Tbilissi é palco há semanas de manifestações pró-Europa e contra a lei dos “agentes estrangeiros” e ontem não foi exceção.
Tbilissi é palco há semanas de manifestações pró-Europa e contra a lei dos “agentes estrangeiros” e ontem não foi exceção.Vano SHLAMOV / AFP

Geórgia ignora protestos e aprova lei que a afasta da UE

Primeiro-ministro diz que diploma dos “agentes estrangeiros” respeita vontade da maioria da população. Oposição pede sanções internacionais e Bruxelas e Washington alertam para risco de afastamento do Ocidente.
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O Parlamento da Geórgia adotou esta terça-feira a polémica lei dos “agentes estrangeiros” que tem causado protestos nas últimas semanas e que já levou Bruxelas a alertar que a sua implementação pode colocar em risco as aspirações de adesão de Tbilissi à União Europeia, depois de ter recebido em dezembro o estatuto de país candidato, mas também à NATO.

Na terceira e final leitura, feita ontem, 84 deputados votaram a favor e 30 contra o diploma. A votação ocorreu no momento em que cerca de dois mil manifestantes, na sua maioria jovens, enfrentavam a polícia de choque junto ao Parlamento, no centro de Tbilissi, enquanto gritavam “Não à lei russa!”. No plenário, o ambiente também foi tenso, com deputados da oposição a entrar em confrontos físicos com membros do partido Sonho Georgiano, no poder.

Tbilissi foi palco, nas últimas semanas, de manifestações em massa pró-Europa e contra esta lei, e que tiveram o seu ponto alto no último sábado, quando cerca de 100 mil pessoas saíram à rua no maior protesto antigovernamental da história recente da Geórgia.

A lei determina que organizações, meios de comunicação social e entidades similares que recebam pelo menos 20% de financiamento do estrangeiro se registem como “agentes de influência estrangeira”, como acontece na Rússia. O Governo alega que esta medida pretende obrigar as organizações a serem “mais transparentes” em relação ao seu financiamento, mas, na Rússia, a lei é frequentemente usada para silenciar a imprensa hostil e os opositores de Vladimir Putin.

O primeiro-ministro georgiano, Irakli Kobakhidze, afirmou na segunda-feira que esta lei iria ser adotada, “de acordo com a vontade da maioria da população”, para proteger os “interesses nacionais” do país. “Confrontada com compromissos injustificados e com a perda de soberania, a Geórgia partilhará o destino da Ucrânia. Ninguém fora da Geórgia pode impedir-nos de proteger os nossos interesses nacionais”, defendeu.

A lei será enviada à presidente da Geórgia, Salome Zourabichvili, uma europeísta cada vez mais em desacordo com o partido do Governo e que prometeu vetar o documento, embora o Sonho Georgiano tenha maioria suficiente para anular o veto.

A oposição georgiana exigiu ontem sanções internacionais contra os 84 deputados que votaram a favor da controversa lei pois, segundo Levan Bezhashvili (deputado e presidente do conselho político do Movimento Nacional Unido, o maior grupo de oposição), o Sonho Georgiano, “praticamente entregou a Geórgia à Rússia, estabeleceu um regime russo no país e declarou guerra ao seu próprio povo”. 

A União Europeia voltou ontem a afirmar que a lei é “incompatível” com as pretensões de a Geórgia aderir ao bloco de 27, enquanto os EUA alertaram mais uma vez que a a adoção do diploma afastará Tbilissi do Ocidente.  Uma repetição dos alertas que  já tinham sido feitos por Bruxelas e Washington a 1 de maio, dia em que foi aprovada a segunda leitura  e que as manifestações foram reprimidas com violência pelas autoridades.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, disse depois da aprovação da lei que, “se quiser aderir à UE, a Geórgia tem de respeitar os princípios fundamentais do Estado de Direito e os princípios democráticos”. 

Na sexta-feira, 12 ministros dos Negócios Estrangeiros da UE tinham enviado uma carta ao líder da diplomacia do bloco, Josep Borrell, e ao comissário para o Alargamento, Olivér Várhelyi, criticando a intenção de Tbilissi de aprovar a lei dos “agentes estrangeiros”. 

“O Governo da Geórgia,  para nosso profundo pesar, parece estar no caminho de comprometer a oportunidade de avançar na integração europeia e euro-atlântica do país”, dizia a missiva, datada de 10 de maio, em que era ainda pedido a Borrell que enviasse “uma mensagem inequívoca a Tbilissi de que esta legislação é incompatível com o progresso da Geórgia no seu caminho para a UE” através de uma “atualização oral” sobre a adesão do país ao bloco.

Segundo o Politico, a missiva foi assinada pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Letónia, Lituânia, Países Baixos, Polónia e Suécia. Tal declaração não foi feita, pois a Hungria, ajudada pela Eslováquia, obstruiu um acordo sobre o teor da mesma, acrescentou o mesmo site.

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, revelou à AFP que iria viajar ainda ontem para a Geórgia juntamente com os seus homólogos da Islândia, Estónia e Letónia para expressar “as nossas preocupações e encontrarmo-nos com a sociedade civil”.

O secretário de Estado adjunto dos EUA, James O’Brien, reuniu-se ontem em Tbilissi com o primeiro-ministro Irakli Kobakhidze, enquanto em Washington um porta-voz do Departamento de Estado referia que “sabemos que o governo georgiano disse que quer aderir à UE e ter um relacionamento com organizações transatlânticas como a NATO”. “Coisas como esta legislação são inconsistentes com o objetivo declarado”, acrescentou Vedant Patel.

Já o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, acusou o Ocidente de “interferência indisfarçada nos assuntos internos da Geórgia”.

Manifestantes e o partido do primeiro-ministro Kobakhidze prometem não recuar e já foram convocados novos protestos pró-europeus. Alguns manifestantes dizem mesmo que o seu objetivo final é eliminar o Sonho Georgiano, que está no poder desde 2012.

ana.meireles@dn.pt

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