Fim da paralisia no Congresso dos EUA é via aberta de apoio à Ucrânia
Para os congressistas norte-americanos muito distraídos, o diretor da CIA William Burns foi cristalino. “Existe um risco muito real de que os ucranianos possam perder no campo de batalha até ao final de 2024, ou pelo menos colocar Putin numa posição em que possa essencialmente ditar os termos de um acordo político”, disse na quinta-feira o antigo embaixador dos EUA em Moscovo ao falar sobre o cenário de Washington não enviar mais assistência militar a Kiev. Esse cenário parece agora ultrapassado, depois de o presidente da Câmara dos Representantes ter agendado a votação sobre os pacotes de ajuda externa para hoje, ao fim de meses de paralisia. O que o levou o republicano Mike Johnson por fim a agir, e com isso a arriscar o seu lugar, é uma pergunta para já sem resposta. À ajuda que deverá ser aprovada com os votos dos democratas junta-se o acordo, entre os países da NATO, sobre o envio de sistemas de defesa aérea adicionais.
O Senado dos EUA, de maioria democrata, aprovou em fevereiro um pacote de 95 mil milhões de dólares de ajuda à Ucrânia, Taiwan e Israel, mas este nunca foi levado à discussão na Câmara, onde a última legislação de apoio a Kiev foi aprovada há 16 meses. Desde então, a fação extremista dos republicanos - a mesma que desalojou o anterior presidente, Kevin McCarthy - começou a pôr em causa a ajuda à Ucrânia, ligando qualquer iniciativa adicional a um pacote de segurança na fronteira com o México.
Na sexta-feira, a última barreira para votar os pacotes de ajuda foi ultrapassada, quando 165 democratas e 151 republicanos votaram a favor da medida regimental para fazer avançar a legislação - semelhante àquela aprovada pelo Senado - em quatro partes. Para a Ucrânia só cerca de 20% dos 60,8 mil milhões de dólares irá de forma direta, em forma de empréstimo. O resto irá para as empresas de armamento norte-americanas, alimentando a indústria do país.
Em concreto, 23,2 mil milhões de dólares são para repor os stocks de armas e equipamento já fornecidos à Ucrânia e 13,8 mil milhões de dólares para permitir que a Ucrânia se rearme através da compra de armas e munições aos EUA. Desta forma, por exemplo, prevê-se que a capacidade industrial para a produção de munições de artilharia de 155 milímetros atinja as 100 mil unidades por mês, ou que a produção de mísseis PAC-3 para os sistemas de defesa aérea Patriot atinjam os 650 por ano, mais 150 do que até agora.
O curioso é que, segundo um levantamento feito pelo The Washington Post, muitos dos eleitos republicanos pelos círculos do Congresso diretamente beneficiados - e são 65 com 122 linhas de produção de armas e equipamento - mostram-se contra um impacto positivo direto para a economia local.
Outro mistério por desvendar é a mudança de posição de Mike Johnson. Enquanto simples representante do Louisiana votou sempre contra a ajuda à Ucrânia, alinhando com a ala extremista liderada por Marjorie Taylor Greene, a representante que papagueia os argumentos da desinformação do regime de Vladimir Putin, ao chamar ao governo de Kiev os “nazis ucranianos”. Ainda há dias Johnson não quis receber o chefe da diplomacia britânica, David Cameron, que anunciara o encontro para dizer-lhe que “a Ucrânia precisa do dinheiro”. Mas o antigo primeiro-ministro foi recebido por Donald Trump e pouco depois Johnson viajou até à Florida, onde ouviu o futuro candidato republicano a elogiar o seu trabalho. Um claro sinal de que estava contra a ameaça de Taylor Greene em depor o speaker caso este agendasse a legislação de ajuda à Ucrânia.
Na quarta-feira, ao anunciar, sem esconder a emoção, que iria acabar com o impasse, Johnson reconheceu que o seu cargo ficava em risco, mas que não tinha outra escolha. “Acredito realmente nas informações e nos relatórios que recebemos. Acredito que Xi [Jinping], Vladimir Putin e o Irão são realmente um eixo do mal” e avisou que Putin, se não for travado na Ucrânia, “continuará a marchar pela Europa” e, ao dizer que o seu filho vai entrar na Academia Naval, rematou: “Para ser franco, prefiro enviar balas para a Ucrânia do que rapazes americanos.”
A Ucrânia, que anunciou ter derrubado pela primeira vez um bombardeiro estratégico russo, deverá receber entretanto mais sistemas de defesa aérea. Foi o que o secretário-geral da NATO disse após ter falado com o presidente ucraniano. Volodymyr Zelensky disse que o seu país necessita "no mínimo" de mais sete sistemas de defesa aérea Patriot ou "semelhantes". Jens Stoltenberg disse que há sistemas Patriot e SAMP/T disponíveis.