França digere ondas de choque do AUKUS

Depois da "facada nas costas", Paris cancelou uma gala em Washington e convocou embaixadores da capital dos EUA e da Austrália. Norte-americanos querem resolver "divergências".
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É a segunda vez que o presidente francês, Emmanuel Macron, dá instruções para se chamar embaixadores a Paris para consultas. A primeira aconteceu em fevereiro de 2019, em plena crise diplomática com Itália, durante o governo do Movimento 5 Estrelas-Liga, quando o vice-primeiro-ministro, Luigi Di Maio - agora ministro dos Negócios Estrangeiros -, se reuniu com dirigentes do movimento Coletes Amarelos.

Desta vez o motivo da convocatória dos diplomatas creditados nos Estados Unidos e na Austrália é a "gravidade excecional" do anúncio da parceria estratégica entre Washington, Londres e Camberra para o Indo-Pacífico, e que teve como consequência o cancelamento pela Austrália de um contrato de aquisição de 12 submarinos a França.

"A pedido do presidente da República, decidi chamar imediatamente a Paris os nossos dois embaixadores nos Estados Unidos e na Austrália para consultas. Esta decisão excecional é justificada pela gravidade excecional dos anúncios feitos a 15 de setembro pela Austrália e pelos Estados Unidos", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian. "As suas consequências afetam o próprio conceito que temos das nossas alianças, das nossas parcerias e da importância do Indo-Pacífico para a Europa", continuou.

Esta é a primeira vez que uma decisão deste tipo, de elevada carga simbólica, é tomada em relação a estes dois aliados da França, em especial os EUA, com os quais partilham uma história desde a Guerra da Independência.

DestaquedestaqueWashington lamentou a chamada dos diplomatas e deu sinal de querer "resolver as divergências" com Paris. Encontro previsto entre chefes da diplomacia em Nova Iorque nos próximos dias.

A convocatória dos diplomatas foi a mais recente iniciativa de Paris, depois de ter cancelado uma gala prevista para sexta-feira à noite em Washington, para comemorar a Batalha de Chesapeake Bay, a qual teve uma importância decisiva na independência americana, e que terminou com a frota francesa a derrotar a frota britânica. E antes um funcionário da Casa Branca garantia terem informado os franceses da parceria, algo que a embaixada francesa desmentiu de imediato.

Perante tudo isto, um funcionário da Administração Biden tentou pôr água na fervura. "Temos estado em estreito contacto com os nossos parceiros franceses sobre a sua decisão de chamar o embaixador em Paris para consultas. Lamentamos que tenham dado este passo, mas continuaremos empenhados nos próximos dias a resolver as nossas divergências, como fizemos noutras ocasiões durante a nossa longa aliança", disse. Os norte-americanos adiantaram que durante a próxima semana, na Assembleia-Geral da ONU, o chefe da diplomacia, Antony Blinken, deverá reunir-se com Le Drian.

Por seu lado, a Austrália não emitiu qualquer pedido de desculpa ou justificação, tendo apenas mostrado compreensão pela deceção francesa. "Compreendo perfeitamente o desapontamento. É óbvio que estas são questões muito difíceis de lidar. Mas continuaremos a trabalhar de forma construtiva e estreita com os nossos colegas franceses", disse a chefe da diplomacia australiana, Marise Payne.

Sendo certo que os franceses reagiram com indignação, em especial pela voz do ministro Le Drian, o presidente francês ainda não se pronunciou sobre o assunto. O anúncio de Ursula von der Leyen, durante o discurso sobre o estado da União, da realização de uma cimeira dedicada à defesa em 2022, quando Paris assumirá a presidência rotativa do Conselho da UE, pode dar pistas sobre o rumo a tomar quer pela França - o único país do bloco com projeção militar em quase todo o mundo - quer pelos restantes, no sentido da "autonomia estratégica" face aos Estados Unidos e à Aliança Atlântica.

Quebra de confiança

A forma como os australianos preteriram o acordo assinado em 2016 foi recebido como uma "facada nas costas". "Tal decisão, anunciada sem qualquer consulta prévia, marca uma verdadeira quebra de confiança", disse o embaixador francês em Camberra, Jean-Pierre Thebault.

Dinheiro

O "contrato do século" previa a entrega de 12 submarinos a diesel e eletricidade e o valor global de 50 mil milhões de euros iria alimentar a Naval Group, estatal, mas também muitas PME.

Estratégia

França não é só o hexágono na Europa. No Indo-Pacífico há territórios e departamentos como a Nova Caledónia e a Reunião onde vivem mais de dois milhões de franceses e Paris quer ter um papel importante na vasta região.

cesar.avo@dn.pt

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