Em 11 de setembro de 2001, os dois aviões desviados por terroristas da Al-Qaeda e direcionados contra as Torres Gémeas causaram 2753 mortos.
Em 11 de setembro de 2001, os dois aviões desviados por terroristas da Al-Qaeda e direcionados contra as Torres Gémeas causaram 2753 mortos.Spencer Platt/Getty Images/AFP

Felipe Pathé Duarte: “Com a guerra global ao terrorismo, a Al-Qaeda adaptou-se e tornou-se mais fluida”

Para o professor na Nova School of Law e coordenador do Centro de Conhecimento Nova War & Law Lab, a Al-Qaeda, o Estado Islâmico e organizações afiliadas continuam a ser uma ameaça real.
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O 11 de Setembro foi o ataque terrorista mais mortífero e “espetacular”, mas de certa forma marcou o princípio do fim da ameaça global da Al-Qaeda. Concorda?
Sim, foi um ataque paradigmático. E o mais impactante até ao momento. Mas não, não foi o princípio do fim da Al-Qaeda. Esta estrutura sofreu a pressão da guerra global ao terrorismo (que durou até à retirada norte-americana do Afeganistão, em 2021), mas adaptou-se, hibridizando-se e ficando mais fluida. Foi precisamente esta transformação que a tornou mais global, descentralizada e não menos eficaz. Ou seja, adaptou-se à pressão sobre a liderança central, com estruturas regionais que têm autonomia operacional.
De que forma evoluiu o terrorismo de cunho islamista?
Em Estados estruturados, como na Europa, afastou-se de grandes ações que implicam tempo, logística e organização. Passou a privilegiar ações individuais por inspiração ideológica, menos sofisticadas, mas mais difíceis de monitorizar. Em Estados menos estruturados, fundiu-se com agendas de contestação local. Aproveitam-se da insegurança e da instabilidade política para concentrar os seus ataques às forças de segurança locais, grupos militantes rivais e alvos de oportunidades ocidentais que estejam nas suas áreas de operação. Criou condições para ter espaço e estrutura, como o caso das organizações afiliadas na África Ocidental ou na Ásia Central.
Apesar de ter perdido o “califado”, há indicações de que o Estado Islâmico (EI) ressurgiu nos últimos meses no Iraque e na Síria, numa altura em que os EUA planeiam retirar tropas da região. Até que ponto o EI é uma ameaça regional?
Houve perdas nos últimos anos, mas continuamos a ver uma ameaça real do EI no Iraque e na Síria. Vimos também o surgimento de uma estrutura afiliada do EI dentro do Afeganistão que representa uma ameaça externa, com clara intenção de atacar o Ocidente. No Iémen, por exemplo, a Al-Qaeda na Península Arábica está agora a concentrar os seus esforços em ataques que promovem a insegurança em áreas ostensivamente controladas pelo Governo do país, especialmente em Abyan e Adém.

Felipe Pathé Duarte, professor auxiliar e investigador na NOVA School of Law. REINALDO RODRIGUES

No Médio Oriente coincidem grupos de “resistência” inspirados pelo Islão, como o Hamas e o Hezbollah. O Irão é a chave para uma inflexão, ou a questão é muito mais complexa?
É chave para inflexão porque os interesses se tornaram convergentes. Mas a questão é mais complexa. Há, de facto, uma articulação entre os Guardas da Revolução do Irão e o aparelho central do Hamas, sobretudo através do atual líder, Yahya Sinwar. Esta forte aproximação de um movimento sunita ao Irão, xiita, teve a ver com o enfraquecimento geral da liderança política sunita islamista, nomeadamente com o pós-primaveras árabes, queda mediática da causa palestiniana e a falência do jihadismo. Isto fez com que o Hamas se fosse tornando cada vez mais um ponta de lança da resistência islâmica, mas para isso precisava de apoio. O Irão foi a porta certa. Quanto ao Hezbollah, faz a ponte entre árabes e persas xiitas e é um elemento vital para a estratégia de Teerão da região.
Segundo o Índice Global de Terrorismo, de 2023, do Institute for Economics and Peace, entre os dez países mais atingidos, só dois não têm maioria muçulmana. Sendo os muçulmanos as principais vítimas do extremismo islamista, por que é que aparentemente tão pouco fazem para combatê-lo?
Há muitas variáveis a equacionar. A generalização pode ser um engodo. Não sei se será só pelo facto de terem maioria muçulmana. Temos também de olhar para as dinâmicas sociais e estruturas políticas de cada um destes países. Assim como assim, é preciso lembrar que o takfir (apóstata muçulmano) é o principal inimigo do jihadismo. E, por questões estatísticas, onde há mais takfiris será em países islâmicos.
Os atentados ou projetos de atentados de radicalizados na Europa sucedem-se, com diferentes desfechos. A consequência direta tem sido alimentar o discurso de ódio aos imigrantes e o crescimento da extrema-direita. A Europa é hoje menos livre do que no dia 10 de setembro de 2001?
Seguramente.

cesar.avo@dn.pt

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