minar a unidade europeia contra as tarifas. “Precisamos de estar unidos porque a Europa é mais forte se estivermos unidos”, disse à FranceInfo. “Se começamos a ter conversas bilaterais, claro que isso vai quebrar o ímpeto”, acrescentou.

O que pode conseguir?

Em plena pausa de 90 dias para negociar as tarifas, a primeira-ministra já não terá a pressão de sair de Washington com um acordo, apenas de garantir que existe um ambiente positivo para as negociações. “Se facilitar as negociações com Trump sem penalizar a Europa, sairá muito mais forte”, disse à Reuters o analista político Lorenzo Castellani, da Universidade Luiss, em Roma.

Para isso, Meloni irá tentar aproveitar a boa relação com Trump. A primeira-ministra italiana foi eleita em 2022, tendo apenas conhecido o norte-americano em dezembro do ano passado, no jantar oferecido por Macron por ocasião da reabertura da catedral de Notre Dame. Trump disse então que ela era alguém com quem podia trabalhar “para endireitar um pouco o mundo”: Mais tarde, após um novo encontro em janeiro, em Mar-a-Lago, Trump disse que Meloni era uma “mulher fantástica que tinha tomado a Europa de assalto”. A primeira-ministra assistiu nesse mesmo mês à tomada de posse.

A boa relação não é sinal de que tudo vá correr bem. Mas, se tudo falhar, Meloni terá uma oportunidade extra. Na sexta-feira recebe o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, que passará por Itália antes de seguir para uma visita à Índia.

Donald Trump e Georgia Meloni, num encontro em dezembro.
Meloni vai a Washington para tomada de posse de Trump. É a única líder da UE convidada

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