Friedrich Merz. O milionário piloto que quer assumir os comandos da Alemanha
Na sua recém publicada autobiografia, Angela Merkel recorda assim a luta pela liderança da CDU que em 2002 a opôs a Friedrich Merz: “Gosto do facto de ele também ter consciência do poder. Mas havia um problema à partida: ambos queríamos ser o chefe”. Na altura, Merkel ganhou, assumiu a liderança dos democratas cristãos e três anos depois seria eleita chanceler, cargo que exerceu durante 16 anos. Durante esse tempo, Merz saiu da cena política e acumulou uma fortuna considerável como advogado e lobista, só tendo regressado à política quando a saída de Merkel já era mais do que certa. Ora se este católico fervoroso, casado há mais de 40 anos com uma juíza, pai de três filhos adultos, que ainda vive na cidadezinha da Alemanha ocidental onde nasceu e que não se envergonha de pilotar o seu próprio avião não poderia contrastar mais com a protestante Merkel, criada na Alemanha de Leste, sem filhos e casada em segunda núpcias com um cientista, que sempre se distinguiu pela sua frugalidade, a verdade é que é nele que a CDU e a sua aliada bávara CSU aposta para ganhar as eleições antecipadas de fevereiro, depois da queda do governo do social-democrata Olaf Scholz na semana passada.
Aos 69 anos, Merz espera que a sua experiência no sector privado seja uma mais-valia numa Alemanha confrontada com a estagnação económica que ameaça contagiar os restantes países da União Europeia. Confiante em que é o homem certo para pôr o motor da Europa a funcionar de novo na sua plena potência, Merz acusou Scholz se ter “deixado a Alemanha numa das maiores crises económicas do pós-guerra”. Para Sudha David-Wilp, diretora do German Marshall Fund em Berlim, a estratégia de Merz é simples: “Ele está a tentar trazer de volta a Alemanha que funciona”, disse ao The Guardian.
A verdade é que as coisas se aceleraram na semana passada quando o governo de Scholz perdeu uma moção de confiança, levando à antecipação para fevereiro das eleições previstas para setembro. A crise na coligação semáforo - como é conhecido o governo que junta o SPD, os Verdes e os liberais do FDP - começou quando Scholz demitiu o ministro das Finanças, e líder do FDP, Christian Lindner, por desentendimentos na discussão do plano para o orçamento.
Conservador nos costumes mas liberal na economia, Merz, que em 2008 escreveu um livro intitulado Atrevam-se a mais Capitalismo, tem tentado, desde que chegou à liderança do partido em 2022, posicionar a CDU claramente mais à direita do que no tempo de Merkel. Consciente de que a sua grande rival neste momento é a Alternativa para a Alemanha (AfD, de extrema-direita), que surge em segundo lugar nas sondagens, o candidato a chanceler defende uma política mais dura em relação à imigração, mas também promete reverter a legalização da marijuana bem como a decisão de acabar com a energia nuclear na Alemanha. Até agora parece ter, se não ido buscar alguns eleitores à extrema-direita, pelo menos evitado que mais troquem a CDU pela AfD. Mas também não falta quem, mesmo dentro do partido, o esteja a pressionar para aceitar coligar-se com esta depois das eleições - uma ideia que Merz até agora rejeitou liminarmente.
Crítico feroz da política de braços abertos de Merkel, que permitiu a entrada de mais de um milhão de refugiados na Alemanha só em 2015, Merz tem denunciado também a opção da anterior chanceler de manter o diálogo com a Rússia. O candidato a chanceler tem-se mostrado um grande apoiante da Ucrânia,. Ao contrário de Scholz, defendeu mesmo que Kiev deve ter mais capacidade para atingir solo russo, tendo prometido ao presidente Volodymyr Zelensky, numa recente visita a Kiev, que se chegar ao poder a Alemanha irá fornecer aos ucranianos os mísseis de longo alcance Taurus, que estes tanto têm pedido a Berlim.
Mas se por enquanto as sondagens dão uma vantagem substancial à CDU/CSU - a última, do INSA, dá aos democratas cristãos 32% das intenções se voto, seguidos da AfD com 20%, do SPD com 16% e dos Verdes com 12% - o caminho de Merz para se tornar chanceler é tudo menos linear e sem obstáculos. Algumas declarações suas do passado podem agora voltar para o assombrar como quando acusou alguns refugiados de guerra ucranianos de estar a fazer “turismo de saúde” na Alemanha, aproveitando para “arranjar os dentes” à custa dos contribuintes alemães quando estes não conseguem uma consulta, ou quando se referiu aos filhos de imigrantes muçulmanos como “pequenos paxás”, tendo mais tarde justificado as suas palavras por ser assim que os seus eleitores os identificam. Apesar das desculpas que apresentou, estes episódios colaram-lhe à pele a imagem de xenófobo.
Nascido a 11 de novembro de 1955 na Sauerlândia, uma região montanhosa no estado da Renânia do Norte-Verstefália, Merz formou-se em Direito, tendo sido eleito eurodeputado em 1989. Cinco anos depois era eleito deputado a um parlamento alemão que na altura ainda era em Bona, a capital da Alemanha Ocidental, onde teve o mais tarde mítico ministro das Finanças Wolfgang Schäuble como mentor. Ambicioso, Merz rapidamente ascendeu dentro da CDU, mas acabou por perder a lutar de poder com Merkel que assumiria a liderança após o escândalo financeiro que envolveu o chanceler Helmut Kohl. Vem também dessa época a ideia de que Merz ferve em pouca água. A revista Der Spiegel descreveu-o como alguém que tende a levar os conflitos para o lado pessoal e é dado a acessos de raiva, escrevendo que “se Merz fosse um toureiro, provavelmente seguraria o pano vermelho à frente da barriga”. O próprio Scholz tem apresentado o rival nas próximas eleições como um “cabeça-quente” que jogaria à “roleta russa” com Moscovo ao mandar mísseis de longo alcance para Kiev.
Depois de deixar o Parlamento em 2009, Merz acumulou uma fortuna considerável como advogado e lobista a trabalhar para grandes empresas e para bancos de investimento. Foi então que este homem altíssimo - os seus quase 2,00 metros de altura permitem-lhe destacar-se facilmente numa multidão - tirou a licença de piloto, sendo comum usar o seu próprio avião para se deslocar. “Uso menos combustível com este pequeno avião do que qualquer carro oficial pertencente a um membro do governo federal”, garantiu há uns tempos. Um argumento que dificilmente convencerá os alemães que estão a sofrer as consequências da desaceleração da economia, tal como gerou críticas a sua afirmação de que não está desligado dos problemas do alemão comum, sendo “da classe média alta”.
Com uma retórica fácil e sem medo de enfrentar uma boa batalha política, resta saber se, apesar dos ataques dos rivais que o apresentam como o “Trump alemão”, desligados dos problemas dos eleitores, Merz consegue convencer os alemães de que é a melhor opção para liderar o país nos próximos quatro anos.
OUTROS CANDIDATOS
Olaf Scholz - SPD
A liderança do SPD voltou a nomear Scholz, de 66 anos, como candidato a chanceler nas eleições de 2025. O seu nome ainda precisa de ser confirmado oficialmente no congresso do partido marcado para 11 de janeiro. Com o fim da coligação semáforo, depois de Scholz demitir o seu ministro das Finanças e líder dos Liberais, Christian Lindner, somaram-se críticas e dúvidas sobre a atuação do ainda líder do executivo. Boris Pistorius, surgiu como o nome preferido dos eleitores alemães, sendo o político com o mais elevado índice de popularidade no país. Mas o ministro da Defesa anunciou que não estaria disponível para entrar na corrida. Scholz é o chanceler menos popular da Alemanha desde a reunificação em 1990. De acordo com as sondagens, o SPD está em terceiro lugar, atrás da AfD e da CDU.
Robert Habeck - Verdes
Poucos dias depois do fim da coligação “semáforo”, Habeck, atual ministro da Economia, anunciou a intenção de se candidatar a chanceler pelos Verdes. Annalena Baerbock já renunciara à sua candidatura em julho, deixando o caminho aberto para o também vice-chanceler. No congresso do partido, em novembro, em Wiesbaden, Habeck foi escolhido para candidato por 96,48% dos delegados, confiantes de que, nos próximos meses, os alemães decidirão restaurar a confiança no partido ambientalista. Os Verdes lideraram brevemente as sondagens no início da campanha de 2021, mas caíram a pique, terminando no terceiro lugar com 14,7%. Habeck diz que “muita coisa pode mudar em todas as frentes” até às eleições de fevereiro. O candidato quer continuar a lutar pela proteção do clima, pela reestruturação da economia e por subsídios estatais elevados. Não é popular entre a ala mais à esquerda do seu partido, que se mostrou incrédula com a sua aprovação de medidas para endurecer a política de asilo e imigração.
Alice Weidel - AfD
É a primeira vez que a Alternativa para a Alemanha (AfD), se apresenta a umas eleições federais com um candidato a chanceler. O nome escolhido foi o de Alice Weidel, co-líder do partido de extrema-direita desde 2022 e deverá ser confirmado no congresso que se realiza poucas semanas antes das legislativas. Weidel trabalhou para a Goldman Sachs e a Allianz Global Investors e como consultora empresarial independente antes de se dedicar à política. A candidata da AfD, de 45 anos, sabe que não poderá chegar a chanceler já que nenhuma outra formação está disponível a juntar-se ao seu partido numa coligação. Apesar de ter vencido duas eleições regionais este ano, e de surgir em segundo lugar nas sondagens para a votação antecipada de fevereiro, a AfD enfrenta um pedido de mais de uma centena de membros do Bundestag que querem que seja banida pelo Tribunal Constitucional Federal.